Os Curumins de Portugal e a Língua Brasileira

Os Curumins de Portugal e a Língua Brasileira

Os Curumins de Portugal e a Brasileira

“Portugal e são dois países separados por uma língua comum”. (Taquiprati – parafraseando Bernard Shaw).

Por José Ribamar Bessa Freire

Os “miúdos” de Portugal estão a falar (falando) “brasileiro”, o que está a assustar (assustando) pais e mães entrevistados pelo Diário de Notícias (DN) de Lisboa desta última quarta-feira (10). Eles informaram que as crianças se viciaram nos vídeos de youtubers brasileiros, com quem dialogam diariamente através de tablets, computador e “telemóvel” – já denominado de “” pelos “miúdos”, que viraram “curumins” e, no último fim de semana, pressionaram seus pais para ver ao vivo o espetáculo em Lisboa do criador de conteúdo Luccas Neto, com 36 milhões de seguidores, entre os quais milhares de portuguesinhos.

Com a quarentena imposta pela pandemia, as crianças ficaram expostas durante meses, por muitas horas do dia, a conteúdos produzidos no Brasil. Não deu outra. Os pais reclamam que seus filhos em idade pré-escolar estão a usar, perdão, usando palavras como grama, ônibus, bala, moça, cafezinho e geladeira no lugar de relva, autocarro, rebuçado, rapariga, bica e frigorífico. É como se uma brasileira ouvisse seu filho pedir que lhe comprasse a “camisola” 7 do Cristiano Ronaldo, com a qual já fez muitos “golos” nos melhores “guarda-redes” do .  O “gajo”, digo, o cara é muito bom.

No entanto, essas diferenças não se resumem a um conjunto de palavras. Afinal, o que significa “falar brasileiro”? Entoação? Sintaxe? Será um exagero pensar que essas interações eventuais possam impor uma norma gramatical, mas ao mesmo trata-se de uma marca identificada como “influência”.  Normalmente, tais características da fala compartilhadas por um grupo têm elementos que mexem com a identidade e permitem revelar a origem dos seus falantes. É o que se reconhece como dialeto. Até agora são regionais, geracionais, sociais, de gênero.

DIVERSIDADE

Há várias línguas faladas em português – disse em discurso na Academia Brasileira de Letras (ABL) José Saramago, o único escritor de língua portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura. Foi em 2008. Ele acrescentou que “essas línguas são, ao mesmo tempo, iguais e diferentes” e defendeu a diversidade, recomendando a união dos países lusófonos, mas sem eliminar a variedade.

No entanto, não é assim que pensam alguns cidadãos do país ibérico, que se nomearam os “guardiões da língua portuguesa”, considerada por eles como superior às variedades faladas nos países colonizados e que merece ser preservada e protegida de influências outras, com status diferenciado, o que é uma enorme bobagem. Isso equivale a dizer que o bacalhau é melhor do que o pirarucu ou vice-versa, ou versa-vice, tanto faz.

A preocupação dos portugueses com a fala “brasileira” de seus filhos, destacada pelo DN é uma preocupação legítima, se for tratada como defesa da diversidade, mas não assim se for apresentada como proteção da “pureza” do idioma. Há ainda a questão da , que deve ser discutida.

As dificuldades de entendimento não se limitam ao léxico, que está situado na estrutura superficial da língua, mas estão relacionadas à velocidade da fala, à qualidade vocálica e até à “perda” delas em alguns contextos da fala lusitana em oposição às vogais mais abertas do “brasileiro”. Uma coisa é a escrita, que está padronizada, outra é a fala. Trata-se de avaliar em que medida as variedades do português lusitano são assim tão diferentes, digo, “diferentes” dos diversos dialetos falados no Brasil, a ponto de comprometer a comunicação.

UM VÍCIO?

Que o diga a saudosa linguista Yonne Leite (1935–2014), nascida no Ceará, pesquisadora de . Ela contou que se hospedou num hotel em Estoril e ali lhe deram um quarto de fundos e não um dos que tinham varandas para o mar. Desceu imediatamente à recepção e pediu um quarto “de frente”, o recepcionista que escutou de acordo com os seus padrões respondeu que não havia quarto “d´f´rente”, todos eram iguais. O senso comum diria que “ele engoliu as vogais”.  

A família do Antônio, um seguidor de Luccas Neto, no início achava graça porque o “miúdo” de 4 anos de idade não conseguia mais dizer os r´s nem os l´s. Mas depois, quando as pessoas perguntaram se o pai ou a mãe do menino eram brasileiros, soou o sinal de alarme. A mãe, Alexandra Patriarca, que levou o filho para sessões de terapia da fala, se justificou:

– Neste momento estamos num processo de tratamento como se fosse um vício. Explicámos-lhe tudo, que ele não podia ver como isto o prejudicava. E já notamos que está muito melhor. O que tentamos fazer agora é brincar mais com ele, bloqueamos alguns conteúdos, deixando apenas a Netflix e tudo o que está registrado no português de Portugal.

A educadora Ana Sofia Alcobia disse ao DN que não se lembra de um momento tão desafiante como este, submetido a duplo impacto: os conteúdos da internet e o uso de máscara com efeitos “desastrosos” para a aquisição da linguagem por parte dos mais novos. Numa sala de aula com 22 meninos, um deles só falava em português do Brasil, “sem ter qualquer familiar brasileiro e sem nunca lá ter ido. Ele falava com sotaque e dizia todas as palavras tal e qual os vídeos a que assistia na internet”.

A professora de linguística Catarina Menezes, que coordena a licenciatura em comunicação e mídia em Lisboa, informou que, quando era , havia o mesmo pânico com os do Tio Patinhas, que falava o português do Brasil. O mesmo quando apareceram as telenovelas da Globo exibidas na TV portuguesa. As consequências não foram nefastas. Ela concluiu que é necessário “desdramatizar um bocadinho os cenários”.

Com ela parece concordar o escritor e crítico literário Sérgio Rodrigues, autor de “Viva a Língua Brasileira”. Na quinta (11), em sua coluna na Folha SP, ele considerou “alarmismo e superficialidade na abordagem – como é habitual quando o jornalismo, espelhando o senso comum, trata de temas linguísticos”. De qualquer forma, nessa questão vale o que disse Bernard Shaw sobre a língua inglesa: “England and America are two countries separated by a common language“.

 José Ribamar Bessa Freire – Professor. Cronista, em www.taquiprati.com.br.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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