Nosso quintal é do tamanho do mundo

Nosso quintal é do tamanho do mundo

Por Andreia Prestes

Nosso quintal é do tamanho do mundo

Nele passaram os sonhos de Marighela

Pisaram os pés do Gregório Bezerra

As palavras do Prestes

Resistimos!

Nesse quintal Ecilas e Marias

falaram sobre a dor do exílio,

dos que ficaram e dos que partiram.
Resistimos!

Neste terreno se debateu a construção

da Escola de Samba Quilombo dos Palmares,

que pretendia ser um retorno a tradição cultural afro do samba.

Eduardo Rezende, meu bisavô, com Candeia e tantas outras vozes.

Resistimos!

Aqui também sofremos as arbitrariedades

de mandatários tiranos

durante a Ditadura Civil Militar.

Numa manhã de inverno a polícia invadiu,

quebrou muita coisa e levou todos presos.

Resistimos!

O quintal assistiu a prisão da bisavó Alice,

mulher de vida sofrida que teve coragem

de em 1929 se insurgir contra o marido violento

e construir novas relações afetivas.

Resistimos!

Aqui, neste quintal, incansáveis vezes nos reunimos

para lembrar de João Massena, meu avô,

integrante do Comitê Central do Partido Comunista

assassinado pela Ditadura militar em 1974,

cujo corpo não nos foi dado sequer o direito de velar.

Do tamanho do mundo é o quintal.

Lugar de memória, de luta e também de lágrimas.

Resistimos!

Andreia Prestes – Escritora. Neta da revolucionária Maria Prestes, falecida no último dia 4 de fevereiro, aos 92 anos, a quem homenageamos com a publicação deste poema.


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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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