Padre Justino Tuyuka, conselheiro indígena do Papa Francisco

Padre Justino Tuyuka, conselheiro indígena do Papa Francisco
 
Entrevistamos o Padre Justino Tuyuka, de São Gabriel da Cachoeira (AM), integrante do conselho que prepara o Sínodo da Amazônia de 2019
 
Por Juliana Radler/ISA

Padre Justino Sarmento Rezende, de 57 anos, é indígena do  Tuyuka, nascido na comunidade de Onça-Igarapé, na fronteira do com a Colômbia, na Terra Indígena Alto Rio Negro (AM). Fluente em Tukano e na língua de seu povo, o Padre é um homem de sorriso largo e espontâneo, que cativa a todos a sua volta. Não podia ser diferente com o Papa Francisco, que o adotou como conselheiro para pensar os rumos da Igreja Católica na Amazônia.

Em sua viagem ao Vaticano, em abril, Justino participou de reuniões com o Papa e 15 bispos para preparar o Sínodo da Amazônia, que será realizado em outubro de 2019. Um Sínodo é uma assembleia periódica de bispos de todo o mundo que se reúne para tratar de assuntos ou problemas universais relacionados à Igreja. Criado em 1965 pelo Papa Paulo VI, é visto como uma prática metodológica participativa, convocado pelo pontífice sempre que houver uma necessidade específica.

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Padre Justino Tuyuka com o Papa Francisco no Vaticano durante a reunião preparatória para o Sínodo da Amazônia, que será realizado em outubro de 2019

Na entrevista abaixo, dada ao Programa Rio Negro, do ISA, Justino fala sobre o Sínodo e sobre as preocupações do Papa Francisco com a Amazônia e com os . “O Papa deseja uma igreja com o rosto indígena”, conta Justino. A importância da preservação da Amazônia, da sua diversidade cultural e de sua biodiversidade ganharam ainda mais força após a visita do Papa Francisco a Porto Maldonado, no Peru, em janeiro desse ano, onde estiveram reunidos representantes indígenas de toda a Panamazônia. Leia a entrevista:

ISA – Como o Sínodo da Amazônia poderá ajudar a proteger à a e dar mais visibilidade à causa indígena?

Padre Justino – O Sínodo da Amazônia é um evento da Igreja Católica com um alcance que ultrapassa a instância da Igreja, pois todos os povos da Amazônia e do mundo são prejudicados quando as florestas, as águas e o ar são afetados. Por isso, é um acontecimento que vai atingir muitos setores das sociedade nacional e internacional. E nós, povos indígenas, temos que mostrar para o mundo como devemos valorizar a terra, as florestas, os lagos, as cachoeiras e os seres vivos em geral. O Sínodo é um evento político-ético, pois trata da defesa da vida, da Casa Comum, como diz o Papa Francisco.

Nós, povos indígenas da região Panamazônica, temos que contribuir para ajudar a cuidar do mundo. Não serão somente os povos indígenas que sofrerão quando a Amazônia for destruída. A humanidade toda, todo tipo de pessoa, rica, pobre, simples, indígenas e negros sofrerão. Sem dúvida, já existem organizações que lutam por essas causas. Agora, a Igreja também assume esse compromisso mundial, mas ao mesmo tempo localizado em seus esforços na Amazônia. Nós, povos indígenas, herdamos muitos segredos e sabedorias de nossos avós para cuidar do mundo e das pessoas. Não podemos perder a oportunidade de dizer para o mundo como devemos cuidar do mundo e das pessoas.

ISA – O senhor viajou recentemente a Roma para uma reunião com o Papa Francisco. Como foi o encontro e quais são as expectativas do Papa para esse Sínodo?

Padre Justino – Quero dizer que nunca imaginei estar como assessor num evento tão importante como o Sínodo – Assembleia Especial da Igreja Católica. Eu produzi alguns textos iniciais sobre os povos indígenas, sobre o e a espiritualidade indígena, mas não conseguia escrever bem, pois eu pensava em todos os povos e dizia comigo mesmo: “Como eu vou escrever em nome de todos os povos indígenas?”. Depois de algumas reuniões e estudos com o grupo de assessores, viajamos para participar, no Vaticano, da primeira reunião pré-sinodal onde estavam presentes 15 bispos, um leigo e uma religiosa; cinco assessores e a equipe da secretaria central do Sínodo, coordenada pelo Cardeal Lorenzo Baldisseri.

