O “estímulo” de garimpagem pelo decreto de Bolsonaro

O “estímulo” de garimpagem pelo decreto do inominável

O “estímulo” de garimpagem pelo decreto de Bolsonaro

Em 11 de fevereiro de 2022 o presidente Bolsonaro publicou um decreto estabelecendo o Programa de Apoio ao da Mineração Artesanal – Pró-Mape, que visa “estimular” a garimpagem “com vistas ao desenvolvimento sustentável”…

Por Philip Martin Fearnside/via Amazonia Real

Na verdade, o que seria estimulado não é nem “artesanal” nem “desenvolvimento sustentável”. A visão da garimpagem sendo feita ao nível individual é hoje, em grande parte, mitológica: a exploração “garimpeira” na Amazônia geralmente está sendo feita com máquinas e infraestrutura caras, a atividade sendo comandada por empresários.
Quase toda a garimpagem é ilegal, embora existam cooperativas de garimpeiros que podem conseguir licenças para fazer a atividade legalmente graças à uma lei de 1989 [2]. O decreto recente do Presidente Bolsonaro cita esta lei para definir “mineração artesanal”, o que significa que essas pessoas jurídicas seriam “estimuladas”. O número dessas cooperativas explodiu desde o início do governo Bolsonaro [3]. Investigações recentes revelaram que muitas das licenças para cooperativas de garimpeiros são apenas fachadas para lavar o ouro tirado de terras e outros locais distantes do local licenciado, e, muitas vezes, os locais licenciados onde suspostamente grandes quantidades de ouro foram tiradas são, de fato, sob mata fechada sem nenhuma atividade [4]. O envio do ouro ao exterior é feito com base em uma licença de exportação na qual a suposta fonte do produto é autodeclarada, sem nenhum tipo de fiscalização [5].
A garimpagem de ouro na Amazônia é uma das principais fontes de impacto sobre povos indígenas, destruindo os cursos d’água, junto com os que sustentam as populações, espalhando e desestruturando os grupos tanto fisicamente como culturalmente [6-8]. A garimpagem de ouro libera grandes quantidades de sedimentos nos cursos d’água, e, também, libera mercúrio, que afeta tanto a população humana como a vida aquática [9]. Garimpagem em terras indígenas está atualmente ilegal, mas o 191/2020, se for aprovado pelo Congresso Nacional, abriria as terras indígenas para mineração, além de barragens, agronegócio, exploração madeireira e outras atividades feitas por não-indígenas. Centenas de pedidos de cooperativas de garimpeiros e outras empresas estão pendentes na Agência Nacional de Mineração (ANM), esperando a abertura das terras indígenas para essa atividade [8, 10-12]. O PL 191/2020 é um dos projetos de lei para qual o Presidente Bolsonaro pediu prioridade aos presidentes das duas casas do Congresso Nacional em fevereiro de 2021 quando o controle de ambas as casas foi capturado pela coalizão “Centrão” que apoia a agenda ambiental do Presidente [13, 14].
Além disso, há um impacto sobre o país como um todo, e especialmente sobre os locais da mineração, através da “maldição dos recursos naturais”. Não é por acaso que os países com os recursos minerais mais fabulosos, como a Bolívia e a República Democrática do Congo, também são os mais miseráveis. Há uma rica que explica esta fenómeno (veja [15]). A garimpagem, junto com os outros tipos de mineração que estão cada vez mais fortes na economia brasileira, tendem a empurrar o país nesta direção.
Os impactos sociais e ambientais da garimpagem por si só tiram a “mineração artesanal” do rol de desenvolvimento sustentável. Além disso, a mineração de qualquer tipo é inerentemente insustentável, pois está sendo retirado o material mineral sem reposição. A maneira de contornar este problema proposta pela Comissão Brundtland, que impulsionou o conceito de “desenvolvimento sustentável”, foi sugerir que a renda da venda dos minérios teria que ser investida em programas que dariam uma atividade gerando uma fonte de renda sustentável para a população após o esgotamento do minério ([16]; Veja [17]). Infelizmente, isto basicamente nunca aconteça na realidade. Veja o exemplo da área da mina esgotada de manganês no Amapá [18].
O novo decreto do Presidente Bolsonaro tem sido redondamente condenado devido aos seus prováveis impactos na Amazônia [19-21]. No entanto, os garimpeiros, tanto trabalhadores como empresários, configuram uma parte favorecida da base eleitoral do Presidente Bolsonaro e têm recebido repetidas benesses ao longo do seu governo. Essas incluem recepções calorosas pelo Presidente, que em seguida lança críticas aos órgãos ambientais que tentam coibir a invasão de unidades de conservação e terras indígenas por esses grupos (por exemplo, [22-24). O presidente tentou proibir a destruição de máquinas quando exploração ilegal é flagrada [25] e tem interferido nos órgãos ambientais, tirando funcionários que reprimam a garimpagem [26-28]. Uma enorme “boiada” de normas internas instituídas por canetada dentro dos órgãos federais dificulta a da garimpagem ilegal e outras infrações ambientais [29-31]. O resultado tem sido uma presunção de impunidade e um enorme surto de invasão de terras indígenas por garimpeiros [32-35]. Resta ver o que pode ser feito para atenuar o impacto do atual decreto, e de reverter o decreto depois que o Pró-Mape se torna um fato consumado.


