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“Por que as empresas não se responsabilizam pelo lixo plástico que produzem?”

“Por que as empresas não se responsabilizam pelo lixo plástico que produzem?”

Questionamento foi feito em debate realizado no Glocal Experience sobre o PL 2524/2022; Circular, redução da produção, ambiental e engajamento político foram também abordados no evento.

Por Patricia Bonilha/O Eco

A sensação térmica de 50 graus do dia anterior já tinha arrefecido. No “Palco Águas” do Glocal Experience, festival de sustentabilidade que aconteceu no Rio de Janeiro entre os dias 22 e 25 de novembro, a Roda de Conversa intitulada “Pare o Tsunami de Plástico” ofereceu à plateia, na manhã da sexta-feira (24), um debate bastante desafiador: soluções para a poluição causada por esse material. Considerada a segunda maior ameaça ambiental ao planeta pela Organização das Nações Unidas (ONU) – atrás apenas da emergência climática, essa poluição também se tornou uma preocupante questão de desde que cientistas passaram a encontrar microplásticos em diversos órgãos vitais humanos, da placenta ao coração.

“Quando falamos de poluição por plásticos, não estamos falando só da poluição dos oceanos e da vida marinha. A gente está falando de ser humano, a gente está falando de impactos nas nossas vidas, especialmente das populações mais vulneráveis, que vivem nas favelas, nas periferias, nas comunidades tradicionais, que é onde os lixões a céu aberto e os aterros são alocados. Então, temos que pensar: por que estamos gerando este lixo? Por que as não estão cuidando desse lixo? Por que as empresas, que são as maiores poluidoras, não se responsabilizam pelo rejeito do que produzem?”, questionou assertivamente Mahryan Sampaio, embaixadora da Juventude na ONU e co-fundadora da Perifa Sustentável, uma das 78 organizações que integram a campanha Pare o Tsunami de Plástico

Lançada em agosto, essa iniciativa tem o propósito de engajar a sociedade e pressionar o Congresso Nacional para que a regulação de uma Economia Circular do Plástico, proposta pelo de Lei (PL) 2524/2022, se torne uma realidade no Brasil. Aprovado em outubro deste ano na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado Federal, este PL agora será avaliado pelos parlamentares que integram a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) naquela mesma casa legislativa. 

Mahryan Zamboni
Mahryan Sampaio, embaixadora da Juventude na ONU e co-fundadora da Perifa Sustentável, e Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, debatem na Roda de Conversa “Pare o Tsunami de Plástico”. Foto: Divulgação/Glocal

Segundo Ademilson Zamboni, diretor-geral da Oceana, as soluções propostas para a poluição plástica são pensadas a partir do momento em que os produtos viram resíduos, e é preciso inverter essa perspectiva. “Se você chega na sua casa e a pia está transbordando, você vai enxugar o chão? Não! Você vai fechar a torneira. É isso que o PL 2524 propõe: que o plástico de uso único problemático e desnecessário não seja mais produzido e a implementação de medidas para garantir que todo plástico produzido seja comprovadamente reciclável, reutilizável ou compostável”, explica o oceanógrafo. 

Ele pontua ainda que não há como ser negacionista em relação ao plástico: “Ele está em todo lugar, até dentro de nós. A gente respira, bebe e come plástico. Chegamos a esse ponto e é inaceitável não fazermos nada diante dessa realidade. O Brasil precisa seguir o exemplo de outros países, como Nigéria, Ruanda, Peru, Chile e Canadá, e avançar com soluções para essa ”. Zamboni lamentou ainda o fato de que o Brasil, maior produtor de plástico da , despeja 325 milhões de quilos de rejeito plástico nos oceanos anualmente.

Constantemente apontada como uma eficiente solução, a reciclagem foi problematizada pelo participante da Roda de Conversa que mais entende do assunto. Ronei Alves começou a catar materiais recicláveis nas ruas quando ainda tinha 10 anos para ajudar na sobrevivência da família. Representando o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), que também integra a campanha Pare o Tsunami de Plástico, ele começou sua fala revelando que quando soube do convite à sua organização para apoiar o Projeto de Lei 2524 se assustou pois achava que havia um risco de que essa lei iria acabar com o plástico, material que oferece parte bastante considerável da de catadores e catadoras.

