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O DESPERTAR PARA A POLÍTICA

O DESPERTAR PARA A POLÍTICA DE DILMA ROUSSEFF

O despertar para a Política de Dilma Rousseff
 
Aos 16 anos, Dilma assistiu de longe a escalada da crise política que levou à queda de João Goulart, mas o episódio a marcou profundamente. Tanto que, naquele mesmo ano, ingressaria na militância política da qual jamais deixaria até os dias de hoje.
 
Por Fernanda Estima/Revista Teoria e Debate

Quando os militares tomaram o poder em 31 de março de 1964, retirando do Palácio do Planalto o presidente João Goulart, uma jovem de cabelos curtos estava atenta aos destinos do Brasil.

Era estudante do Colégio Estadual Central, considerada uma das melhores escolas secundaristas de Belo Horizonte (MG), na qual havia ingressado no início de março, duas semanas antes do golpe. Dilma Vana Rousseff tinha 16 anos e mal começara a militância política. Diversas organizações de esquerda já estavam presentes no meio estudantil da cidade – como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Ação Popular (AP) e a Política Operária (Polop).

No livro A vida quer é coragem, o jornalista Ricardo Batista Amaral conta que a futura presidenta do Brasil amadureceu rapidamente entre 1962, quando perdeu o pai, e 1964, quando ocorreu o golpe. 

Entre a morte de Pedro Rousseff, as reuniões da Polop e o namoro com o jornalista revolucionário, a ex-aluna do Colégio Sion havia percorrido um caminho longo em ritmo veloz”, recorda. Para começar, Dilma recusou o destino comum das moças de sua classe, que seria cursar a escola normal e tornar-se professora, como fizeram a mãe e as tias.

Seu último ano de ginásio não havia sido estimulante – o Sion foi fechado na onda de mudanças do Concílio Vaticano II e ela, transferida de colégio, para o Santa Dorotéia. Dilma cortou os cabelos bem curtos, deixando aparecer a nuca, com franjas caindo como vírgulas sobre a testa”.

O DESPERTAR PARA A POLÍTICA
Acervo Histórico

Dilma entrou na Polop assim que ingressou na escola pública desenhada por Oscar Niemeyer, sem muros e fervilhando de sonhos e agitação, no centro de Belo Horizonte. A Polop havia sido criada em 1961 por dissidentes do PCB e do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Dentre as organizações da esquerda nacional, tinha fama de ser exigente na formação teórica de seus militantes. O mundo era outro nos anos 1960, e enquanto a política se fazia presente na vida dos jovens, a cultura também era outro grande assunto.

Em meio aos agitos, as canções de Vinicius de Moraes e Carlos Lyra, estavam em alta, assim como os ventos do Cinema Novo de Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, do teatro popular de Oduvaldo Vianna Filho e Dias Gomes, da poesia de João Cabral de Mello Neto e Geir Campos. O Centro Popular de Cultura, o CPC da UNE, ainda era a esquina onde todos se encontravam.

A Polop tinha pelo menos um militante de peso no Colégio Estadual Central, o professor de Matemática Badih Melhem, mas de acordo com a memória de amigos da jovem Dilma naquela época, ela já conhecia Guido Rocha, o primeiro líder da organização, quando chegou à escola.

Na sua turma, fez amizade rapidamente com Sônia Lacerda e Marina Gontijo, militante da AP. Outro dirigente da Polop em Belo Horizonte era Beto Soares de Freitas, que apresentou a Dilma o primeiro texto de Karl Marx, um capítulo de O Capital. Naquela época, a Polop era responsável pelo jornal Política Operária, vendido nas bancas.

Foi também em 1964 que Dilma ficou amiga de Márcio Guedes, um adolescente de olhos claros e cabelos cacheados, que morava com a família no Edifício Levy, no centro de Belo Horizonte. Ele tinha o apelido de Marcinho “Godard”, por conta do seu fascínio pelo diretor francês de cinema Jean-Luc Godard, um dos líderes da Nouvelle Vague.

