O causo do berro do boi de Briolanja – Dona Briolanja, uma senhora que viveu há muitos anos atrás nas terras hoje pertencentes ao município de Alto Longá é protagonista de muitas lendas daquela região. Uma delas já contamos aqui, em um post chamado “A origem da Humildade na Terra dos Humildes”. Mas existe ao menos mais uma história protagonizada por ela que vale a pena ser contada.
Por Causos Assustadores do Piaui
(Alto Longá – Piauí)
Briolanja era um velha viúva muito rica e poderosa. Senhora de terras e escravos, não tinha nenhuma pena de maltratar os seus cativos e serviçais. Certa vez, pediu a um escravo que fosse pegar um boi para fazer um churrasco. Este fez de tudo pra pegar o bicho, mas não conseguiu. A velha, muito irritada, pediu a outros vaqueiros que trouxessem o animal. Depois, mandou enterrar o boi, o cavalo e o escravo que não cumpriram com sua vontade.
Desde esse dia, o boi virou assombração e toda vez que uma tragédia se achegava, o boi berrava forte e grosso em uma espécie de aviso sinistro. Essa gente que se acha toda poderosa não acredita muito nessas coisas. Acha que pode tudo, sem que possa sofrer um castigo de quem quer que seja.
A velha se achava tanto que nem mesmo temor às leis de Deus ela demonstrava. Há muito tempo, mantinha uma relação incestuosa com o próprio filho, que, fruto de seu pecado, era também um arrogante e presunçoso pecador que achava que podia tudo. Um dia, o rapaz, contudo, se apaixonou por uma bela jovem, vindo a se casar com a moça na ambição de com ela constituir família.
A velha, enciumada, não aceitou com bons olhos o casamento.
O filho, afinal não poderia pertencer a outra mulher que não ela. Diante disso, arquitetou um plano diabólico. Plantou a semente da discórdia na cabeça do filho, dizendo que a esposa o traía. Como ele não acreditou muito, orientou-o a se esconder no mato para ver com os próprios olhos que a mulher iria se encontrar com outro homem.
À noite, ciente de que o filho iria seguir sua orientação, a perversa se vestiu com trajes masculinos e dirigiu-se à casa em que o filho morava com sua esposa. Quando se aproximava da porta de entrada ouviu um estampido e percebeu-se mortalmente ferida. O filho havia atirado nela julgando que se tratava do amante da esposa.
O rapaz ainda ao longe não sabia o que tinha feito. Acreditava ter se livrado de um rival. Foi quando escutou o mugido fantasmagórico do boi assombroso e, lembrando das histórias que o povo contava, pressentiu que havia algo de errado. Correu em direção ao corpo caído e verificou que havia alvejado a sua mãe, que jazia morta ali no chão.
O rapaz viveu o resto de seus dias atormentado pela culpa. Sabia a imensidão do pecado horroroso que havia cometido: tinha assassinado a própria mãe. Reconheceu-se pecador, inclusive quanto aos pecados anteriores. Repugnava a si mesmo e percebeu a maldição que recaía sobre quem não seguia a Lei Divina. Há quem diga que terminou por ceifar a própria vida, pois não conseguia viver com sua culpa, deixando a bela esposa, uma boa moça, rica e poderosa.
A história repercutiu no boca a boca do povo por toda a cidade, de modo que todos a conhecem. Tanto que daí surgiu um ditado popular muito comum em Alto Longá: “Deus me livre do berro do boi de Dona Briolanja”, palavras que o povo usa quando quer se ver livre de algo ruim que os ronda. O fato, inclusive, teve muito peso sobre os habitantes dali e ajudou a mostrar a eles que não se deve brincar com as coisas de Deus e do mundo do além, colaborando na formação de um caráter humilde no povo daquela região, que hoje é conhecida como Terra dos Humildes.
FONTE: Causos Assustadores do Piaui
– QUEIROZ, Áurea. Lendas do Piauí. Teresina: Halley, 2013.
– Relato oral de Marcos Luciano Paz, conselheiro tutelar de Alto Longá.
Texto: JOSÉ GIL BARBOSA TERCEIRO
Ilustração: DOUGLAS VIANA