O MURO
Um negro, pobre, foi jogado por um policial pelo muro. Esse caso foi filmado e causou indignação. Não se sabe quantos são lançados, diariamente, pelos policiais através dos muros em São Paulo e em tantas outras cidades do país.
Por Emir Sader
Qual o significado de jogar um pobre e preto pra fora? Que ele é um dos milhões de excedentes, que não cabem, que não fazem falta, de que a sociedade não precisa, pode perfeitamente funcionar sem eles, até funciona melhor sem eles. Por isso eles podem ser jogados, e só haverá reação se ele for filmado sendo jogado por cima do muro.
Qual o significado disso? Que há um mecanismo de funcionamento do capitalismo brasileiro, que não dá conta dos 216 milhões de habitantes do Brasil, que não tem lugar para todos eles.
O capitalismo brasileiro existe para produzir lucros nas mãos dos grandes capitalistas. Para isso, ele necessita de um certo número de pessoas, que constituem a força de trabalho que produz mercadorias.
Os outros podem ser jogados por cima dos muros. Se sobreviverem, sorte deles e de suas famílias. Senão, outros serão jogados lá de cima.
Neste caso, ao ser filmado e causar indignação, o policial e mais outros 13 foram afastados da corporação. Isto é, estavam lá, mas nada fizeram, foram coniventes, acostumados a esses atos.
O policial que jogou a pessoa por cima do muro, afinal, depois de ser afastado da corporação, foi depor no Rio de Janeiro e acabou sendo afastado da corporação. Aí se soube que ele tinha uma ficha corrida pesadíssima, incluindo a morte de 11 pessoas. Isto é, mesmo depois disto, ele seguiu como policial, supostamente cuidando da ordem pública e da nossa segurança individual.
Somente porque ele praticou esse ato, que seu dossiê saiu a público. Senão continuaria lá, exercendo suas funções.
Assim funciona o capitalismo. Seleciona algumas pessoas para trabalharem nas distintas polícias. Essa seleção se concentra no adestramento das pessoas para as funções que vão exercer. Não conta seus antecedentes, mas suas condições físicas para exercer a função de policial.
Há, na sociedade, os que ficam do lado de cá do muro e os que são projetados para fora do muro. Há os que estão integrados nos mecanismos de funcionamento da produção da mais valia.
E há os que não são necessários, que podem ser projetados para além do muro, lá embaixo, no riacho. Que sobreviverão, conforme o jeito que for projetado, conforme for a queda. De uma ou de outra forma, serão projetados pelos policiais que estão, lá em cima do muro, garantindo a segurança pública na sociedade.
O muro separa uns dos outros. Os que têm funções na reprodução do capital, tanto os trabalhadores, os engenheiros, como os policiais, que respondem pela ordem de funcionamento geral da sociedade. E os que são jogados por cima do muro. Que não têm funções no funcionamento do capitalismo, que não precisam ficar lá em cima.
A função do muro é essa: marcar a divisão entre uns e outros. É a linha de classe na sociedade capitalista.
Emir Sader – Sociólogo. Conselheiro da Revista Xapuri. Texto publicado originalmente no Brasil 247.