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Nordeste beira-mar e lazer

Nordeste: Lazer a beira-mar é para público seleto e cada vez mais restrito

Morar à beira-mar e a dinâmica do lazer na região nordeste

Helaine Matos

Nordeste beira-mar e lazer
Público cada vez mais restrito consegue acessar complexos, que comprometem fauna, flora e até práticas econômicas desenvolvidas por populações locais (Foto: www.odebrecht.com)

Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) estuda as transformações do espaço urbano na região nordeste com a chegada dos complexos turístico-imobiliários

Sol, mar, sombra e água fresca já não bastam para aqueles que escolhem viver dias de descanso e diversão no litoral nordestino. É preciso, também, aliar o cenário paradisíaco ao conforto da modernidade e toda a infraestrutura que lhe é própria. Prova disso, são os resorts e os complexos turístico-imobiliários cada vez mais presentes nas cidades litorâneas.

Para além do lazer, o padrão de moradia à beira-mar, também, passou por transformações significativas nas últimas décadas e de olho nessa realidade que modifica, consideravelmente, o espaço urbano, a geógrafa cearense, Gabriela Bento se propõe compreender a chegada dos complexos turístico-imobiliários na região Nordeste e suas transformações nas metrópoles em que se inserem. Esse é o tema de sua tese de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia, da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Entre os atrativos dos complexos turísticos estão vista para o mar, piscina de borda infinita, sauna, spa, academia, culinária sofisticada, área para eventos, quadra de tênis e campos de golfe, tudo isso aliado a bom atendimento e conforto com a possibilidade de escolher passar apenas alguns dias como turista ou esticar a estada nele e adquirir um imóvel para passar uma temporada no estilo vilegiatura (estadia temporária na praia) ou até mesmo comprar um lote dentro do complexo e fazer dele moradia usufruindo de todas as benesses desse tipo de empreendimento.

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Nordeste beira-mar e lazer
Complexo Aquiraz Rivieira, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza foi construído em área de 285 hectares, sendo uma parte em área de dunas fixas e móveis. Investimento foi de 350 milhões de dólares (Foto: aquiraz-riviera.com/)

 

No entanto, o luxo desses complexos atinge um público seleto e cada vez mais restrito. Em contrapartida, sacrifica ambientes naturais, comprometendo fauna, flora e até mesmo práticas econômicas desenvolvidas pela população local. Exemplo disso é o complexo Aquiraz Rivieira, localizado no município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza. Construído em uma área de 285 hectares, com investimento de 350 milhões de dólares, parte de sua estrutura foi construída em área de dunas fixas e móveis, fato comprovado pelo Ministério Público Federal (MPF) que pediu no ano de 2015 por meio de uma Ação Civil Pública a retirada da edificação realizada nas áreas indevidas e a reparação do dano, questionando, inclusive, as licenças ambientais emitidas pela Superintendência Estadual do (Semace).

 

Água para a grama

Além disso, o campo de golfe com padrão internacional, um dos principais atrativos do empreendimento, tem grama que pode ser regada com água salobra, mas que ainda assim demanda o consumo do recurso, em um município afetado pela crise hídrica do Estado. “É possível perceber durante os trabalhos de campo que a falta de água foi agravada após a instalação do empreendimento Aquiraz Riviera, vinculando-se o abastecimento da localidade à Lagoa do Catu. Como os campos de golfe possuem uma alta demanda por água, o abastecimento no complexo não pode ser suspenso, enquanto boa parte da comunidade sofre com a falta de água ou com o pouco abastecimento dela. Outro impacto perceptível está relacionado à flora, com a inserção de espécies exóticas, prática tida como um componente de alteração da paisagem”, afirma a pesquisadora.

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Gabriela Bento (Foto: Acervo pessoal)

No projeto de pesquisa intitulado “Complexos turísticos e a dinâmica do lazer: incorporação e financeirização dos empreendimentos e a produção do espaço urbano nas metrópoles nordestinas”, Gabriela busca refletir sobre o crescimento do imobiliário turístico no litoral, as novas formas de incorporação imobiliária, o planejamento urbano e a reestruturação espacial em metrópoles nordestinas.

Para ela, esse processo de inserção de complexos turísticos altera o tecido urbano e os espaços de lazer, trazendo, inclusive, mudanças na paisagem da zona costeira que apresenta uma urbanização dispersa, paralela à costa e não contínua.  “Se antes a venda dos lugares se pautava na imagem do paraíso isolado, hoje, esses espaços são vendidos através da modernização, com empreendimentos dotados de grande infraestrutura e da privatização das zonas de praia”, afirma.

No artigo “O turismo no Nordeste brasileiro: dos resorts aos núcleos de economia solidária”, a professora Luzia Neide Coriolano e o professor Humberto Marinho de Almeida, ambos da Universidade Estadual do Ceará (UECE), refletem sobre o impacto dos resorts: “implantam-se em litorais pouco habitados e ignoram sua população, pouco compromissados com o lugar e com as pessoas. Quando muito, empregam a mão-de-obra barata e desqualificada, e de baixo nível escolar. Pessoas das localidades turísticas são aproveitadas, se capacitadas e preparadas com treinamentos específicos, mas, para muitos empresários, não interessa tal investimento, assim, os melhores cargos de alto e médio nível são ocupados por pessoas de fora da comunidade. O abastecimento da hotelaria não é feito pelo comércio local, portanto, também, não dinamiza o comércio. Apesar de o Estado oferecer toda a infraestrutura de instalação do empreendimento, conceder isenção fiscal, não se exige nenhuma contrapartida substancial dos empreendimentos, exceto pela geração de empregos, nem sempre oportunizados, em favor das comunidades”.

