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O que faz a Educação Superior no interior do país

O que faz a Educação Superior no interior do país?

O que faz a Superior no interior do país? A Educação Superior no interior do país pode transformar a realidade, incluir grupos diversos, interiorizar o ensino, a pesquisa e a extensão, democratizar o conhecimento e desenvolver pessoas. 

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Não faz muito tempo que possuir um “diploma Universitário” estava reservado a um grupo de pessoas seletas. Exemplifico isso, no caso do meu pai e seus irmãos, que cuidavam das roças, para proporcionar os estudos de seus primos na capital do Estado. Assim foi determinado e assim teve de ser! Por várias vezes meu pai me disse que “a cada seis meses teriam que arrumar uma carga com tudo que produziam de melhor”, para alimentar aqueles
que viriam a ser “dotôres”.

Essa realidade foi imposta para meu avô, que repassou aos filhos. Então meu pai reproduziu o discurso de que “filho de pobre tem é que trabalhar”, com o reforço do dito popular que “o trabalho dignifica o homem!”. Então meu velho pai preferia nos levar para a roça a nos matricular numa escola. E assim a tradição escravocrata, dos senhores das terras, dos governos militares construíram seu “império da ignorância”, sob jugo da inferioridade
imposta aos apelidados de “índios” e aos negros descendentes de africanos.

E da mesma forma que o tráfico negreiro dos séculos XVI, XVII e XVIII foi encerrado por pressões externas de potências que concorriam por mão de obra “qualificada”, a ferrugem do atraso corroeu as bases da que manchava de sangue a história moderna, desmoronando-se início da década de 1980. 4 anos depois conquistamos uma Carta Magna que enfim reconheceu a de todos os brasileiros. Ainda que para a maioria tivesse encerrado no “reconhecimento”, a partir de então o país começou dar passos que oportunizassem estudos, não somente aos filhos dos detentores de capital, mas também aos filhos dos trabalhadores urbanos e rurais.

Mesmo com a obrigatoriedade da constituição e de o país ter um sistema de ensino superior desde a década de 1930 (Dourado 2001 p. 34), no Estado de Goiás isso vai ter impulso somente 11 anos após a promulgação da constituinte. Sendo esse país um dos últimos da América Latina a instituir esse nível de ensino, o Estado de Goiás tornou-se um dos derradeiros a implantar uma Universidade que atingisse a maior parte do seu território. Somente no último entardecer do século XX nasce Universidade Estadual de Goiás, Lei estadual nº 13.456, de 16 de abril de 1999.

A expansão da UEG, colocou o Estado em outro patamar no cenário nacional. Mas ainda que em 20 anos de existência e a IES ter qualificado mais de 100 mil pessoas, os governos ainda não cumpriram com o que determina a constituição, artigo 207, que ordena que “As Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial,…”. O que se viu de lá para cá, no entanto, foi autoritarismo e intervenção político-partidária de governos, o que não permitiu sua plena autonomia e nem mesmo estabilidade institucional.

Opostamente a isso, o povo se agarrou ao Ensino Superior realizado pela UEG, em todos os rincões do território goiano, inclusive no Nordeste do Estado, região estigmatizada de “corredor da miséria”, por amargar baixos índices de desenvolvimento humano – IDH.

Essa região herdou o abandono a que fora relegado o “antigo Norte Goiano”, tornado Estado do Tocantins, pela mesma constituinte, acima citada. Bravos professores e professoras, muitos deles contratados durante os 20 anos na instituição, ousaram fazer educação superior enfrentando todo tipo de desafio e até mesmo discriminação, ao desbravar o interior do Estado debatendo ideias e desenvolvendo projetos.

Muitos desses desbravadores são alunos oriundos da própria Universidade, como o Professor
Ronaldo Silva da cidade de Posse que estudou na UEG, fez concurso nela e hoje é um de seus
gestores. Apesar do não cumprimento da lei, o que daria outro destino para a Instituição, como pode ser visto em outros países e estados brasileiros, a UEG elevou a discussão, ampliou o pensamento e fortaleceu a cidadania goiana.

