Rosilene Corrêa: Mestra de tanta luta

A história de vida e militância de Rosilene Corrêa pode ser traduzida em duas palavras fortes: e Resistência

Por Jaime Sautchuk

Ser filha de fazendeiro rico no interior é esperança de vida boa, de muita prosperidade. Com a professora Rosilene Corrêa Lima foi assim, no começo. Ela nasceu na pequena Petrolina de Goiás, a 50 km da capital, Goiânia, área nobre da agropecuária do , onde seu pai era um dos maiores fazendeiros, na década de 1960.

Antes dela, que era a mais nova, tinham vindo cinco irmãos e todos desfrutavam de grande prestígio nas atividades escolares ou nos eventos da cidade, de um modo geral. Ela era a princesinha da casa e fazia o papel de dama de honra em todos os casamentos que se realizavam nas rodas da alta sociedade local. Tinha tudo pra ser uma vida de prosperidade, mas a história não foi bem assim.

Uma trajetória de muito sacrifício e muita garra teve início, em verdade, quando ela, menina de seus 10 aninhos, viu o desespero de seu pai e sua diante da falência. A entrega das terras, com pasto e lavouras formadas, patrimônios refinados, foi seguida de tristeza e desencanto num ranchinho de taipa nas paredes e sapê na cobertura, com chão de terra batida e sem luz elétrica, no distante município de Niquelândia, nortão goiano.

Por um bom período, o pai de Rosilene a levava até a cidade à noite, pra que ela seguisse seus estudos com turmas de adultos. Um ano e pouco e nem isso deu mais pra seu pai fazer, de modo que ela passou a ficar em casa, sem estudar. Foi ela mesma, contudo, quem sugeriu a possibilidade de ir morar com uma tia em Anápolis, onde voltaria a estudar e arranjaria serviços pra auxiliar no seu sustento.

Com 13, então, ela foi morar em Anápolis, com a tia, voltando a estudar à noite, em turmas de adultos. Seus irmãos ficaram na roça, na colheita de feijão e outros serviços sazonais. Ela dedicava seus dias a serviços domésticos, em que tirava dinheiro pra comprar roupas, material escolar e sobreviver, enfim. Ainda na casa dos pais, coletou restos de feijão e vendeu em litros, o que viabilizou a compra do primeiro caderno de dez matérias.

Assim, pensando no lado profissional, em turma só de , cursou Magistério, mas logo pegou gosto pela profissão, a ponto de hoje dizer que “se eu não fosse professora, eu seria professora”. E a educação já estava incrustrada na sua vida, pois foi este o caminho que lhe foi aberto pra que buscasse uma vida menos sofrida do que aquela do sítio de Niquelândia.

O fato é que, assim, ao decidir encarar um dos poucos cursos superiores que havia na cidade, então, optou por Pedagogia, consolidando a escolha pela profissão. Aos 18 anos foi morar com outra tia em Alexânia, cidade que fica no meio do caminho dali a Brasília, mas todas as noites ia de ônibus até Anápolis.

E logo aprendeu, também, que a escola chega muito além daqueles muros e paredes que costuma ter, pois “é o espaço mais vivo e mais alegre que a gente pode ter”. E arremata: “É impossível ser educadora se não tiver uma relação intensamente humanizada com seus alunos, porque você acompanha, você trabalha o ano inteiro com as mesmas pessoas, o que vai além da escola. Mesmo sem conhecer pessoalmente a família, você acaba conhecendo, porque o aluno traz ela pra gente”.

Como forma de reforçar esse sentimento, Rosilene relembra um dos momentos que ela considera mais emocionantes da sua carreira de professora. Foi com um aluno da 2ª série, que era meio estranho, indisciplinado, difícil de lidar e que, por isso tudo, causava muita preocupação, até o dia em que ele chegou correndo e se agarrou em seu pescoço, perguntando:

— Tia, você quer ser minha mãe?

Ela foi investigar e descobriu que ele tinha problemas de família muito sérios, o que refletia na sua vida na escola. Da mesma forma, não há como não se emocionar com o senhor de 78 anos, que ela conheceu em um de alfabetização de adultos, que explode de alegria ao ver que sabia escrever seu próprio nome e o nome de seu filho, num processo de aprendizagem muito rico, pois, nessa idade, ele sente que não sabia e está aprendendo, diferente das , que estão num processo normal de aprendizado.

Ainda na juventude, em 1988, Rosilene foi morar em Taguatinga, no Distrito Federal. Acabou se fixando em Santo Antônio do Descoberto, ali perto, mas em território goiano, pois ela, aos 23 anos de idade, já era funcionária concursada do governo estadual, como professora. Logo depois, houve uma greve do magistério estadual e ela acabou liderando o movimento ali, sob a coordenação do sindicato de Luziânia.

Mas logo ela ficou grávida de sua filha e se transferiu pra , antiga capital, onde fez o parto e engravidou novamente, o que a manteve afastada das escolas e . Mas acabou indo bater de novo, de malas e cuias, no Distrito Federal, e logo fez um concurso da Secretaria de Educação local. Aprovada, assumiu a função de professora em 1993, e por ali ficou.

Logo em seguida entrou numa chapa e virou diretora do Sindicato dos Professores do DF (SinproDF), o que a levou, também, à direção da Confederação Nacional dos em Educação (CNTE). No Sinpro, acaba se envolvendo em atividades de todo o DF, pois a entidade é uma referência dos movimentos populares e, por isso, demandada a todo instante. Mas Rosilene acha isso muito bom, pois faz parte da luta pela Educação gratuita a todos.

É crítica severa das recentes políticas federais relacionadas à Educação, a começar pela medida do governo de Michel Temer, que assumiu após o golpe de 2016, que congela os recursos da Educação por 20 anos. “Isso é um absurdo, congelar investimentos de um setor que já vinha com dificuldades”, reclama ela. E diz que o atual governo federal resolveu jogar pesado pra reduzir os investimentos no ensino superior e assim retirar os pobres das universidades.

Após 34 anos de serviços, Rosilene está aposentada e divorciada, mas segue como dirigente sindical. Mudou-se com a filha e o filho pra uma casa alugada no bairro de Vicente Pires, onde pode cuidar do casal de cachorros que todos adoram. E agora espera com o primeiro neto, que está a caminho.

Jaime pessoaJaime Sautchuk – Jornalista. Editor da Revista Xapuri.

 

 


 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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