O capitalismo distancia nossos abraços

O CAPITALISMO DISTANCIA NOSSOS ABRAÇOS

O capitalismo distancia nossos abraços

“Tenho andado só e descoberto que as ruas estão desertas e que os corações estão cheios de marcas e assaltos”

Por Alexandre Lucas/Portal Vermelho

Escrevo poesia com a faca na língua. Óculos sujos e letras embaraçadas. A borboleta pousa nas bananas e o carnaval sacode as minhas dores. Larissa fala de poesia e de ternura quando me ler, mas está distante, o capitalismo distancia nossos abraços.
Tenho andado só e descoberto que as ruas estão desertas e que os corações estão cheios de marcas e assaltos, alguns tiros.
Outro dia recebi uma foto da praia, ela estava cheia de sol, enquanto recebia o calor do café numa manhã de sábado, num boteco regado de conversas sobre solidão e arte. A praia estava distante e o celular me atormentava com imagens mentirosas de felicidade.
A médica estava melhor, estava quase podendo dançar e cuidar dos animais. Morava só, aliás com os seus cachorros. Faz tempo que a gente não se encontra, as vezes trocamos algumas palavras.
A enfermeira também está distante, mesmo assim lembrou de mandar flores e de fotos do mar. O mar é grande, mas parece vazio.
Val me mandou uma sua tela, uma imagem de mulher com dedos na boca. Val é poeta e carrega seu corpo na palavra. A tela ainda não chegou.
Na quadra as crianças brincam, mas escuto choros.
Amanhã tenho livros para organizar. Hoje, tenho retalhos de histórias, jogados em cima mesa de fitas coloridas, onde divido cafés com alecrim, olhos brilhantes e espalho desaforos.     
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
 
Alexandre Lucas – Pedagogo e integrante do Coletivo Camaradas

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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