O DIA EM QUE PAI JOSÉ SE ESTREPOU 

O DIA EM QUE PAI JOSÉ SE ESTREPOU

O DIA EM QUE PAI JOSÉ SE ESTREPOU 

Na literatura oral do Nordeste contam o “caso do negro pachola”:

Por Joel Rufino dos Santos

Morre o dono do engenho, a dona promove a gerente um africano, Pai José. Imediatamente ele deu ordem aos outros negros: de ora em diante, não o tratassem mais por Pai José, mas por Sinhô Moço Cazuza. Os negros obedeceram e quando o viam diziam: “A benção, Sinhô Moço Cazuza.” Muito concho, ele respondia: “Benção de Deus.”

Não ficou só aí o seu orgulho. Quando chegou em casa, disse para a senhora: “Minha sinhá, quando Sinhô Moço Cazuza chegava em casa cansado, minha sinhá não mandava logo botar banho pra ele? Pois eu também quero!”

No outro dia: “Minha sinhá não mandava mulatinha esfregar costa de meu sinhô? Pois eu também quero!” Depois: “E minha sinhá não dava camisa engomada pra meu sinhô vestir? Pai José também quer!” 

Até que acabou a paciência da mulher. Muniu dois criados de bons chicotes e mandou se esconderem no quarto do negro. “Minha sinhá, quando meu sinhô acabava de tomar banho e de vestir camisa gomada, ia pro quarto pra minha sinhá catar piolho nele. Pai José também quer.” 

A moça não teve dúvida. Mandou-o entrar para o quarto e já se viu. Pai José apanhou tanto que escapou de morrer. No outro dia, bem cedo, chegou na roça moído. Os negros o saudaram: “A benção, Sinhó Moço Cazuza.” Ele muito zangado: “Eu não sou Sinhô Moço Cazuza, não, eu sou Pai José”. Os negros nunca souberam a causa daquela mudança.

Durante a escravidão (que durou quatro quintos do tempo que o Brasil tem de existência), muito dificilmente um branco era escravo, mas acontecia.  Um célebre romance de 1875 é sobre uma moça branca escravizada, Isaura, que sofre como o diabo. 

Em compensação, um negro podia virar senhor. Em Ouro Preto, no auge da mineração de diamantes, ficou famoso Felipe Mina, por ter centenas de escravos. Quando perdoava algum do castigo, contam que dizia “Depois não vai dizer que branco é ruim…” Negro e branco, como se vê, são lugares sociais.

A escravidão foi um sistema social de tortura sistemática. Os patrões (senhores) eram proprietários do corpo dos trabalhadores (escravos). Para usar essa propriedade, valia tudo, a começar pela tortura – que era legal e, mesmo quando não usada, pairava no ar como ameaça. 

A casa-grande, a senzala, e o pelourinho. A identificação de negro com escravo, branco com senhor, foi diminuindo nos últimos cem anos. Mas sobrevive em nossas cabeças. “Torturaram um inocente!” nesta manchete comum de jornal se insinua que a tortura de quem “merece” é normal.

OIPJoel Rufino dos Santos – em História do Negro no Brasil, Coleção Caros Amigos, Fascículo 02, s/d. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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