Num estado em que qualquer bacharel formado na capital era chamado de “doutor”, porque todos os filhos dos senhores com “diploma de Universidade”, nos era apresentado como tal, a UEG mudou essa concepção. E dela já saíram muitos doutores, pela realização do curso de pós-graduação stricto sensu, em nível de doutorado, como é o caso do Drº Rosolindo Neto, professor da UEG de Campos Belos e doutor em educação resultado da parceria UEG/UFG, entre tantos outros titulados e qualificados.

A educação superior traz uma mudança de paradigma extraordinária no local, tanto nos aspectos históricos e culturais, quanto político e econômico. Exemplo: Campos Belos, possui 2 escolas de idiomas, que são franquias internacionais de estudos das línguas Inglesa e Espanhola. Seus proprietários e grande parte dos professores são formados na UEG. Mas, mais que isso, suas implantações têm origem na percepção da importância da linguagem, expandida no curso de Letras Português/Inglês da Unidade Universitária de Campos Belos.

As escolas municipais e estaduais deste município em sua maioria se destacam no Índice de Desenvolvimento do Ensino Fundamental – IDEB. O maior destaque, a escola Municipal Niedja de Souza Machado, a maioria dos docentes e gestores são estudantes egressos de Pedagogia ou de Letras da UEG local. Por ocasião das matrículas é visível a qualidade da educação desta instituição de ensino, pela alta procura pelas vagas, por famílias de todos os níveis culturais e econômicos.

Mas além de tudo isso, o grande feito é ver jovens e adultos estudantes da UEG, oriundos de pequenas cidades, de e favelas serem colocados no centro de discussões teóricas das mais variadas tendências epistemológicas filiadas ao marxismo, ao positivismo, ou à fenomenologia. Ao mesmo tempo, eles são envolvidos em projetos de pesquisa, extensão, estágios, eventos e no movimento político-estudantil, bem como a participação nas instâncias colegiadas da instituição. Essa dinâmica eleva a qualidade do envolvimento e por consequência o desenvolvimento da cidadania numa população que emerge de classes sociais de baixo poder aquisitivo.

Os efeitos da educação superior, causados pela UEG é uma mostra do que vem ocorrendo no , a partir de 2003, com a assunção ao poder de governos democráticos.
Após aquele momento histórico “foram abertas clareiras e surgiram lampejos de liberdade, que estão novamente sendo apagados, ou seja, de volta à escuridão”, como diz o jornalista aposentado Dairano Cordeiro. Programas como SISU, FIES, ciências sem fronteiras, cotas raciais, ENEM entre outros; a expansão vertiginosa de Institutos Federais e a construção de várias Universidade pelo Brasil mudaram a geografia do conhecimento nacional. Decorrente disso, a partir de 2016 há forte perseguição aos atores dessas políticas, marcadamente pela disseminação de notícias falsas que confundem a população.

Causa espanto o ressurgimento de personagens políticos, que, respaldados pelo voto da população empreendem esforços em cortar verbas das IES públicas e portanto diminuir sua capacidade de inclusão da população mais vulnerável. A Universidade Estadual de Goiás, uma das maiores em abrangência territorial e populacional do país vem sendo “reestruturada”, com impacto maior em dificultar a entrada de novos estudantes, na redução de vagas dos vestibulares e ausência de concursos para recomposição de quadros profissionais.

A educação superior no interior do país pode transformar a realidade, incluir grupos diversos, interiorizar o ensino, a pesquisa e a extensão, democratizar o conhecimento e desenvolver pessoas. São ingredientes que não fazem parte do estatuto que rege o sistema capitalista neoliberal, alimentado por lucros, que para serem obtidos dependem do controle da liberdade, da destruição do e da perpetuação da ignorância.

 

Adelino Soares Santos Machado – Professor e Coordenador da Unidade Universitária da UEG
de Campos Belos, escritor e poeta; membro da ALANEG – cadeira 25.

Adelino Machado

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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