A imagem que abre este artigo é de autoria de Bruno Kelly/Amazônia Real e mostra garimpo ilegal na em Roraima.


Notas
[1] Presidência da República. 2022. Decreto Nº 10.966, de 11 de fevereiro de 2022. Diário Oficial da União, 14/02/2022, Edição 31, Seção 1, Página 4.
[2] Presidência da República. 1989. Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989.
[3] Wenzel, F., N. Hofmeister & P. Papini. 2021. Cooperativas quase dobraram pedidos para garimpar ouro na Amazônia desde 2019. Folha de , 01 de dezembro de 2021.
[4] Paraguassu, L. 2021. Quase 30% do ouro exportado pelo Brasil pode ser legal mostra estudo. Folha de São Paulo, 02 de agosto de 2021.
[5] Wenzel, F. & O. Christe. 2022. Amazon to Alps: Swiss gold imports from Brazil tread a legal minefield. Mongabay, 21 de janeiro de 2022.
[6] Barbosa, L.G., M.A.S. Alves & C.E.V. Grelle. 2021. Actions against sustainability: Dismantling of the environmental policies in Brazil. Land Use Policy 104: art. 105384.
[7] Fearnside, P.M. 2019. Exploração mineral na Amazônia brasileira: O custo ambiental. p. 36-43. In: E. Castro & E.D. do Carmo (eds.) Dossiê Desastres da Mineração em Barcarena: Disputas no Território e Comunidades Atingidas. Editora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará. 253 p.
[8] Villén-Pérez, S., L.F. Anaya-Valenzuela, D.C. da Cruz & P.M. Fearnside. 2022. Mining threatens isolated indigenous peoples in the Brazilian Amazon. Global Environmental Change 72:  art. 102398.
[9] Fearnside, P.M., E. Berenguer, D. Armenteras, F. Duponchelle, F.M. , C.N. Jenkins, P. Bynoe, R. García-Villacorta, F.M. Guerra, M. Macedo, A.L. Val & V.M.F. de Almeida-Val. 2021. Drivers and impacts of changes in aquatic ecosystems.Chapter 20 In: C. Nobre & A. Encalada (eds.) Amazon Assessment Report 2021. Science Panel for the Amazon (SPA). United Nations Sustainable Development Solutions Network, New York, USA. Part II, pp. 305-343.  
[10] Branford, S. & M. Torres. 2019. Brazil to open indigenous reserves to mining without indigenous consent. Mongabay, 14 de março de 2019.
[11] Amato, F. 2020. Pedidos de pesquisa mineral em terra indígena são quase 3,5 mil, embora atividade seja proibida. G1, 20 de fevereiro de 2020.
[12] Siqueira-Gay, J., B. Soares-Filho, L.E. Sanchez, A. Oviedo & L.J. Sonter. 2020. Proposed legislation to mine Brazil’s indigenous lands will threaten Amazon forests and their valuable ecosystem services. One Earth 3 (3): 356–362.
[13] Angelo, M. 2021. Jair Bolsonaro pede a Arthur Lira prioridade na aprovação do PL que libera mineração em terras indígenas. Observatório da Mineração, 03 de fevereiro de 2021.
[14] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2021. Reviravolta no Congresso Nacional ameaça Amazônia. Amazônia Real, 09 de março de 2021.
[15] Fearnside, P.M. 2016. Alumínio e Barragens: 4 – A “maldição dos recursos naturais”, Amazônia Real 25 de janeiro de 2016.
[16] World Commission on Environment and Development. 1987. Our Common Future. Oxford University Press, Oxford, Reino Unido.
