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A biologia do amor de Humberto Maturana

A biologia do amor de Humberto Maturana

Humberto Maturana  é um cientista diferente dos demais: consegue ver o ser humano pelas lentes do amor, pela biologia do sentimento

 “É no amor que alcançamos o bem-estar e realizamos nossa condição humana” 

Por: Luciano Lopes?revistaecologico

Seria o neurobiólogo chileno Humberto Maturana, 88 anos, um ser mais evoluído, que veio de outro planeta para renascer na Terra? Quem conhece algumas de suas obras mais famosas, como “A Biologia do Amor” e “Á Árvore do Conhecimento”, sabe que há uma razão para fazermos essa pergunta.

Maturana é um cientista diferente dos demais: consegue ver o ser humano pelas lentes do amor, pela biologia do sentimento, enxergando-o em um sistema global de múltiplas interações. Há quem diga que isso é impossível. Mas existe alguma barreira que o amor ou a influência da natureza em nossas vidas não atravesse?

Nascido na capital, Santiago, Maturana é adepto do pensamento sistêmico, que defende uma visão interdisciplinar, integrada e interdependente da realidade: o ser vivo, os objetos e o ambiente estão em constante relação e devem ser estudados como um todo. Nessa abordagem, ciência, subjetividade, espírito e, claro, o amor, caminham juntos.

Na orelha do livro “A Árvore do Conhecimento”, que escreveu junto com o também chileno Francisco Varela, PhD em Biologia, há uma descrição que melhor representa a tese defendida por Maturana: “Vivemos no mundo e por isso fazemos parte dele; vivemos com os outros seres vivos, e portanto, compartilhamos com eles o processo vital. Construímos o mundo em que vivemos ao longo de nossas vidas. Por sua vez, ele também nos constrói no decorrer dessa viagem comum. Assim, se vivemos e nos comportamos de um modo que torna insatisfatória a nossa qualidade de vida, a responsabilidade cabe a nós”.

E completa: “Nossa trajetória de vida nos faz construir nosso conhecimento do mundo – mas este também constrói seu próprio conhecimento a nosso respeito. Mesmo que de imediato não percebamos, somos sempre influenciados e modificados pelo que experienciamos”. Ou seja: um ser só sobrevive em um entorno que o receba.

Para o neurobiólogo, o amor tem papel fundamental nisso, porque faz o homem evoluir.  “O que guia o fluxo do viver individual são as emoções e na evolutiva também. É o emocionar que se conserva de uma geração a outra”, disse. Crítico da propaganda e do consumo insustentável, que, segundo ele, são um “estímulo à cobiça”, Maturana destaca que o amor está sempre associado à sobrevivência.

“Numa de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo. Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco . Mas há aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós precisamos de um solo acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo acolhedor é o amor.”

É o que você, caro leitor, confere nesta seleção de frases e pensamentos que a Ecológico apresenta a seguir:

Biologia do amar

“A biologia do amar é o fundamento biológico do mover-se de um ser vivo, no prazer de estar onde está na confiança de que é acolhido, seja pelas circunstâncias, seja por outros seres vivos. No caso dos seres humanos, isto é central na relação do bebê com sua mãe, com seu pai, com seu entorno familiar, que o vai permitir crescer como uma que vai ser um adulto que se respeita por si mesmo.”

“Se você observa a de crianças que se transformam em seres, chamemos assim, antissociais, vamos descobrir que sempre tem uma história da negação do amar, de ter sido criado na profunda violação de sua identidade, na falta de respeito, na negação de seu ser.”

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Emoções

“As emoções são centrais na evolução de todos os seres vivos, porque definem o curso de seus fazeres: onde estão, para onde vão, onde buscam alimentos, onde se reproduzem, onde criam seus filhotes, onde depositam seus ovos, etc. Bem, com os seres humanos ocorre exatamente a mesma coisa. O emocionar, o fluxo das emoções, vai definindo o lugar em que vão acontecer as coisas que fazem no conviver.”

“Se uma pessoa se move, por exemplo, a partir da frustração, isso vai definir continuamente o espaço relacional na qual se encontra e o curso que vai ter seu viver. Se vive a partir da confiança, vai seguir um curso distinto. Assim, portanto, o que guia o fluxo do viver individual são as emoções, e na constituição evolutiva também. É o emocionar que se conserva de uma geração a outra na aprendizagem das crianças.”                               

Cobiça

“Toda a visão do comércio que se associa ao estímulo da cobiça é destruidora da democracia. Quando Jesus disse ‘não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo, não se pode servir ao dinheiro e ao amor’, aponta certamente isso. Mostra que servir ao dinheiro tem a ver com a cobiça. Por isso, o jovem rico para entrar no Reino de Deus tem que desfazer-se de suas riquezas, abandonar seus apegos, porque o Reino de Deus é, de fato, amar. É a democracia.”

