Eleições 2022: o minimum munimorum do programa ambiental
Nas eleições presidenciais de 2022, quero votar em um candidato e em um programa. Já tenho o candidato, naturalmente de oposição e antineoliberal, mas sinto falta do programa. Então me permito alinhar propostas para o programa mínimo de governo e para o minimum minimorum do programa ambiental em que desejo votar, porque acredito que estes devem ser frutos de ampla discussão pública e de uma síntese coletiva…
Por Gilney Viana
Para mim, o programa de governo deve ter referência utópica, perspectiva de futuro, anticapitalista e não apenas antineoliberal. Uma utopia concreta, desenhada pelos sonhos acordados que anunciam transformações da realidade a partir de tendências construídas pela luta social, política, cultural, ecológica, geracional, de gênero, raça e nacionalidades, capazes de superar determinações históricas que sustentam este modo de produzir, consumir e viver que gerou a exclusão social da maioria da humanidade e impôs a crise ecológica global.
Neste nível, não valem contra-argumentos de correlação de forças desfavorável e menos ainda de garantia de governabilidade. Aliás, mesmo em nível conjuntural, essas condições devem ser relativizadas, porque elas mudam, haja vista a mudança de tendência política em 2015 em favor da direita; e a mudança de tendência em curso em 2022 em favor da esquerda, no Brasil.
Sem perder a referência utópica anticapitalista e as condicionantes da nova ordem geopolítica mundial que está se forjando, o programa mínimo de governo para o Brasil na atualidade deve se concentrar, a meu ver, no enfrentamento da contrarrevolução ultra neoliberal de 2016-2018 e suas consequências destrutivas, a partir de quatro urgências:
- a) transição do estado de direito de baixa intensidade para um renovado estado de direito democrático garantido por diferentes formas de participação popular;
- b) superação do estado de carência material que aflige a maioria das famílias, o que exigirá medidas de geração de emprego; recuperação do salário mínimo; garantia de renda mínima para as famílias, acesso gratuito aos serviços públicos de educação e saúde e subsídios para o transporte coletivo;
- c) transição ecológica com metas plausíveis de proteção aos biomas brasileiros e metas de redução das emissões de gases do efeito estufa para além das assumidas junto ao Acordo de Paris; medidas imprescindíveis para uma progressiva superação do padrão extrativista da economia nacional;
- d) reposicionar o Brasil no contexto internacional, nos planos econômico, financeiro, político e ecológico, fortalecendo a tendência geopolítica de construção de um mundo multipolar.
Dentro da estratégia de enfrentamento e reversão da contrarrevolução ultraneoliberal e definida a transição ecológica como urgência do programa mínimo para se enfrentar a crise ecológica e, ao mesmo tempo, propor iniciativas que anunciam um novo padrão para a economia (duas dimensões que estão associadas), indico, ainda que de forma sintética, as 10 propostas principais do minimum minimorum do programa ambiental:
- Reconstituição imediata dos aparelhos de gestão ambiental do Estado: MMA, Sisnama, Singreh, Ibama, ICMBio, Inpe, Incra e outros, resguardando sua autonomia funcional e recuperando sua capacidade de ação;
- Transversalidade da transição ecológica para atuação sinérgica de todos os ministérios e instituições do Estado e do governo, para garantir a efetividade das metas de proteção da biodiversidade, do combate à desertificação e da mudança do clima.
- Política Nacional de Mudança do Clima mais ambiciosa, visando transformar o Brasil em credor do balanço de CO2e, com metas muito além das assumidas no Acordo de Paris, com imediata revisão da NDC de 2021, para superar a pedalada climática; e estabelecimento de políticas e metas para redução nos setores de emissão. Estabelecer um plano de substituição de fontes de energia fóssil por fontes de energia renováveis; e de captação e armazenamento do CO2e da atmosfera pelo método natural de reflorestamento de cerca de 15 milhões de hectares.
- Desmatamento zero legal e ilegal. De imediato declarar moratória do desmatamento nos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. E de forma permanente estabelecer o parâmetro do desmatamento líquido zero para compensar as exceções de cunho social ou necessidade pública.
- Licenciamento, fiscalização e monitoramento ambiental com padrão de excelência e transparência: a) reforçando IBAMA, o ICMBio, Singreh e todo o Sisnama; b) redefinindo as competências administrativas concorrentes dos entes estatais; c) unificando os cadastros rural, ambiental e fiscal, tornando-os instrumentos legais, verificáveis, para os proprietários junto às instituições de crédito (por exemplo) e para os agentes do Estado em suas ações administrativas e judiciais.
- Amazônia: Não conceder licenciamento e menos ainda financiar grandes obras que promoverão aumento do desmatamento e emissões de CO2e: a) asfaltamento da BR 319 (Manaus (AM) a Porto Velho (RO); b) construção da Ferrogrão (Sino (MT) a Miritituba (PA); construções de usinas hidrelétricas no Rio Tapajós; c) não aprovar leis ou medidas administrativas que facilitem a regularização fundiária; isto é, legalização da grilagem e do desmatamento ilegal.
- Gestão política de alto nível para Áreas Protegidas (Terras Indígenas, Unidades de Conservação, Territórios Quilombolas, Comunidades Tradicionais) ao nível da presidência da República, a partir de conclusão do reconhecimento, demarcação e registro das terras ainda por demarcar e registrar – fundamental para a proteção da sociobiodiversidade.
- Acabar com subsídios financeiros às atividades do agronegócio responsável por mais de 70% das emissões de CO2e no Brasil: Lei Kandir, financiamentos do Plano Safra sem rígidas exigências ambientais. Em contrapartida, incentivar agricultura voltada para o mercado interno, com padrões de agroecologia, que também devem orientar os planos da Reforma Agrária.
- Cidades Sustentáveis: acabar com a especulação imobiliária impedindo a expansão aleatória das cidades para além do Plano de Ordenamento Territorial e do Zoneamento Ecológico; investir no transporte coletivo, especialmente metrôs, trens urbanos, e vias para ciclistas e pedestres; redução controlada das emissões de CO2e e particulados por veículos automotores.
- Participação da sociedade em todas as instâncias de planejamento e execução da política ambiental, condição imprescindível para o sucesso.
Gilney Viana – Escritor, poeta, militante socioambiental, membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.
Foto capa: Caetano Scannavino