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Pela revolução copernicana da mente!

PELA REVOLUÇÃO COPERNICANA DA MENTE!

Pela revolução copernicana da mente!

O que você faria se tivesse que escolher entre um suco de laranja e um milkshake de chocolate, ou entre uma esfirra e um saco de batata frita? E o seu cachorro, o que ele escolheria, um prato de ração ou um bife?…

Por Antônio Carlos Queiroz (ACQ)

Um neurocientista enquadraria o seu comportamento em pelo menos duas etapas, a de avaliação e a de decisão ou deliberação, condutas que se supõe próprias dos animais ditos “superiores”, dotados de sistemas nervosos muito complexos. No seu caso, ele deitaria falação sobre a “mente”. No caso do cachorro, mencionaria os “processos de cognição”.

Acontece que o mundo é bem mais complicado do que supõe a vã filosofia da grande maioria dos neurocientistas.

Há pouco mais de dois anos, pesquisadores da Alemanha e da Grã-Bretanha descobriram que, em meio a um ambiente contendo nutrientes pobres, a bactéria Escherichia coli desenvolve rapidamente, com grande gasto de energia, a sua capacidade de locomoção (quimiotaxia) para alcançar nutrientes mais ricos.

É isso mesmo, a esperta bactéria rejeita a gororoba à sua disposição imediata para buscar
comida mais saudável… O mesmo comportamento é verificado no verme Caenorhabditis elegans. Se o bichinho já comeu alimentos de alta qualidade no passado, ele vai recusar a comida ruim que lhe é oferecida na expectativa de achar coisa melhor.

Num caso e no outro supunha-se que essas condutas, envolvendo deliberação e memória (no caso do C. Elegans), seriam próprias de organismos de “ordem superior”.

Pela revolução copernicana da mente!

Na Origem das Espécies (1859), Charles Darwin propôs que todos os seres vivos, sem exceção, evoluem por seleção natural “com atributos corporais e mentais”, e previu que a psicologia ganharia novas bases quando aceitasse essa nova visão da natureza.

O psicólogo francês Alfred Binet e o geneticista matemático americano Herbert Spencer Jennings desenvolveram pesquisas na trilha de Darwin, mas o fisiologista alemão Max Verworn turrou na velha concepção que até hoje constitui o paradigma da Psicologia.

Qual seja: em vezde admitir que a mente evoluiu simultaneamente com os organismos desde a
primeira forma de vida há 4,2 bilhões de anos, os psicólogos conservadores apegam-se ao suposto mistério do aparecimento do “espírito” apenas em alguns animais superiores em época muito mais recente.

Pior, o corpo e a mente seriam, na visão deles, entidades (substâncias) separadas, segundo a
proposta dualista de Descartes, de maneira que muitas escolas da Psicologia tratam os fenômenos mentais sem levar em consideração o estado do cérebro.

Pode um trem desse?

Está passando da hora de substituir esse paradigma obsoleto, propõe Pamela Lyon, pesquisadora visitante interdisciplinar do Instituto Southgate para a Saúde, a Sociedade e a Equidade da Faculdade de Medicina e Saúde Pública de Universidade Flinders de Adelaide, Austrália.

Lyon considera que a teoria da contiguidade da evolução mental, ainda hoje negligenciada, é a proposta mais radical do repertório de Charles Darwin, “com o potencial de induzir uma completa revolução copernicana nas ciências cognitivas, e de transformar a maneira como vemos o mundo e o nosso lugar nele”.

Em artigo publicado esta semana na revista Aeon, Pamela Lyon afirma que o atual paradigma “cognitivista” está baseado em três princípios: 1) Na centralidade do cérebro humano; 2) Na crença de que o cérebro é uma máquina de computação; e 3) Na ideia de que “a cognição é uma computação sobre representações”.

O resumo da ópera, que exclui a biologia e a evolução, consiste no seguinte, segundo Lyon: “Há coisas identificáveis no cérebro que ‘representam’ aspectos do mundo, da mesma forma que as palavras o fazem nas frases.

Esses bits de informação são 'processados' de acordo com algoritmos ainda a serem descobertos. Isso seria o que chamamos de pensamento, planejamento, tomada de decisão e assim por diante. Nenhuma atividade mental existe além do processamento das representações; a
cognição é apenas esse processamento”.

Em contraposição a esses princípios, Pamela Lyon apresenta a sua própria definição de cognição, com a qual ela tem trabalhado para publicar o seu próximo livro: “A cognição compreende os meios pelos quais os organismos se familiarizam com, avaliam, exploram e evitam elementos de seu entorno para sobreviver, progredir e se reproduzir”.

Ela diz que os primeiros teóricos que a inspiraram na formulação dessa ideia foram o zoólogo estoniano Jakob von Uexhüll e o neurobiólogo chileno Humberto Maturana. O primeiro cunhou o conceito de Umwelt (ambiente), segundo o qual os organismos se adaptam ativamente aos seus nichos ecológicos, avaliando os elementos de sua composição para otimizá-los para
as suas necessidades.

Já Maturana propôs que a vida é autoproduzida, não apenas auto-organizada ou autossustentada. E os organismos interagem cognitivamente com o seu entorno para incrementar a sua sobrevivência, progresso e reprodução. “Viver como um processo é um processo de
cognição”, dizia Maturana.

Bem se vê que o novo paradigma das ciências cognitivas, com base na “grandeza dessa visão da vida” de Darwin, deslocaria (de novo!) a nossa espécie do centro do Universo, assim como Copérnico arredou a Terra desse centro.

Diz Pamela Lyon que “agora podemos nos ver – baseados na Ciência e sem a necessidade de verniz místico ou antropomorfismo – num narciso (a flor), numa minhoca, talvez até numa bactéria, assim como num chimpanzé.

Compartilhamos origens comuns. Compartilhamos genes. Compartilhamos muitos dos mecanismos pelos quais nos familiarizamos e avaliamos os mundos criados por nossos sentidos. Estamos todos lutando pela existência, cada um à sua maneira, dependentes uns dos outros, lutando para sobreviver, prosperar e (para alguns) reproduzir, neste planeta que compartilhamos – que não é o
centro do Universo, nem mesmo do sistema solar, mas é a única casa que qualquer um de nós tem”.

Encerrando o artigo, a minha nova ídala das ciências cognitivas, afirmou: “Assim como passamos a conceber que os nossos corpos evoluíram de formas mais simples de organismos, é hora de abraçar a ideia radical de Darwin de que nossas mentes também evoluíram de mentes muito mais simples. Corpo e mente evoluíram juntos e continuarão a evoluir”.

ACQ – Antônio  Carlos Queiroz é Jornalista.  Imagem interna: Collage Orama. Capa: Aeon. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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