Pedrinhas miudinhas
Nas histórias que conto, por prazer e ofício, não cabem grandes batalhas, feitos extraordinários, líderes políticos, gênios da humanidade, efemérides da pátria e similares.
Luiz Antonio Simas via Romulo Andrade
Acontece que não me sinto confortável nos jantares requintados, dentro de ternos bem cortados, nos salões da academia ou nos templos suntuosos. Como diz um velho ponto de encantaria pra chamar os boiadeiros que moram nos ventos, “uma é maior, outra é menor, a miudinha é a que alumeia/ pedrinha miudinha de Aruanda êh !”. Eu sou maravilhado pelas pedrinhas miudinhas, nelas me vejo e delas faço meu pertencimento.
Interessam-me foliões anônimos, bêbados líricos, jogadores de futebol de várzea, clubes pequenos, putas velhas, caminhoneiros, retirantes, devotos, iaôs, ogãs, ajuremados, feirantes, motoristas, capoeiras, jongueiros, pretos velhos, violeiros, cordelistas, mestres de marujada, meninos descalços, goleiros frangueiros e romances de subúrbio, embalados por uma marcha-rancho que ninguém mais canta.
É pela aproximação amorosa, pelo ato de acariciar com devoção sagrada – amor, eu diria – as pedrinhas miúdas, que me ilumino no mundo. Os olhos brasileiros são os únicos que tenho para mirar os dias. É com eles que eu busco conhecer e, mais do que isso, me reconhecer na aldeia dos meus pais e do meu filho – terra das alegrias na fresta, das canções de gentileza e dos fuzuês onde, amiúde, não se imaginaria de tão escassa, a vida.
O resto são as coisas e pessoas poderosas – inimigas dos rios e das ruas – e suas irrelevâncias.
Pedrinhas miudinhas, ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros, 2019
Luiz Antonio Simas – historiador, professor e escritor carioca. Fotos: Romulo Andrade.
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Brasil