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O fim da luta de classes

O fim da luta de classes

O fim da luta de classes

exerce uma duríssima, brutal e altamente espoliadora ditadura sobre a força de trabalho, impondo lógicas desumanizadoras, escreve o historiador Altair Freitas

Por Altair Freitas/Portal Vermelho

Cantada em verso e por diversos pensadores contemporâneos, o “fim da luta de classes” virou um certo paradigma de diversos movimentos políticos entre partidos e organizações sociais que desenvolvem um raciocínio cujo resumo pode ser lido da seguinte maneira: o capitalismo é imbatível, o socialista-marxista foi derrotado historicamente, não há possibilidade de termos, por um lado, uma compreensão global sobre os problemas da humanidade e, por consequência, não existem soluções globalizantes para eles.

Restaria-nos, então, seguindo esse pensamento, lutar por questões específicas, por bandeiras segmentadas voltadas para inclusão social, superação de preconceitos diversos e melhorias no padrão de vida das pessoas, tudo, óbvio, na vigência do capitalismo. É uma versão do “Fim da História” proclamada pelos pensadores e políticos liberais (ou neoliberais, se quiserem), após o colapso da União Soviética e do Bloco Socialista por ela liderado.

Nesse contexto, por suposto e decorrência teórica, a luta de classes e sua anterior compreensão do marxismo-leninismo sobre a existência de classes sociais e as suas lutas é insuficiente para entender a (suposta) imensa gama de variantes da sociedade “pós-moderna” e os múltiplos interesses das populações que seriam, segundo esse pensamento, bem além das questões “meramente” econômicas e políticas. Todo um leque de pensadores desenvolveu um grande conjunto de abordagens sobre tais questões, dentro e fora do , com efeitos variados sobre os movimentos políticos e sociais. Essas correntes substituíram o conceito de “Luta de Classes” pelo de “Luta pela Cidadania”.

Ora, por um lado, é evidente que o Marxismo – e o Leninismo, como ciência social, não estão congelados no tempo, uma vez que os pensadores marxistas clássicos estavam analisando a sociedade do seu tempo. É assim que funciona com a filosofia. Nenhum pensador minimamente sério e coerente analisa o futuro, mas seu tempo presente à luz do desenvolvimento histórico, o que requereu do marxismo, como corrente de pensamento, atualizações teóricas à luz de cada grande período de mudanças pelos quais a humanidade passou desde o lançamento do “Manifesto do Partido Comunista” de 1848, obra fundante do marxismo. O próprio capitalismo passou por intensas modificações. Na forma da exploração, mas não na sua essência!

Ao mesmo tempo, é forçoso dizer algumas coisas óbvias, mas o óbvio muitas vezes está bem na nossa frente, mas não o enxergamos: Luta de Classes, para Marx, Engels, Lênin e o marxismo consequente, não expressa “apenas” as lutas de do proletariado contra a exploração da sua força-de-trabalho, e a consequente reação da burguesia/classe dominante contra essa reação. Essa compreensão, não está errada, mas ela é limitada e limitadora da real dimensão do pensamento marxista sobre o que é “Luta de Classes”.

Não existiu na história, não existe e não existirá enquanto houver alguma formação econômica e social baseada no controle da propriedade sobre os meios de produção, circulação e financiamento da produção por uma minoria que enriquece e controla o poder de modo amplo, submetendo a grande maioria da mão-de-obra vigente, sem a imposição de um conjunto de regras, normas, leis, ideologia, etc. para mantê-la submetida, passiva, trabalhando intensamente para produzir em benefício essencialmente de quem domina.

Aqui está a luta de classes! A origem dela não é uma simples reação às injustiças, mas exatamente na imposição à força-de-trabalho para que ela produza intensamente em benefício de quem controla os meios de produção. No caso do capitalismo, ainda mais!

O capital exerce uma duríssima, brutal e altamente espoliadora ditadura sobre a força de trabalho em seus múltiplos setores econômicos, por um lado, impondo lógicas desumanizadoras de organização da produção e circulação de mercadorias com efeitos profundamente perversos para o modo de vida da massa proletária, e, de outro, com uma muito bem azeitada máquina ideológica de convencimento e cooptação de setores do proletariado para a sua defesa, especialmente na geração da expectativa de que no capitalismo qualquer um pode ser capitalista.

Ao mesmo tempo, a burguesia/classe dominante procura por todos os meios manter o máximo controle sobre o aparato estatal nos seus diversos aspectos, garantindo, essencialmente, a lógica da propriedade privada e a organização da sociedade pelas vias legais conforme seus interesses superiores. Resumindo: simplesmente não é possível manter o capitalismo funcionando sem a luta de classes, e não é possível superar o capitalismo sem ela.

A incompreensão dessa dialética leva movimentos políticos e sociais, partidos e personalidades a enormes erros de avaliação sobre as lutas a serem travadas tanto do ponto de vista tático como, principalmente, olhando para a estratégia. Se a estratégia for a luta pela superação do capitalismo, essa compreensão é ainda mais necessária.