Para mim, um Tuyuka que nunca imaginou estar ali naquela situação, foi muito interessante estar vendo e ouvindo as preocupações dos bispos com relação à Amazônia. O Papa Francisco participou um dia inteiro da reunião e no outro participou pela tarde. Na apresentação do documento de trabalho, a equipe pediu que eu falasse como o único indígena presente. Eu havia escrito, mas na hora não usei, preferi falar o que eu sentia no meu coração diante do Papa Francisco. Eu disse que nós temos uma grande responsabilidade de visibilizar a Amazônia e os povos da Amazônia, entre os quais nós, povos indígenas.

O Papa Francisco ouvia e olhava atentamente. Foi algo marcante na minha vida pessoal. O grande desejo do Papa Francisco é que nós, povos da Amazônia e indígenas apontemos caminhos novos para a Igreja e para uma ecologia integral. Em outras palavras, o Papa Francisco provoca para que nós, povos da Amazônia, apontemos caminhos para cuidar da Casa Comum (Terra) e dizer como nós queremos que a Igreja seja entre nós, com rosto indígena e com rosto amazônico. Virá muito trabalho para todas as comunidades e organizações dizerem o que nós esperamos da Igreja a partir desse Sínodo. No final do encontro, o Papa Francisco disse: “Vocês precisam sonhar mais! Não tenham medo de mim, eu não estou aqui como controlador, para dizer: tire isso e coloque isso. O Papa completou: coloquemos todos esses trabalhos nas mãos de Deus.” Nos intervalos, o Papa Francisco convivia como amigo entre todos, conversando, sorrindo, tirando fotos com quem quisesse. Achei o encontro muito bom, com muita simplicidade.

ISA – O que representa um Sínodo especial sobre a Panamazônia?

Padre Justino – Representa uma grande oportunidade para dizer para as igrejas, para os governantes de nações e para nós mesmos como nós da Panamazônia queremos ser vistos, respeitados e valorizados. Em outubro de 2019, por ocasião da realização do Sínodo em Roma, será a celebração daquilo que as comunidades amazônicas já rezaram, sonharam e decidiram. Mas temos que dizer o que nós queremos mesmo!

ISA – Quais são, hoje, os principais desafios para os povos indígenas da Panamazônia?

Padre Justino – Na região Panamazônica habitam muitos povos e cada povo enfrenta diversos desafios que surgem de dentro das próprias culturas e que vêm de fora também. Os povos de modo geral possuem longas histórias de contatos com sociedades não indígenas, embora tenham povos que livremente preferem manter-se distantes. A partir de dentro das próprias culturas, os povos indígenas passam por profundas transformações. Agora, mais do que nunca, dá para entender que as culturas são dinâmicas e mudam continuamente. Muitas realidades que entram nas comunidades, como tecnologias, não consultam se podem entrar ou não, entram de forma sutil e agressiva ao mesmo tempo. E são levadas pelos próprios indígenas.

E o grande desafio que nos atinge sempre é a defesa de nossos territórios contra as ameaças de poderosos e empresas. Com isso, as diversidades socioculturais são ameaçadas, assim como os rios, florestas, tradições, costumes e rituais. Mas é notável também que os povos indígenas não se entregam, lutam sem cessar. As identidades dos povos indígenas passam por grandes transformações. No campo religioso, por exemplo, os povos indígenas também se sentem ameaçados por grandes religiões externas, cristãs, que desrespeitam as teologias e espiritualidades indígenas. Eu penso que nós, indígenas, temos que ser protagonistas e interlocutores principais em todos os lugares onde nós atuamos. Em muitas regiões existem lideranças tradicionais, novas lideranças bem capacitadas, fortes e corajosas para defender seus povos, suas culturas e suas vidas.

ISA – Como padre Tuyuka e único indígena, como o senhor observa a sua participação no conselho preparatório do Sínodo? Quais contribuições o senhor pode dar ao Papa?

Padre Justino – Até o presente momento eu sou o único indígena no Conselho. яндекс O Papa Francisco frisou que nós, indígenas, temos que ser os interlocutores principais para falar de nós, de nossos sonhos, desafios, problemas e o que nós queremos da Igreja e dos governantes. Papa Francisco até a realização do Sínodo pode surpreender com outra novidade para ouvir mais os povos indígenas, pois ele quer uma Igreja com rosto indígena. Mas, para alcançar isso, terão que acontecer muitas mudanças importantes no interior da Igreja.

