Um oásis verde no sertão – Reserva agroecológica no polígono da seca transforma região suscetível à desertificação em área verde. Produção agroflorestal vira laboratório a céu aberto
Por Liana Melo/Projeto Colabora
De semente em semente, o casal Silvanete e Vilmar Luiz Lermen construiu uma reserva agroecológica em Exu, cidade pernambucana localizada no polígono da seca. Em pleno sertão, a paisagem agreste deu lugar a 10,3 hectares de área verde.
São 500 espécies de plantas, que transformaram uma área totalmente degradada num oásis na serra dos Paus Dóis, a 900 metros de altitude — uma espécie de jardim suspenso na cidade, que era conhecida, exclusivamente, por conta do filho mais ilustre, o compositor Luiz Gonzaga, o rei do baião.
Exu está no Atlas das Áreas Suscetíveis à Desertificação no Brasil, junto com outros 1.488 municípios. Espalhada por 1,3 milhão de quilômetros quadrados (km2), a desertificação está presente em todo o Nordeste, mais algumas áreas de Minas Gerais e do Espírito Santo.
O problema é mundial, reduz o produto interno bruto (PIB) global em até 8% ao ano e levam à infertilidade 24 bilhões de toneladas de terra anualmente, alertou o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, no último dia 17 de junho.
Na ocasião, Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, disse ainda que “reduzir a migração forçada, melhorar a segurança alimentar e estimular o crescimento econômico” ajuda a resolver a “emergência climática global”. Mulheres e crianças são as principais vítimas da desertificação. A África Subsaariana é a região com o maior índice de desertificação do mundo, fenômeno que atinge ainda 25% da América Latina e do Caribe.
Se não fosse o trabalho de Vilmar e Silvanete na reserva agroecológica de Exu, as perdas provocadas pela desertificação no estado de Pernambuco seriam ainda maiores — calcula-se que elas cheguem a 11% do PIB nordestino. O município estava na rota da desertificação, até que o processo começou a ser interrompido, há pouco mais de uma década, quando Lermen trocou sua cidade natal, Planalto, no Paraná, divisa com Argentina, por Pernambuco, para ficar mais perto da então namorada, Silvanete — os dois eram militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) e se conheceram num curso de capacitação para jovens e adultos em Olinda, em 2006.
Naquele ano, o agricultor agroflorestal mudava de cidade para iniciar uma reserva, que, 13 anos depois, virou ponto turístico e uma espécie de laboratório a céu aberto de estudos e pesquisas sobre a convivência com o Semiárido. Seu trabalho contagiou a vizinhança e, hoje, o casal é uma das 26 famílias que faz parte da Associação dos Agricultores Familiares da Serra dos Paus Dóis.
Como único bioma exclusivamente brasileiro — toda a área de ocorrência da Caatinga está dentro do território nacional, é o quatro ecossistema mais rico do país. Só perde para a Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, mas é o único “sem nenhum tipo de proteção ou garantia”, comenta Paulo Pedro de Carvalho, coordenador geral do Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não Governamentais Alternativas (Caatinga), organização parceira da ActionAid Brasil.
É que apesar da aprovação da Política Nacional de Combate à Desertificação, em 2014, a lei nunca foi regulamentada. A desertificação, diz ele, está muito ligada, numa relação de causa e efeito, com as mudanças do clima e perda da biodiversidade. “Cada dia é mais importante falar e informar sobre este fenômeno que acontece nas terras secas do mundo, causando desequilíbrio ambiental, pobreza, provocando êxodo rural e, consequentemente, aumento dos problemas sociais urbanos”.
No Dia Mundial de Combate à Desertificação, a data passou praticamente desapercebida no país. “Como não temos um política de proteção ao bioma, se fala pouco ou quase nada sobre o tema”, avalia Avanildo Duque da Silva, coordenador de projetos da ActionAid, ONG que trabalha por justiça, igualdade de gênero e fim da pobreza. Dentre os projetos apoiados pela instituição, 12 deles espalhados por 1.270 comunidades na região do Semiárido. Juntos, atingem 20 mil famílias. “Infelizmente o governo não está preocupado com a agenda ambiental”, comenta.
Em meio a um ambiente de total perplexidade política, os fatores que levam à desertificação não estão mesmo no radar do governo Bolsonaro. “Precisamos ter a Caatinga como nossa aliada e desenvolver uma cultura humana de convivência digna e sustentável com o Semiárido”, comenta Carvalho. A mata branca, significado do nome Caatinga, dado pelos índios tupi-guarani em alusão à aparência que ele toma quando a água se torna escassa, é uma riqueza imensurável. Somente de cactos são mais de 50 espécies e cerca de 40 espécies de bromélias já foram identificadas, cada uma com cores e arquiteturas particulares. Sem falar nos benefícios medicinais de algumas espécies.
Alunos da Universidade Rural de Pernambuco estão pesquisando na reserva de Lermen o uso do óleo essencial do araçá da Caatinga no combate à Leishmaniose visceral — doença contagiosa, transmitida pelo mosquito-palha. O agricultor tem de tudo um pouco na sua reserva: milho, feijão, fava, macaxeira e a mandioca, além de frutíferas nativas e exóticas ao bioma, como o caju, a manga e a goiaba. Sem falar no cambuí, da murta, do maracujá, do jatobá, que são nativas. “O cambuí é rico em flavonóides e estamos testando como cobertura de sorvete”, conta Lermen.
Fonte: Projeto Colabora
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