Em um tempo histórico no qual a riqueza global – e nacional – encontra-se em um nível de concentração não visto desde o século XIX, período no qual as lutas operárias conduziram progressivamente as reformas sociais no capitalismo ou as revoluções socialistas do século XX, que pressionaram gritantemente os países capitalistas centrais a adotarem mecanismos de “Bem-estar Social”, compete às forças revolucionárias, aos partidos comprometidos com a construção do socialismo, reposicionarem seu raciocínio sobre o tema de modo consequente.

Se é verdade que o atual padrão de acumulação capitalista difere em variados graus daquele vivido por Marx, Engels, Lênin e até meados do século XX, adotando novas formas de trabalho (trabalho, vejam bem!) novos mecanismos de exploração, novas dimensões inclusive geográficas para o processo produtivo, a essência não mudou. Ao contrário, a essência exploradora se intensifica a cada dia.

No caso brasileiro, a força de trabalho, o proletariado urbano e do campo está submetido a múltiplas formas de opressão cotidianamente no exercício de seu labor produtivo para a acumulação capitalista. Dados de 2022 apontam que cerca de 40 milhões de pessoas trabalham de maneira informal, ou seja, de modo precarizado, sem direitos trabalhistas garantidos. É quase metade da mão-de-obra ativa.

Em outra vertente, o volume dos microempreendedores individuais, trabalhadores por conta própria ou que vendem sua força de trabalho na forma de “empresários individuais”, também sem nenhuma garantia trabalhista, bateu na casa dos 13 milhões em 2023. Considerando uma População Economicamente Ativa (PEA) na casa dos 100 milhões de trabalhadores e trabalhadoras com uma renda média mensal de R$ 2.900,00 em 2023 – menos de três salários mínimos – percebe-se, com muita abundância essa efetiva ditadura do capital sobre o trabalho.

E sabemos que médias salarias servem apenas para termos uma leve noção do drama econômico e social que assola a esmagadora maioria de quem vive vendendo sua capacidade de trabalho para outros.

A nova questão sobre a luta de classes não é se ela existe ou não, visto que, negá-la é produzir ficção da pior espécie, ou seja, está, principalmente, em perceber que o proletariado de hoje encontra-se cada vez mais disperso em pequenos negócios de comércio e serviços, que representam 70% do PIB do Brasil, logo, bem distante das grandes concentrações operárias típicas do modelo fordista de produção que hegemonizava a industrialização brasileira até os anos 80.

Há que se compreender também que esse proletariado vivenciava e vivencia um conjunto de outras lutas que aparentemente estão desconexas da ditadura do capital porque não ocorrem diretamente no processo do trabalho dentro das empresas, mas nas lutas por moradia, , transporte, , combate ao e pela emancipação da em relação ao machismo.

Notem: são lutas apenas aparentemente fora da contradição capital-trabalho, mas, novamente, estão umbilicalmente ligadas a essa contradição essencial. Não porque eu, ou quem quer que seja, queira.

Novamente, é preciso olhar a estruturação da sociedade, da produção econômica à organização da vida do proletariado para atender, acima de tudo, às necessidades dessa produção, sabendo entender suas múltiplas determinações e ramificações.

Apenas a título de exemplo, o tempo médio semanal de deslocamento dos trabalhadores e trabalhadoras no Brasil – ida e volta – é de 4,8h, subindo à 6h, 7h, em megalópoles como , conforme dados do IBGE de 2019 no período pré-pandêmico. Logo, a luta por transporte eficiente, aparece como desconectada da luta contra o capital, mas não é. Ao fim e ao cabo, a luta de classes tem múltiplas dimensões, mas cada uma delas é parte indissociável da contradição capital-trabalho.

Por fim, é imprescindível retomar, reforçar e atualizar um conceito essencial para o pensamento marxista: o papel essencial do proletariado como agente da transformação, como construtor do socialismo.

Ao lado disso, um movimento de caráter revolucionário, de extração socialista/comunista, necessita compreender essa relação e precisa procurar com redobrado vigor construir o seu projeto político assentado junto ao proletariado.

É preciso também reposicionar a ação junto à Classe Operária, porque, se seu número desabou em função das reestruturações produtivas, estando na casa dos 10 milhões nas indústrias, outros 3,6 milhões estão na produção rural e 2,5 milhões na construção civil, é exatamente sobre essa força de trabalho que o capitalismo se estrutura em termos de produção de bens de consumo duráveis e não duráveis e bens de capital.

No setor de serviços, é preciso também ter um pensamento muito bem estruturado para a organização daqueles ramos que são vitais para a dinâmica da circulação da produção e da mão de obra. Torna-se imprescindível reforçar os vínculos orgânicos com os setores estratégicos que fazem o capitalismo funcionar.

Uma organicidade que não se dá pelos processos eleitorais, mas que pode ser impulsionado fortemente pelas disputas eleitorais, uma vez que eleição é um capítulo especial na luta de classes, na luta pelo controle da máquina estatal.

Fonte: Portal Vermelho Capa: Manifestación” (1934), tela-mural do argentino Antonio Berni

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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