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Padre Justino junto com demais membros do Conselho pré-Sinodal, que discute a Panamazônia, seus povos e a preservação da floresta sob a luz da Carta Encíclica sobre o cuidado da Casa Comum
 
ISA – Quais assuntos o Papa Francisco está mais interessado em levantar no Sínodo da Amazônia?

Padre Justino – Alguns assuntos ganharão grande força, tais como a defesa da Casa Comum (Mundo), defesa dos povos da Amazônia, povos indígenas, seus territórios, suas culturas, tradições, sabedorias, espiritualidades indígenas e teologias indígenas. Os ministérios eclesiais serão outros temas que surgirão com força nas consultas. Mas os Conselheiros pré-sinodais estão provocando que muitas coisas surjam a partir das bases, das discussões nas comunidades. Dentro dos ministérios eclesiais, uma das realidades é a escassez de sacerdotes para atender as comunidades cristãs, que passam muito tempo sem a presença dos sacerdotes. Eu imagino que o Sínodo está sendo aguardado por muitas comunidades, pois será uma grande celebração.

ISA – Qual mensagem o senhor deixa aos povos indígenas da Panamazônia?

Padre Justino – O Papa Francisco definiu o tema do Sínodo “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral.” No dia 15 de outubro de 2017, quando o Papa convocou o Sínodo, ele desafiou: “Vamos identificar novos caminhos para os povos da Amazônia, em especial, para os povos indígenas; vamos pensar na da floresta amazônica, pulmão do nosso !”. Sendo um indígena eu peço que os indígenas de diversas comunidades da região Panamazônica participem com alegria, com sabedoria e com entusiasmo para dizer quais serão os caminhos que a Igreja que está presente entre nós deve percorrer. Precisamos propor caminhos para nós mesmos, para os religiosos, para os sacerdotes e para os bispos. Os não indígenas que atuam entre os povos indígenas devem assumir os rostos indígenas. Aproveitemos para sonhar coisas novas para nossas comunidades e para o mundo! Vamos olhar para o mundo que nos cerca e convive conosco! Ele precisa ser amado! Os sábios de cada povo ensinaram muitas sabedorias e vamos mostrar para o mundo! O mundo precisa ser cuidado e nós também precisamos ser cuidados!

ISA – Como o senhor concilia a sua cultura indígena, do povo Tuyuka, com a religião católica?

Padre Justino – Nesses 34 anos que eu sou salesiano e 24 anos como sacerdote tenho vivido distante da região onde eu nasci, Onça-Igarapé, Pari-Cachoeira. Tenho ido um pouco mais na comunidade São , rio Tiquié, onde meus irmãos moram desde 1997, após o falecimento de meu pai. Sinto que estou devendo mais visitas e contribuições melhores para aquela região. Mas não me eximo de dizer que desde o ano que eu me tornei padre (1994) procuro estar muito próximo dos povos indígenas e das nossas culturas.

Continuamente acredito que sendo um indígena da região e pela formação que eu tenho, sinto-me na responsabilidade de contribuir com a construção de nossas histórias recentes, fortalecendo a vida das comunidades através de , estudos de nossas culturas, através da catequese inculturada (que valoriza os valores indígenas) e celebrações de missas mais próximas de nossas culturas. Gosto muito de contribuir com a educação escolar indígena, oferecendo assessorias, contribuindo com a formação na Licenciatura Indígena, Políticas Educacionais e , da UFAM (Universidade Federal do Amazonas).

Contribuo também com as assembleias e conferências da Educação Escolar Indígena no município de São Gabriel da Cachoeira, tenho colaborado com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e com o Instituto Socioambiental (ISA) nos estudos sobre a educação escolar indígena, sempre que solicitado. Tenho apoiado bastante a Diocese de São Gabriel da Cachoeira para pensar numa Pastoral que atenda aos povos rionegrinos, com as diversidades culturais próprias da nossa região. Os meus irmãos salesianos têm me facilitado para que eu consiga fazer esse caminho de aproximação e contribuição com os povos indígenas. Por outro lado, os povos indígenas e suas organizações têm reconhecido como proveitosa a minha contribuição.

Fonte: Instituto Socioambiental


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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