Ronei Laila Joao
Ronei Alves, do Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), Laila Zaid, atriz e comunicadora sociambiental e o jornalista João Pedro Soares, que mediou a discussão. Foto: Divulgação/Glocal

Ao entender melhor o conteúdo da proposição que, inclusive, sugere que catadores sejam reconhecidos como protagonistas da gestão de resíduos e sejam remunerados pelo serviço ambiental que prestam à sociedade, ele passou a ser um defensor do Projeto. “Existe uma quantidade considerável de plástico que parece que é reciclável, muitas vezes tem o símbolo da reciclagem, mas não tem reciclabilidade e ninguém compra. É o caso das bandejas transparentes que embalam muitos alimentos. Se você apertar o plástico, e ele fizer “crac”, for duro, não tem reciclabilidade. Ninguém compra, não tem valor econômico, vira lixo, vai pro aterro ou lixão e, depois, é levado pelas chuvas, contaminando os rios até chegar no mar”, explica. 

Alves alerta que também é problemático quando esse material é encaminhado para as cooperativas. Além de gastarem e energia elétrica para fazerem a separação dos itens, os cooperados têm responsabilidade sobre ele e precisam arcar com o custo do transporte de tudo que não é reciclável para o aterro. 

Ao concluir suas reflexões, ele enfatizou que hoje considera que a solução para a poluição do plástico é a circularidade. “E ela começa com a não produção de embalagens e utensílios de uso único que não têm reciclabilidade. Se não tem como voltar para o ciclo produtivo, se não tem como ser reciclado, não tem que ser produzido. Simples assim”, declarou. 

Essa proposta é defendida também pela atriz e comunicadora socioambiental Laila Zaid. Bastante ativa nas , ela reforça a urgência de a indústria ser regulada e a produção de plástico reduzida. 

“A gente confia na indústria no sentido de que se podemos comprar um determinado produto, se ele está sendo vendido é porque passou pelo crivo de alguém. Mas não é assim. A gente está se contaminando com a maquiagem, com a pasta de dentes. E, aí, você percebe que não tem ninguém cuidando da gente. Por isso, é fundamental a regulamentação da produção, como propõe o PL 2524. Para isso, é preciso vontade política”, disse Zaid. A ativista sustenta que o engajamento político é necessário para informar as pessoas e pressionar os parlamentares. “Este é um poder enorme que temos!”, concluiu ela. 

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Campanha Pare o tsunami de plástico. Foto: Divulgação/Glocal

Preocupação global

Entre os dias 11 e 19 de outubro, em Nairóbi, no Quênia, aconteceu a terceira reunião do Comitê de Negociação Intergovernamental (INC-3, na sigla em inglês) que tem o objetivo de elaborar um Tratado Global Contra a Poluição Plástica, proposto pela ONU em 2022. Com conclusão prevista para o final de 2024, a iniciativa pretende ter caráter vinculante e tem evidenciado o disputado jogo político que coloca na mesa diferentes interesses. 

Era esperado que o Rascunho Zero do texto fosse acordado nesta assembleia, mas de acordo com a avaliação de organizações da sociedade civil que acompanharam as negociações, a atuação dos representantes dos países petroleiros anulou os esforços de Estados-membros com proposições mais ambiciosas. Esquivando-se de assumir a liderança no sentido das soluções efetivas, o Brasil não apresentou um posicionamento claro em relação às medidas mais restritivas, como metas de redução da produção de plásticos de uso único. A nova rodada de negociações acontecerá no Canadá em abril de 2024.

Ao concluir sua participação no debate no Glocal, Mahryan ressaltou que desde os anos 50 já foram produzidas mais de 8,9 bilhões de toneladas de plástico, das quais quase 6 bilhões se tornaram rejeito. “Mecanicamente conseguimos recolher parte desses resíduos, como garrafas e embalagens. Mas o que fazemos com os microplásticos? Não faz sentido produzirmos um material que não pode ser reciclável. Isso é um erro de gestão, um erro da cadeia produtiva. E os países precisam aprovar políticas e leis que obriguem as empresas e corporações a serem responsabilizadas pelos seus resíduos”, concluiu ela.

Antes de encerrar a discussão, o jornalista João Pedro Soares, que mediou a discussão, solicitou que o público presente assinasse a petição em apoio ao PL 2524 e também votasse na consulta pública sobre o projeto no site do Senado Federal. 

Patricia Bonilha – Jornalista há quase três décadas dedicada às pautas socioambientais e indígenas. Fonte: O Eco. Foto de capa: Ricardo Gomes.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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