Do Mirante do Cardeiro, te escrevo, Lula

Do Mirante do Cardeiro, te escrevo,

De Fabiana Agra para Lula

Lula, meu querido,

Desde aquele fatídico 7 de abril passado, o dia em que te trancafiaram nessa masmorra, que eu busco respostas e saídas para encruzilhada em que se encontra o Brasil. Viajei centenas de léguas para encontrar os nossos, li milhares de páginas que tentam explicar a conjuntura mundial e o papel do Brasil no novo mapa que está sendo posto pelos maiorais, desisti de sonhos, de profissão, de planos, e me desfiz das várias roupagens, das certezas e de um confortável cotidiano, somente para descobrir que ainda sou a mesma de quase um ano atrás. Continuo sem respostas, sem planos de voo, sem bússola, sem leme – até o lenço e os documentos, perdi-os na última tentativa de passagem…

Perdida, volto àquela serra de onde escrevi a primeira carta endereçada a você, Lula. Chego ao Mirante do Cardeiro, na tentativa de obter as respostas para as perguntas do ontem e do agora. Cansada, sento à beira do precipício e contemplo, ao mesmo , a linha do horizonte e o abismo que se espraia aos meus pés. Lula, a caatinga está em flor! As últimas chuvas, apesar de escassas, já foram bastante para fazerem renascer a nossa caatinga, até onde a vista alcança é um caleidoscópio de verdes que brotam a partir do cinza que, adormecido, esperou as primeiras precipitações para render-se à que brota no semiárido! Daqui, escuto o canto dos pássaros, que ressurgem em polvorosa anunciando a possibilidade de um ano de invernadas. Daqui, vejo a floração da caatinga quase sem flor. Daqui, escuto o farfalhar dos anfíbios por entre a relva e sinto o cheiro da molhada entranhar em todos os meus poros, como que a anunciar que o novo está por vir.

 

Digo tudo isso, Lula, porque sei da tua conexão com a nossa terra, com a nossa caatinga, com o semiárido – sei do seu amor pelo ! E digo mais, Lula: o do Nordeste não te esquece nem por um só momento, o nosso povo sabe e entende o seu ato extremado de perder a em nome de um de vida  para o povo brasileiro. E o povo nordestino ama você por isso também, Lula, Não só por você ter proporcionado os melhores anos para nós em mais de quinhentos anos de exploração! Com você, Lula, o nordestino começou a sentir-se fazendo parte de um projeto de nação, acreditou e começou a tornar realidade o sonho de dias melhores para todos nós.

… Meio-dia, o sol queima a cara, dada a tapa há tempos; a cigarra canta, oculta, os bichos outros escondem-se, enquanto eu miro o olhar entre as serras daqui, em busca de respostas. Mas as nuvens nada dizem, o vento silencia. Não ouso falar dos últimos cinquenta dias, Lula, seria desrespeitoso para com o Brasil e com o melhor presidente que este país já teve. Não falarei de atualidades, pois; quero tratar do que virá, do que vir-a-ser, do querer-ser, do que terá-que-ser, porque do jeito que está, é para exterminar o povo, Lula, e eu lembro bem o quanto você alertou para estes dias de agora! E daqui de onde me encontro, meu querido, posso sentir a força vital que emana da , como que dando propulsão à fênix – ou bennu – de agora que, ao emular-se na pira de acontecências, permite o ressurgimento daquela resistência atemporal, que insistirá no combate milenar – desde que a primeira cerca foi posta entre os iguais.

Antes de deixar o mirante, é inevitável comparar aquela visão que tive, tempos atrás, da mata branca, adormecida – e para quem não conhece, aparentando – com tua prisão, Lula. Eu sei que está aí, feito o umbuzeiro, a baraúna e o cardeiro, que perdem as folhas todas, e acinzentam seus corpos, para conseguirem sobreviver a um longo período de estiagem – para três dias depois das primeiras chuvas, ressurgirem numa explosão de vida. Assim está você, Lula, e tal qual o que olho daqui, ficará a partir do dia de tua libertação!

Por enquanto é só, Lula, que a caatinga ainda carece de água – e eu, feito macambira, ainda preciso da chuva para abandonar o cinza da espera, e inaugurar o verde da mata-em-flor. De resto, o que posso adiantar, presidente, é que nós daqui continuaremos resistindo, insistindo e não desistindo jamais, porque o nordestino é mais forte, o nordestino faz-se invisível para poder alcançar o imponderável. Em breve, estaremos unindo forças com as outras e outros irmãos dos cinco cantos desse continente de fogo – e mesmo que não tenhamos ainda as respostas para os dias de agora, seguiremos lutando ao menos para arrancar você deste lugar.

Um abraço forte, companheiro.

Fabiana Agra

Escritora e jornalista

Picuí do Seridó, Paraíba, 21 de fevereiro de 2019

Fonte: As cartas que Lula não recebeu – Coletânea organizada por Cleusa Slaviero – Fernando Tolentino

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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