Os pesquisadores, também, sugerem a “necessidade de maior controle por parte do Estado, em relação à mitigação dos impactos ambientais, as descaraterizações das paisagens com exigência de modelos arquitetônicos compatíveis ao uso de materiais adequados, controle dos recursos hídricos, valorização e potencialização da local, prestigiando as peculiaridades das festas folclóricas, artes, mitos, artesanatos, gastronomia, festas e eventos temáticos”.

Novos padrões de lazer no litoral

costa do sauipe
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O Costa do Sauipe, inaugurado na década de 2000, é um exemplo de como o litoral nordestino adquiriu grande potencial turístico-imobiliário no país (Foto: dicasdepousadasehoteis.com.br)

Se no passado, a predominância das segundas residências no litoral nordestino pautava-se pela presença das tradicionais casas de praia ou de veraneio para descanso ou nos pequenos condomínios tradicionais, hoje, segundo Gabriela Bento, “os novos padrões imobiliários diferem-se através do tipo de aquisição, dos atrativos internos e das localidades. Nos complexos turístico-imobiliários se tem a junção de todas as modalidades dentro de um único empreendimento. Durante as décadas de 1980 e 1990, os empreendimentos considerados tradicionais, apresentavam como atrativos apenas a área comum do condomínio, em muitos casos, composta por piscina, deck e sua localização de estar no litoral e estabelecer o uso da zona de praia. A partir da década de 2000, novos padrões de consumo são pensados, visando uma relação direta entre os atrativos dos empreendimentos, desde piscina, quadras de tênis, spa, sauna e o mar. Esses novos padrões buscam cada vez mais consumidores e utilizam atrativos que antes não eram incorporados à dinâmica local. No caso do litoral metropolitano de Fortaleza, por exemplo, isso pode ser analisado através dos campos de golfe instalados nos novos empreendimentos”, avalia.

Como corpus do seu trabalho, a pesquisadora utiliza o Complexo Hoteleiro Costa do Sauipe, no litoral metropolitano de Salvador, Reserva do Paiva, no litoral metropolitano de Recife e o Complexo Aquiraz Riviera, no litoral metropolitano de Fortaleza. “Esses três empreendimentos apresentam elementos interessantes para o cerne desta pesquisa: a partir da década de 2000, como ocorre com o Costa do Sauipe, o litoral nordestino aparece como grande potencial turístico-imobiliário no país. Mas o que está além desse mercado são as transformações ao longo das décadas nesses espaços, vinculadas aos tipos de capitais que são incorporados. Nos três complexos analisados, dois tiveram transformações na sua incorporação e gestão. Além disso, atenta-se para as mudanças, também, nas funções que esses espaços acabam adquirindo, de acordo com o mercado e a demanda. Busca-se entender como ocorre a relação entre a produção imobiliária, incorporação e administração e seus impactos na produção e consumo dos espaços litorâneos metropolitanos”.

Um outro ponto a ser considerado nessa temática é o alto poder aquisitivo do público que  faz adesão aos complexos turísticos nessas metrópoles, formado em sua maioria por classe média e alta.

Em função do mar

Alexandre Queiroz Pereira UFC
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Alexandre Pereira (Foto: Acervo pessoal)

Para o orientador de Gabriela, o professor Alexandre Queiroz Pereira, as práticas marítimas modernas são resultado da intensificação e da transformação das relações da sociedade com o mar e o marítimo. “Elas se estabelecem como práticas de lazer e do bem-viver. São exemplos: a estada temporária na praia, chamada de vilegiatura, o morar à beira-mar, não é a toa que o metro quadrado é tão valorizado, o turismo, o banho de mar, os esportes náuticos. Ou seja, são todas as práticas em função do mar e do marítimo e que tem como fim o lazer, o descanso, a contemplação, a recreação e o ócio”, afirma.

Ele utiliza o caso da capital cearense, para tratar dessa questão: “Fortaleza é uma cidade litorânea e tanto em função dos visitantes como dos moradores, percebe-se cotidianamente o uso do seu lado mar para fins de lazer e recreação. Podemos afirmar que na cidade, a praia é o principal espaço público. É o espaço mais popular, onde acontecem os grandes eventos públicos da cidade. A festa de recepção do Ano Novo é um dos grandes exemplos. Diariamente milhares de pessoas desenvolvem as práticas mencionadas. Esses são os espaços que recebem muita atenção do poder público com investimentos em requalificação urbana e criação de atrativos”.

Além disso, Alexandre acredita que a pesquisa de Gabriela Bento, sobre os complexos turístico-imobiliários “adentra num aspecto importante desse processo: a constituição empresarial e financeira de grandes empreendimentos pensados para atender a esse fenômeno de massa que é o gosto pelo lazer e moradia à beira-mar. Além disso, o estudo encaminha-se no entendimento do processo de metropolização induzido, também, por atividades de reprodução do espaço urbano. É importante compreender quem são os agentes protagonistas desse mercado, qual o nível de consolidação desses complexos turísticos, quais as relações com os lugares onde se estabelecem. Há um leque de possibilidades que só o desenrolar da pesquisa pode evidenciar os resultados”.

ANOTE AÍ

Fonte: Nossa Ciência

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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