 

Propaganda

“Toda a propaganda para transformar as crianças em consumidores é um estímulo para a cobiça. Provavelmente estas crianças serão adultos que vão cobiçar, porque cresceram na busca da satisfação de qualquer coisa que querem, sem ter consciência do que isto significa no espaço social, no espaço de convivência, por exemplo, de seus pais, que não necessariamente podem comprar tudo o que os filhos querem.”

Competição

“A criança, ao jogar, aprende um modo de viver cuja atenção não está nas consequências, mas na responsabilidade do que faz. Claro que vão ter consequências, mas elas não são o ponto central, e sim aquilo que a criança está fazendo ao jogar. Se alguém aprende isso pode colaborar, pode estudar, pode fazer qualquer coisa com satisfação e com prazer.”

“A competição não é nem pode ser sadia, porque se constitui na negação do outro.”

Crianças

“Não traiam as crianças! Não prometa acolhê-las quando os vai desconsiderá-las. Não prometa que vai levá-las para brincar quando vai ordená-las que se sentem e fiquem quietas. Porque o que um faz, às vezes, sem se dar conta, é trair as crianças em função do que ele quer que elas façam. Por um lado as acolhe, mas na realidade as distingue. As crianças sabem exatamente quando alguém promete algo e não cumpre, e vivem isso como uma traição. Isso gera dor e produz sentimentos, por que é uma negação de nossa condição amorosa.”

Convicções

“Tendemos a viver num mundo de certezas, de solidez perceptiva não contestada, em que nossas convicções provam que as coisas são somente como as vemos e não existe alternativa para aquilo que nos parece certo. Essa é nossa situação cotidiana, nossa condição cultural, nosso modo habitual de ser humanos.”

Determinismo

“Quando nos encontramos com um advinho profissional, que nos promete com sua de predizer o futuro, em geral experimentamos sentimentos contraditórios. Por um lado nos atrai a ideia de que alguém, olhando para nossas mãos e baseando-se num determinismo para nós inescrutável, possa antecipar nosso futuro. De outra parte, a ideia de sermos determinados, explicáveis e previsíveis nos parece inaceitável. Gostamos do nosso
livre-arbítrio e queremos estar além de
qualquer determinismo.”

Certezas

“O conhecimento do conhecimento obriga. Obriga-nos a assumir uma atitude de permanente vigília contra a tentação da certeza, a reconhecer que nossas certezas não são provas da verdade, como se o mundo que cada um vê fosse o mundo e não um mundo que construímos juntamente com os outros.”

Planeta Terra

“O mundo sempre foi maravilhosamente acolhedor. Se assim não fosse, a história do ser humano não teria acontecido. Um ser só sobrevive em um entorno que o receba. Caso contrário, torna-se negativo e agressivo e não resiste. Apesar de vivermos um momento de negação do amor, só sobrevivemos porque essa emoção persiste nos vínculos que definem a vida em sociedade. É no amor que alcançamos o bem-estar e realizamos nossa condição humana.”

Dor

“A dor nos faz perguntar. Apesar de difícil, é uma oportunidade única de transformação, assim como a curiosidade, que não nos permite submissão aos padrões externos. Quando tropeçamos, dói o pé. Isso faz pensar sobre o modo de andar, a atenção ao caminhar, os desafios do trajeto. A dor da alma também ensina.”

 

Amor

“O ser humano não vive só. A história da humanidade mostra que o amor está sempre associado à sobrevivência. Sobrevive na cooperação. Se a mãe não acolhe o bebê, ele perece. É o acolhimento que permite a existência. Numa de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo. Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco tempo. Mas há aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós precisamos de um solo acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo acolhedor é o amor.”

“O amor nos dá a possibilidade de compartilhar a vida e o prazer de viver experiências com outras pessoas. Essa dinâmica relacional está na origem da vida humana e determinou o surgimento da linguagem, responsável pelos laços de comunicação e que inclui ações, emoções e sentimentos.”

“O amor, ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro junto a nós na convivência, é o fundamento biológico do fenômeno social. Sem amor, sem aceitação do outro junto a nós, não há socialização, e sem esta não há humanidade. Qualquer coisa que destrua ou limite a aceitação do outro, desde a competição até a posse da verdade, passando pela certeza ideológica, destrói ou limita o acontecimento do fenômeno social.”

“Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma incondicional e não se exige ou se espera nada como recompensa. Amar implica ocupar-se do bem-estar do outro e do . Em vez de oferecer instruções do que e como fazer, amar é respeitar o espaço do outro para que ele exista em plenitude.”

Fonte originária desta matéria: Luciano Lopes – redacao@revistaecologico.com.br
 
Maturana: “É no amor que alcançamos o bem-estar e realizamos nossa condição humana” - Imagem: Rodrigo Fernandez/Wikimedia
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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