NINA SIMONE: VOZ RETUMBANTE

NINA SIMONE: VOZ RETUMBANTE

Nina Simone: voz retumbante e inconfundível na luta pela igualdade racial

Literalmente, Eunice Kathleen Waymonmm, mundialmente conhecida pelo nome artístico Nina Simone, usou o poder de sua voz para dar visibilidade aos problemas enfrentados pelos negros norte-americanos. Ao longo de sua vida, a negra Nina Simone fez de seu canto ferramenta contra a segregação racial.

Atuou ao lado de grandes líderes como Martin Luther King Jr., que defendiam a luta pela igualdade de raças, predominante nos Estados Unidos da década de 1960, e, com sua canção Mississippi Goddamn, que denuncia o assassinato de quatro crianças negras em uma igreja de Birmingham em 1963, criou um hino ativista da causa negra.

Presença militante em muitos encontros pelos direitos civis, incluindo as marchas de Selma a Montgomery, sua voz também deu eco aos que eram contrários à Guerra do Vietnã, ao se apresentar em um evento militar em Forte Dix, Nova Jersey, em 1971.

Discursou e defendeu, durante esse período de violação aos direitos civis, uma revolução violenta, contrastando com a abordagem não violenta de Martin Luther King, em cujo enterro foi convidada para cantar.  Ela acreditava que os afro-americanos poderiam, através do combate armado, formar um estado separatista.

Filha de uma ministra metodista e de um marceneiro, e a sexta de oito irmãos, começou, aos 20 anos, cantando blues em bares de Nova York, Filadélfia e Atlantic City, com o nome Nina Simone (“Nina”, inspirado no nome espanhol de menina, e “Simone” em homenagem à atriz francesa Simone Signoret), escondida de seus pais, enquanto treinava para tornar-se uma pianista clássica.

Foi pianista, cantora e compositora bastante conhecida nos meios musicais do jazz, e atuou também com diversos estilos musicais como música clássica, blues, folk, R&B, gospel e pop, mas seu sonho era ser uma grande concertista de conservatório. E foi aí que se deu seu primeiro encontro com a discriminação racial: ainda jovem, foi impedida de ingressar no Instituto de Música Curtis na Filadélfia, apesar de ter cursado e ter sido aluna destaque no piano clássico em Nova York.

Hits como Feeling Good, Don’t Let Me Be Misunderstood, Ain’t Got No – I Got Life, I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free e Here Comes The Sun, além de My Baby Just Cares For Me, deram a Nina Simone lugar de destaque musical nos EUA e no mundo. E não há quem não tenha ouvido o sonoro  Ne me quitte pas na voz de Nina Simone.

Por duas vezes visitou o Brasil, onde gravou “Pronta pra cantar (Ready to sing)” com Maria Bethânia, em 1990. Seu último show no Brasil aconteceu em 1997.

I Love You, Porgy (da ópera Porgy and Bess), de George Gershwin, tornou-se a sua única canção que alcançou o top 20 da Billboard nos Estados Unidos, e o seu álbum de estreia Little Girl Blue foi rapidamente aceito pela Bethlehem Records.

Após o sucesso de Little Girl Blue, Simone assinou um contrato com a Colpix Records e gravou diversos álbuns de estúdio e álbuns ao vivo. Neste período, Simone apresentava música popular somente para ganhar dinheiro para continuar seus estudos clássicos, e era indiferente sobre ter um contrato com alguma gravadora.

Manteve essa atitude independente e autônoma em relação à indústria fonográfica durante a maior parte da sua carreira, como mais uma forma de autoafirmação de sua atuação em favor da causa negra e dos direitos civis de sua raça.

Em 1964, ela trocou  a American Colpix pela gravadora holandesa Philips, onde pôde exercer totalmente sua criatividade musical e estabeleceu mudança no conteúdo das gravações. Simone passou a gravar em seu repertório canções que remetiam à sua origem afro-americana e à desigualdade social que prevalecia nos Estados Unidos.

Nina Simone teve um primeiro e breve casamento com um artista de rua. Depois, em 1961, conheceu o detetive da polícia de Nova York, Andrew Stroud, que mais tarde se tornaria o seu agente e também seu agressor. Por muitos anos Nina Simone esteve ligada e foi emocionalmente dependente dele.

A mulher que combatia a violência era a própria vítima em casa. Nesse ambiente, desenvolveu uma depressão crônica e uma bipolaridade. Tornou-se volátil e temperamental. Em controle de suas finanças, Stroud a acusou de sonegação fiscal, forçando-a por anos a viver em outros países como Barbados, França e Libéria.

Gravou, em 1965, Strange Fruit, de Billie Holiday, uma canção sobre o linchamento de homens negros no sul dos EUA. Também cantou o poema Images (1966), sobre a falta do senso de orgulho que viu entre as mulheres afro-americanas. Nina escreveu Four Women, uma canção sobre quatro estereótipos diferentes de mulheres afro-americanas e incluiu a gravação em seu álbum de 1966, Wild is the Wind.

Embora em seus primeiros anos de apresentação fosse considerada arrogante, nos anos mais maduros de sua vida, essa postura desapareceu e Nina Simone gostava de dialogar com seu público. Envolvia a plateia contando anedotas relacionadas à sua carreira e sua música e, por vezes, solicitava a participação de seus convidados.

Esse novo comportamento chamou a atenção da mídia e, em 1987, sua música My Baby Just Cares for Me, lançada originalmente em 1958, foi usada em um comercial do perfume Chanel Nº 5. A canção estourou na quarta posição na parada de singles do Reino Unido, colocando-a, outra vez, em destaque internacional.

Em 1992 publicou sua auto autobiografia, I Put a Spell on You. Em 1993, gravou seu último álbum, A Single Woman, e fixou morada perto de Aix-en-Provence, no sul da França. Dez anos depois, em sua casa na cidade de Carry-le-Rouet, Bouches-du-Rhône, Nina perde a batalha para o câncer de mama. Morreu dormindo. A seu pedido, suas cinzas foram espalhadas em vários países africanos. Deixou como descendente uma única filha, Lisa Celeste Stroud, atriz e cantora, que adotou o nome artístico Simone.

A talentosa e sofrida ativista social, a temperamental mulher porta-voz da igualdade das raças, a cantora excepcional se foi, mas sua voz firme e forte ecoará para sempre nas canções que serviram e servem para embalar os ideais de uma sociedade mais respeitadora, mais justa e mais igualitária.

Salve, Nina Simone!

(Tryon, 21/02/1933 – Carry-le-Rouet, 21/04/2003)

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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