Não, não é o maior pássaro do mundo. Nem o mais lindo. Nem sonha em ser condor, soberano dos Andes. Nem chega perto da formosura do quetzal mexicano. Só não digo que o nosso maravilhoso uirapuru é um tantinho feioso, porque para mim todo pássaro é bonito.
As corujas sabem que estou falando a verdade. Até mesmo o urubu, que no chão é puro desengonço, se desforra quando vai para o céu: a beleza do seu voo é tecida de inteligência e elegância.
O uirapuru é pequenino, verde escurecido em castanho, fronte avermelhada. Parece um pardal. O que o distingue de todos os pássaros da floresta é que ele tem o canto encantado. Ele encanta com o seu canto. Enfeitiça com a doçura de sua voz, o prodígio do seu canto.
Custa muito a aparecer. Aliás, não aparece. Ninguém dá com ele. A gente mal a mal percebe de que direção vem vindo o seu canto.
Toda a floresta silencia quando ele começa a cantar, com um longo trinado agudo de uma só nota musical. Os outros passarinhos logo ficam silenciosos e seduzidos voam, alguns atravessam o lago (que é onde o uirapuru gosta de viver, pertinho do lago sereno) só para ouvir de mais pertinho o pássaro encantador.
Dizem que as antas, os veados, as capivaras e mesmo as onças grandonas, toda a floresta para, tocada pela magia do canto. Contam que até o vento se abranda, as águas deslizam devagar.
Só ouvi o uirapuru uma vez. Foi no Lago do Marcelo, dentro do Cachimbá, no Paraná-Mirim-da-Eva. Lago dos imensos. Ia de canoa, com o Jari Botelho e o Antônio do Josias, atrás de umas bromélias, quando de repente foi aquele trinado subindo na selva.
É o uirapuru, exaltou Antônio.
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O silêncio sonoro da floresta perdeu a voz. Vi os passarinhos voando ligeiros na direção de um coqueiro de macaco. O passarinho cantou bem uns quinze minutos.
Ainda espero ouvi-lo de novo. O povo da floresta, que sabe o que diz, acha que o uirapuru é o pássaro da felicidade. Basta ouvi-lo uma vez, a aventura da vida está garantida. O canto dele vale por lâmpadas em qualquer réstia de escuridão.
Não ando precisando de uirapuru: sou um homem insuportavelmente feliz. Mas gostaria de sentir de novo todo o meu ser comovido, perturbadamente encantado pelo dom mágico do nosso passarinho.
Convém saber que, no idioma tupi-guarani, uira quer dizer ave e pura serve para significar um poder mágico. Os índios chamam as coisas pelo que elas são.
Thiago de Mello – Poeta maior da Amazônia e do Brasil, em Amazonas – Águas, Pássaros, Seres e Milagres. Editora Salamandra, 1998.
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana do mês. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN Linda Serra dos Topázios, do Jaime Sautchuk, em Cristalina, Goiás. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo de informação independente e democrático, mas com lado. Ali mesmo, naquela hora, resolvemos criar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Um trabalho de militância, tipo voluntário, mas de qualidade, profissional.
Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome, Xapuri, eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás de grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, praticamente em uma noite. Já voltei pra Brasília com uma revista montada e com a missão de dar um jeito de diagramar e imprimir.
Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, no modo grátis. Daqui, rumamos pra Goiânia, pra convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa para o Conselho Editorial. Altair foi o nosso primeiro conselheiro. Até a doença se agravar, Jaime fez questão de explicar o projeto e convidar, ele mesmo, cada pessoa para o Conselho.
O resto é história. Jaime e eu trilhamos juntos uma linda jornada. Depois da Revista Xapuri veio o site, vieram os e-books, a lojinha virtual (pra ajudar a pagar a conta), os podcasts e as lives, que ele amava. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo a matéria.
Na tarde do dia 14 de julho de 2021, aos 67 anos, depois de longa enfermidade, Jaime partiu para o mundo dos encantados. No dia 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com o agravamento da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
É isso. Agora aqui estou eu, com uma turma fantástica, tocando nosso projeto, na fé, mas às vezes falta grana. Você pode me ajudar a manter o projeto assinando nossa revista, que está cada dia mió, como diria o Jaime. Você também pode contribuir conosco comprando um produto em nossa lojinha solidária (lojaxapuri.info) ou fazendo uma doação via pix: contato@xapuri.info. Gratidão!
Zezé Weiss
Editora
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