Onça Juma

Onça Juma: Morrer, não precisava!

Onça Juma: Morrer, não precisava!

Em casa todo sabe: não combina com fogo, muito menos com tochas. Um simples foguete, a metros e metros de distância, é o suficiente para fazer nossos cães e gatos tremerem de medo. Alguns se enfiam debaixo da cama. Outros ficam agressivos, e atacam.

Na mesma linha, a é de domínio público, a Lei manda e o bom senso exige: animal silvestre deve viver livre na , não fazendo shows em circo, nem servindo de mascote em espaço público ou privado. Bicho do mato fora do habitat, todo mundo sabe: é problema.

Juma estava, portanto, no local errado – em um centro do Exército no do . Juma, onça pintada, espécie altamente ameaçada de , na lista do Ibama desde 2003, também cumpria, involuntariamente, a função errada. Não era tarefa de Juma dar espetáculo em festa de Olimpíada.

Tudo fora do eixo na morte de Juma. Quem lida com animal silvestre sabe que é preciso ter sempre anestesia em quantidade pra dopar o animal em caso de risco para humanos. Deram tranquilizantes, dizem. Devem ter sido fracos, ou em dose insuficiente, porque bicho escapado de zoológico se captura com anestésico, não com tiro de pistola.

Acorrentada, Juma foi obrigada a fazer bonito durante a cerimônia de passagem da tocha em . Viu fogo, se assustou. Chegou em “casa” estressada. Merecia descanso, água fresca e carne boa. Em vez disso, Juma dançou, foi-se embora deste mundo por conta do susto de um soldado.

É costume do Exército manter onças e outros felinos como mascotes. Na floresta, os animais são resgatados de cativeiros, ou tomados de caçadores, alegam oficiais. Em sendo assim, mais uma responsabilidade – proteger o animal, não expô-lo a estresse público em desfile, ainda que cívico, ou passagem de tocha olímpica.

Não estivessem onças como Juma tendo seu espaço de caça encurtado pelo ; não fosse suficiente seu abate por donos de bois nas áreas de agropecuária, ou pela cobiça da pele por caçadores nos rincões da floresta, a de Juma tinha que acabar justo assim: com uma bala na fuça por conta de um nervoso causado.

A 20 de junho do ano da graça de 2016, onça Juma morreu sem precisão de ser morta.

juma ebc com tocha
foto: agenciabrasil.ebc.com.br

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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