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“O melhor é a gente largar depois da chuva”

“O melhor é a gente largar depois da chuva”

As águas barrentas do Solimões, do Madeira, do Juruá, do Purus. As águas azuis do Tocantins, as verdes do Tapajós. As águas negras (que amanhecem azuis e de repente ficam cor de cobre) do rio Andirá – o rio do meu coração. 

Por Thiago de Mello 

As águas do Amazonas varando impetuosas o Estreito de Breves, no Pará, de onde saem se alargando, se espalhando desmedidas pela baía do Marajó. As suas ondas chegam a parecer de mar alto.

O gaiola, de dois passadiços, motor de centro potente, balança que nem palmeira quando o vento vem. É ali que o rio convoca, orgulhoso, todas as suas energias para o encontro com o mar Atlântico e empurra as águas do oceano por distâncias quilométricas.

A água celeste tem lugar de importância na vida da floresta. Não é por outra coisa que os ingleses dizem the rain forest. Os cientistas falam da floresta tropical úmida. Pura verdade: é um lugar muito querido pela chuva, que chega quando quer. 

Às vezes, ela manda um recado pelas nuvens, outras vezes desaba de surpresa. É um elemento constante aqui na mata. Não apenas nos meses de inverno, quando a água celeste cai compacta, sem trégua, dias e dias. Chove sempre, mesmo no verão, que é o tempo da seca. 

Nos últimos anos deram de acontecer períodos prolongados de estiagem, sobretudo no solstício de verão, o calor esturricando o capinzal, o gado de costelas varando o couro.

De repente, as grandes nuvens bojudas do céu equatorial se movem pesadas, escurecem e se dissolvem: desce a pancada d´água, o temporal do Amazonas, a ventania cantando. É a chuva preta, a água que desce do bojo do negrume. 

Também tem a chuva branca. Um brilho fosco vibra no espaço, uma grande cortina alvacenta começa a tremer e lá vem ela vindo, vem chegando, porque a chuva branca não cai nem desaba.

Ela chega, a gente ouve o barulho dela, como se ouve o ruído dos passos de uma pessoa. “Ela já está atravessando o rio”, me avisa Otílio. “Daqui a pouquinho ela chega aqui em casa.”

Chuva de verão não demora, passa logo. Só não se sabe é quando ela vai chegar. Não é mais como no meu tempo de ginasiano em Manaus: a gente sabia a hora da chegada da chuva. Muita gente nunca marcava encontro assim: “Te vejo depois da chuva”. Ou marcava a saída do barco: “O melhor é a gente largar depois da chuva”. 

Hoje, o firmamento está muito mudado, tanto o homem anda se metendo com os seus inventos, querendo descobrir as verdades ocultas lá nas alturas, atravessando a caminhada solene das galáxias com os seus satélites artificiais.

Olhos abertos sobre a floresta, querendo lá de cima descobrir os seus segredos subterrâneos e medindo, é verdade, a extensão criminosa dos incêndios que as chuvas não apagam. 

612001Thiago de Mello (in memoriam) em: – Poeta maior da Amazônia e do Brasil, em Amazonas – Águas, Pássaros, Seres e Milagres. Editora Salamandra, 1998. Foto de capa: Divulgação/ Araquém Alcântara.

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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