[17] Fearnside, P.M. 2019. Sustainable development. In: David Gibson (ed.) Oxford Bibliographies in Ecology. Oxford University Press, New York, NY, U.S.A.
[18] Pinto, L.F. 2007. Na Amazônia, o desenvolvimento deixa um buraco. Gramsci, abril de 2007.
[19] Pontes, N. 2022. Decreto sobre mineração pode gerar catástrofe na Amazônia. Deutsche Welle (DW), 16 de fevereiro de 2022.
[20] Angelo, M. 2022. Na canetada, Bolsonaro cria programa para estimular o garimpo e altera o Código de Mineração. Observatório da Mineração, 14 de fevereiro de 2022.
[21] G1. 2022. Governo lança programa de ‘mineração artesanal’ na Amazônia; ONG vê ‘licença política’ para garimpo ilegal. G1, 14 de fevereiro de 2022.
[22] Pontes, N. 2021. “Governo está do lado dos bandidos em ataques aos yanomami”. Deutsche Welle (DW), 21 de maio de 2021.
[23] Oliveira, J. 2021. Bolsonaro inaugura ponte às margens de terra Yanomami e ignora crise que põe povo indígena na mira de garimpeiros. El País, 27 de maio de 2021.
[24] Maisonnave, F. 2021. Bolsonaro prepara visita a comunidade Yanomami, e líderes indígenas publicam carta de repúdio. Folha de São Paulo, 24 de maio de 2021.
[25] Gonzales, J.2020. Brazil sacks officials who curbed deforestation on Amazon indigenous lands. Mongabay, 05 de maio de 2020.
[26] Gonzales, J.2020. Brazil dismantles environmental laws via huge surge in executive acts: Study. Mongabay, 05 de agosto de 2020.
[27] Maisonnave, F. 2020. Ministério da Defesa barra fiscalização do Ibama contra garimpo ilegal no PA. Folha de São Paulo, 06 de agosto de 2020.
[28] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2021. Brazilian government violates Indigenous rights: What could induce a change? Die Erde 152(3): 200-211.
[29] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. O novo presidente do Brasil e “ruralistas” ameaçam o meio ambiente, povos tradicionais da Amazônia e o clima global. Amazônia Real, 30 de julho de 2019.
[30] Vale, M.M., E. Berenguer, M.A. de Menezes, E.B.V. de Castro, L.P. de Siqueira & R.C.Q. Portela2021. The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil. Biological Conservation 255: art. 108994,
[31] INA (Indigenistas Associados). 2019. Nota pública: Centralização e Discriminação na Autorização de Viagens Paralisam a Funai. INA, 02 de dezembro de 2019.
[32] Angelo, M. 2020. Mineração e garimpo ameaçam povos indígenas e territórios na Amazônia brasileira – ATL 2020. Observatório da Mineração, 30 de abril de 2020.
[33] Branford, S. 2020. The Amazon’s Yanomami utterly abandoned by Brazilian authorities: Report. Mongabay, 19 de novembro de 2020.
[34] ISA (Instituto Socioambiental). 2021. Bolsonaro promove a mineração predatória. ISA, 16 de dezembro de 2021.
[35] Tollefson, J. 2021. Illegal mining in the Amazon hits record high amid Indigenous protests. Nature 598: 15-16.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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