Dilma e ele se conheceram na pensão da Odete, na Rua Curitiba, quase esquina com a Avenida Amazonas, que servia feijoada aos sábados e era um “aparelho” da Polop.

Marcinho era metido a poeta e gostava de música e da vida boêmia. Em entrevista ao Correio Braziliense, em 2011, ele relembrou aquele tempo: “Passei a frequentar reuniões dos militantes políticos e comecei a sacar que havia algo além dos anos dourados e das festas todos os dias”. Marcinho estava dividido entre dois mundos:

“Havia a turma mais politizada da Dilma e uma outra, de músicos, que me foi apresentada pelo Bituca”. O amigo Bituca é Milton Nascimento. Ele poderia ter embarcado no sonho da política. Mas a arte o fez experimentar outro sonho. Márcio se tornaria um dos grandes poetas e letristas da MPB nos próximos anos.

Naquele período de sonhos, contudo, a barra era pesada — como Dilma gosta de repetir. E a ditadura militar já havia mostrado a que veio nos primeiros momentos daquele março e abril de 1964, quando cassou, prendeu e colocou uma turma em alerta. “Castelo Branco vai sair, mas o próximo presidente da República será muito pior”. A

avaliação foi feita por Dilma aos colegas de classe sobre o provável recrudescimento da ditadura no Brasil. Ela era a nossa analista. Sempre nos mantinha informados sobre o andamento da política nacional”, lembrou o empresário Lindolfo Paoliello, em entrevista 2010, quando a amiga se elegeu presidenta da República.

Amigos daquela época lembraram em 2010 que Dilma sempre teve uma postura discreta no Estadual Central. Não costumava subir em caixotes para fazer discursos, mas era considerada uma competente articuladora. Dilma era do comitê político da Polop e uma das supervisoras dos secundaristas”, relatou à revista IstoÉ o psicólogo Ageu Heringer Lisboa. Dilma não era sisuda, nos valorizava e nos tratava de igual para igual. O nosso compromisso de lutar por um mundo mais justo era visceral”, disse.

Os horrores da Guerra do Vietnã e a glorificação da Revolução Cubana funcionaram como grandes aglutinadores da juventude. A moçada da Polop vivia promovendo sessões de cinema alternativo, passeatas e comícios-relâmpago para escancarar os problemas do mundo.

Dirigente da Polop em Minas, Guido Rocha havia sido preso ainda em 1964 com outros 13 militantes da organização no Rio de Janeiro, ao participarem de uma tentativa de organizar uma resistência armada à ditadura militar, cujos planos foram descobertos por agentes policiais infiltrados ainda na fase preparatória. Muitos foram detidos e torturados. Além de Guido Rocha, outro dirigente político da organização caiu ali. Era o jornalista Cláudio Galeno, que viria a se tornar o primeiro marido de Dilma.

Depois de deixar a prisão, de volta a Belo Horizonte em 1965, Galeno viu na pensão da Odete, frequentada por Marcinho e Dilma, a possibilidade de uma célula revolucionária. Além de Dilma, havia outras amigas, todas secundaristas, vestidas com a blusa branca, gravata verde e saia cinza do Colégio Estadual.

Em cada reunião de análise de conjuntura, as discussões iam descambando para música, cinema novo ou as obras de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Como a organização queria ampliar sua base, as reuniões foram se desenrolando e, em algum momento, Dilma começou a namorar Galeno, com quem se casaria e passaria para a clandestinidade alguns poucos anos depois.

Respirava-se cultura de tal jeito que a própria Dilma também teve seu momento de cineasta. Ela participou de um roteiro coletivo com militantes da Polop: Galeno, Guido Rocha, Eid Ribeiro (futuro diretor de teatro) e o estudante secundarista José Aníbal Peres de Pontes (futuro senador pelo PSDB de São Paulo).

