Paulinho, o volante Xucuru da seleção brasileira

Paulinho, o volante  da seleção brasileira que fez o primeiro gol do Brasil contra a Sérvia, traz no sangue a herança genética do povo indígena Xucuru.

de Flávio Carvalho, de Barcelona, para a rrevista Panenka,

Sou Pankaruru, Carijó, Tupinajé,
Potyguar, sou Caetés, Fulniô, Tupinambá
Antônio Nóbrega

Conheci o povo Xucuru quando estudava na Federal de Pernambuco, fazendo pesquisa antropológica. Logo depois que os conheci, seu cacique, Chicão, foi assassinado por uma organização criminosa que envolvia latifundiários e políticos de . Chicão foi assassinado no dia 20 de maio de 1998 – 20 anos atrás – e até agora a justiça não chegou para os Xucuru, mesmo que o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos acuse o Estado Brasileiro de conivência e impunidade, especialmente sobre este crime.

O mais trágico, para mim, foi saber que uma das matrizes do conflito entre os Xucurus e a organização criminosa passava pela construção de um campo de futebol no meio da aldeia . Um fato que aparece em todos os autos judiciais. Não conheço nada mais sagrado para um índio que as suas terras e o uso prático e simbólico que lhes vincula à sua história e origens. Não terá nunca o mesmo valor que para um não-indígena.

Anos mais tarde, voltei à aldeia Xucuru pelas mãos de uma catalã convidada (ela, mais do que eu) ao ritual e festa de casamento do filho de Chicão, o atual cacique Marquinhos Xucuru. Coincidia tal festa com a organização de uma das primeiras edições da Copa Xucuru, um campeonato com a participação de centenas de jogadores. E que atualmente conta com 24 times representantes de todas as derivações da etnia Xucuru – presente em um território imenso e comparativamente maior com toda a região europeia da Catalunha, onde eu moro.

Lembro especialmente de haver visto, em certa ocasião, os troféus dos campeões e alguns animais (acho que uma cabra e um bezerro) como prêmios do torneio de futebol, além de uma bola em um altar dedicado às divindades xucurus.

Diziam-me que Chicão gostava de jogar futebol e falavam, alternando orgulho e certo rancor, de Garrincha, o ídolo da seleção brasileira que nunca teve publicamente reconhecida sua origem indígena (Garrincha descendia dos Fulniô, um povo irmão dos Xucuru).

Hoje, os Xucuru e os 225 reconhecidos brasileiros seguem lutando pela posse definitiva da terra que habitam há séculos e séculos. Terras que a Constituição Brasileira lhes outorga (sem concreção e objetividade), por lei, desde 1988. Além disso, existem 63 referências de povos indígenas ainda não contatados oficialmente pelo governo do .

No ano 2000, outro jogador de futebol de origem Xucuru conheceu a glória: foi Campeão Mundial de Clubes, pelo Corinthians. Índio (José Sátiro do Nascimento, de nome indígena Iracã, dos Xucuru-Cariri), ajudou o “Timão”, de , a ganhar os campeonatos brasileiros de 1998 e 1999.

Filho de um cacique Xucuru, Iracã foi o primeiro e mais importante jogador brasileiro de origem indígena a jogar no exterior. Jogou no Daegu, da Coreia do Sul, no PAOK, da Grécia e no Alianza de Lima, no Peru. Suas últimas entrevistas falam de haver perdido todo o dinheiro que ganhou, enganado por seus inescrupulosos agentes e representantes.

Entrevistei, recentemente, Paulinho, o brasileiro de origem Xucuru que atualmente ocupa a posição de volante na seleção brasileira da Copa da Rússia, além de jogar no Barcelona (o Barça). Numericamente (em se tratando da maior população do , a chinesa, tudo é ainda mais grandioso, já que ele também jogou lá), Paulinho é o jogador de origem Xucuru que acumulou mais admiradores em toda sua história. Foi uma entrevista exclusiva para a revista Panenka, uma das melhores revistas esportivas de toda a Europa. Em matéria do que aqui chamam de “periodismo desportivo inteligente”, não há nada igual à Panenka.

Com Paulinho, falamos das suas origens e de conseguir, em pouco mais de um ano, superar todas as expectativas no mais exigente futebol do mundo. Em um ano inteiro quase sem descanso, Paulinho é (atenção!) o terceiro maior goleador do Campeão, na Liga Espanhola. Só perde pra… Messi e Suárez! Aliás, na entrevista ele também fala de como, graças a Messi, conversamos aqui em Barcelona.

Antes de ser contratado por 40 milhões de euros, pelo F.C. Barcelona, atual campeão espanhol, José Paulo Bezerra Maciel Júnior, Paulinho, passou por vários times e países. Boa parte da sua trajetória foi repassada na entrevista. Marcante foi, sem dú, a forma com que naturalmente não deixou de falar de suas origens, indígenas e pernambucanas.

“Minha avó era descendente de indígenas. Ela tinha alguns traços dos índios. Meu pai, na verdade, também os tem. Ele parece muito com um índio. Ele é de Pernambuco. Mas eu só tive contato com meu pai até os oito anos de idade. Quem me criou foi meu padrasto, Marcos, a quem também chamo pai”.

ANOTE AÍ:

Matéria publicada pela revista Continente: www.revistacontinente.com.br 

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Leia entrevista de Flávio Carvalho com Paulinho (em castelhano) para a Panenka AQUI.

FLÁVIO CARVALHO é sociólogo.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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