O DIA EM QUE MATARAM CHICO MENDES 

O DIA EM QUE MATARAM CHICO MENDES 

O DIA EM QUE MATARAM CHICO MENDES 

Eram pouco mais de seis horas da tarde. Já havia escurecido. Cheguei de moto. Parei em frente ao casebre simples onde Chico Mendes morava…

Por Gomercindo Rodrigues

Entrei na casa de madeira, coberta com telhas de barro, dois quartos, uma pequena sala, a cozinha e um corredor ligando a sala à cozinha e passando em frente aos quartos. 

Ele estava na cozinha, jogando dominó com dois dos três policiais – um deles tinha ido ao quartel da PM para jantar – que haviam sido destacados para fazerem sua segurança. 

Ao me ver, alegre, disse:

– Oh, “Goma” – que era como ele me chamava, enquanto os outros amigos chamavam-me de “Guma” – que bom que você chegou, assim vamos poder fazer uma “parceirada” para ganhar destes patos. Eu já estou ganhando sozinho. 

– Não, Chico, eu não sei jogar isso direito. 

– Ah, mas pra ganhar destes patos não precisa saber jogar direito.

Senta aí, vamos jogar. 

– Não, Chico, eu não jogo nada a valer.

– Ah, jogar sem ser a valer com estes patos não compensa. Senta aí, vamos jogar de parceiro.

– Chico, eu estou preocupado com o que eu te disse ontem – eu dissera a Chico Mendes, que estava preocupado com o fato de não estar vendo os pistoleiros na cidade desde meu retorno a Xapuri no dia 13 de dezembro de 1988, ao que ele me respondera que naquele dia iria verificar a situação na cidade.

– É, eu também não vi os caras… 

Nesse momento, chegou a esposa de Chico Mendes e disse que gostaria de colocar o jantar, pois o capítulo da novela iria começar e ela queria assistir, pois era o penúltimo da estória. 

Então o Chico disse: – vamos jantar comigo, “Goma”. 

Eu inicialmente agradeci, pois sabia que ele tinha de fazer grande

“ginástica” para conseguir ter comida em casa. 

Ele insistiu, pois sabia que, naquele ano, não raro eu nada tinha para comer e nem dinheiro, pois não tinha salário, nem “projeto” que financiasse minha estada em Xapuri, que só era possível porque o Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA) custeava o aluguel e o telefone da casa onde eu morava, que funcionava como escritório da entidade.  

Dada sua insistência, respondi: – Vou dar uma volta pela cidade para ver se eu encontro os caras, porque eu estou muito preocupado. 

– Tá bom, enquanto isso eu vou tomar um banho e te espero para jantar, mas vem mesmo.

– Tá bom. 

Eu saí, montei na moto, circulei por Xapuri, passei em frente a todos os bares que os pistoleiros costumavam frequentar.  Estava tudo às moscas… 

Alguma coisa me apertava o peito, era uma indescritível angústia que já me acompanhava desde o dia 13 de dezembro, quando retornei da viagem que fiz ao Rio de Janeiro, onde, no dia 7 de dezembro, substituindo Chico Mendes, proferi palestra na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), promovida pela Campanha Nacional em Defesa e pelo Desenvolvimento da Amazônia (CNDDA).

Quando retornei da viagem alguma coisa havia mudado: todos os dias, quando eu abria a janela da minha casa, havia dois pistoleiros postados na praça em frente, desde abril de 1988. Também costumavam ficar dois em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais e dois circulando pela cidade. Quando voltei os pistoleiros haviam sumido de Xapuri. Isso era estranho, muito estranho…

Após o rápido diálogo com Chico Mendes, saí de moto… levei entre cinco e dez minutos para retornar à casa de Chico. Quando fui chegando, sua esposa saiu gritando: “Guma, atiraram no Chico!”

Olhei para trás… Na calçada da Delegacia de Polícia, a cerca de 50

(isso mesmo, cinquenta) metros, vários policiais parados. Gritei: – seus

filhos da puta, não vão fazer nada não?

Nesse momento o Pedro Rocha, compadre do Chico, gritou: – a gente

precisa de um carro que ele está ferido!

Na esperança de que ele pudesse ser salvo, funcionei a moto, da qual eu nem descera, e dirigi-me à agência do Banco da Amazônia, onde eu passara pouco antes e vira que o pessoal estava trabalhando. Cheguei lá e gritei da janela: – Andrias, a gente precisa de um carro, porque atiraram no Chico! 

O Andrias, gerente do banco, saiu correndo, pegou o seu “Escort” e foi direto à casa do Chico. Quando chegamos lá, ele já estava sendo embarcado num caminhãozinho que passava. Perguntei ao Pedro Rocha: “– como ele está?”

O compadre do Chico respondeu:

– Ah… tá morto. Mas não afirmou “tá morto!” Deixou no ar, fez pensar que ele não estava morto, que havia uma esperança. Fui ao hospital. Como eu estava de bermuda não me deixaram entrar. 

Pensei: – mas que adianta, eu não sou médico. Aqui eu não ajudo nada. Vou fazer alguma coisa onde eu posso ajudar. Fui pra casa. Comecei a telefonar. Liguei para alguns amigos em Rio Branco, Brasília, Rio de Janeiro… 

A primeira reação era de incredulidade, todos diziam que não se podia brincar com uma coisa séria e, quando sentiam que era sério, porque eu estava chorando ao telefone, perguntavam se ele estava morto. Eu respondia que era “de muito grave para morto”, pois eu não tinha a informação definitiva (…).

Fui, novamente ao hospital… Entrei … vi o Chico Mendes estendido sobre uma maca… Ele estava morto… Voltei, fiz novas ligações, confirmando a morte.   Começamos a tratar da questão da necropsia, embalsamamento etc. (…).  

Por volta das 22 horas, fomos informados de que os médicos do Instituto Médico Legal não iriam de Rio Branco para Xapuri. Se quiséssemos que o corpo fosse necropsiado e embalsamado pelo pessoal do IML, deveríamos providenciar o deslocamento do corpo para Rio Branco. Fizemos isso. O corpo saiu de lá na ambulância do Hospital por volta da meia-noite.

Eu fiquei em Xapuri. Foi a noite mais longa da minha vida, pois eu não consegui “pregar o olho” e, por volta das 5 horas da manhã do dia 23, o telefone começou a tocar. Eram ligações de Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, por causa do fuso horário (duas horas para mais, em relação ao Acre), querendo maiores informações.

FOTOS SOBRE CHICO MENDES 54

Gomercindo RodriguesGomercindo Rodrigues – Advogado. Conselheiro da Revista Xapuri. Escritor, em Caminhando na Floresta com Chico Mendes. Editoras UFAC/Xapuri, 2020.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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