O roteiro foi desenvolvido por Galeno a partir de uma notícia de jornal: um acidente de ônibus numa ponte sobre o rio Paracatu. Os corpos de dezenas de passageiros foram resgatados das águas do rio – menos um, o do remador Giordano Righetti. A mãe passou dois anos buscando em vão pelo filho e relatos de aparições do misterioso afogado começaram a surgir nas duas margens do rio, às vezes simultâneos e sempre impressionantes. O filme nunca chegou a ser concluído, apesar de ter sido rodado.

Mas, para além do envolvimento em cultura, era a política que motivava Dilma e outros jovens da organização. Na época, a principal atividade da Polop era imprimir material considerado subversivo pelas autoridades, tudo para formar novos quadros, e mobilizar os trabalhadores. Para os quadros politizados, Beto Freitas encaixava artigos na revista Mosaico, publicação oficial do diretório estudantil da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Para as massas, Guido Rocha e o jornalista Regis Gonçalves faziam o jornal O Piquete, que circulava clandestinamente entre operários da Mannesmann, da Belgo-Mineira e de outras fábricas da cidade industrial. Dilma cuidava da impressão clandestina de O Piquete.

Mas a agitação cultural era fundamental. Em 1965, Galeno valeu-se de contatos no Rio para levar a Belo Horizonte o show Opinião, que fazia sucesso com as músicas de João do Vale (“Carcará, pega, mata e come/Carcará, mais coragem do que homem”) e dos sambas engajados de Zé Kéti (“Podem me prender, podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião/ Daqui do morro eu não saio, não”).

Com sua paciência e dedicação, Galeno conseguiu uma data para apresentações no Teatro Francisco Nunes. Como a estrela Maria Bethânia não iria, o título do show mudou para Carcará – Em defesa da Música Popular Brasileira. Guido desenhou o cartaz e os militantes venderam todos os ingressos. No teatro lotado (mais de 1.500 lugares) nem todo o público sabia que era um show de finanças” da Polop, mas a polícia desconfiou e um agente infiltrado fez um minucioso relatório daquela atividade subversiva” para a Secretaria de Segurança.

Dilma Rousseff: O despertar para a política
 Foto: Ricardo Stuckert

Reza a lenda  resgatada por Ricardo Amaral no livro A vida quer é coragem, que ao fim da primeira apresentação, um fã carregou João do Vale para o boteco mais próximo, de onde só sairiam no dia seguinte.

Sob o risco de ter de devolver os ingressos, Carlinhos improvisou a segunda sessão com Zé Kéti, reforçado por Pascoal Meirelles na bateria e, no violão, o tal Bituca, o amigo do Marcinho Godard.

Aquela foi a primeira apresentação de Milton Nascimento no palco. Cantou Morro Velho e Canção do sal, futuros sucessos, e garantiu a renda da noite, que a Polop usou para comprar um mimeógrafo.

Entre 1965 e 1967, quando a barra pesada levou Dilma e Galeno a caírem na clandestinidade, a ditadura já estava levando o país para o seu pior momento, com a brutalidade que culminaria com a edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968.

O famigerado AI-5 inauguraria o período mais sombrio da ditadura, instauraria de fato um período de terror absoluto. O “golpe dentro do golpe” seria o resultado final de um processo de arbítrio e cerceamento da liberdade e dos direitos civis.

O ano de 1968 ficaria marcado pela história do Brasil e do mundo pelas grandes mobilizações populares. O movimento estudantil havia escalado as manifestações contra o regime a partir de março, que acabaria com o assassinato do estudante Edson Luis de Lima Souto pela polícia em um protesto realizado no Rio de Janeiro.

Além dos estudantes, a ditadura teve de lidar ainda com a oposição do movimento operário, engajara-se mais e mais contra a ditadura pelas perdas impostas pela política de arrocho adotada pelo regime a partir de 1964. Houve grandes mobilizações de trabalhadores em Contagem (Minas Gerais) e Osasco (São Paulo).

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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