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Por que Lula incomoda tanto?

Por que incomoda tanto?

Por  Fernando Tolentino 

Estou terminando os preparativos de minha viagem a Porto Alegre.

Não poderia deixar de estar na mobilização diante do TRF 4 no momento do julgamento do recurso de Lula.

Fui a São Paulo em fevereiro de 2016 para acompanhar, diante do Fórum da Barra Funda, o depoimento dele e de Dona Marisa, que decisão do Conselho Nacional do Ministério Público suspendeu, tais as irregularidades que haviam sido cometidas.

Fui também, em 3 de maio do ano passado, acompanhar o depoimento de Lula que o juiz Moro adiou em uma semana, tentando se desvencilhar da grande manifestação que brasileiros de todo o País fizeram em Curitiba.

Um caso de idolatria?

Muito longe disso. Trago para explicar a minha a essa causa o breve texto da amiga (ainda somente virtual) Carla Christina Lemos (hoje, no Facebook). Publicou, perplexa, declaração de Reinaldo Azevedo (“O antipetismo e o antilulismo se tornaram uma profissão de vigaristas”) e, diante de meu comentário, buscou explicar a atitude do jornalista, que assumidamente não tem a menor simpatia pelo PT ou por Lula: “Ele sentiu na pele o que é uma injustiça. Reconheceu que a injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”.

É uma luta por Justiça, por , pelo Estado de Direito. Sem isso, como crer que deixaremos um Brasil em que nossos filhos, nossos netos, nossos amigos e irmãos de luta poderão confiar na Justiça?

A nova amiga (também virtual) Vera Lopes traz ao conhecimento importante notícia que integrou a sua dissertação de mestrado sobre Canudos:

“Antônio Conselheiro não foi assassinado. Ele morreu de causa natural durante a última expedição militar. Ao fim da batalha, os militares obrigaram os poucos sobreviventes a revelarem o lugar onde Conselheiro estava sepultado. Desenterraram seu cadáver, retiraram sua cabeça e a levaram para o IML, para que o médico Nina Rodrigues, defensor da tese lombrosiana de que as pessoas rebeldes aos sistemas opressores seriam portadoras de anomalias genéticas (loucas de nascença) e isso poderia ser provado pela análise anatômica dos seus cérebros, confirmasse e tal tese e justificasse assim o crime (fraticidio) da República.

Um fato, entretanto, é ignorado pela história: Conselheiro foi vítima da perseguição implacável de um juiz, Arlindo Batista Leoni, um intrigueiro caluniador que, de tanto insistir, acabou conseguindo desencadear a guerra e provocou a morte de cerca de 25 mil nordestinos. A história sempre se entrelaça nos seus fatos sociais, se repete, reproduz seus autores, cria novos…”

Afinal, essa é a principal lição de Curitiba. O juiz pode tudo. Se quiser, não precisará de provas para lhe jogar na cadeia. E pelo que desejar.

Negar esse equívoco, lamentavelmente evidente, é uma obrigação do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região. Mas, por incrível que pareça, é indispensável estarmos diante dele, os dedos em riste, para que se curve a esse imperativo democrático. Como ouvi ontem em debate com três grandes juristas brasileiros (Marcelo Neves, Beatriz Vargas e Eugênio Aragão), na pior das hipóteses: in dubio pro reo.

Isso até permite concluir que o julgamento do dia 24 não será de Lula (ou pelo menos somente de Lula), mas de , pois estará nas mãos dos três desembargadores a tarefa inalienável de concluir que o ex-presidente foi condenado pela exclusiva vontade do juiz paranaense, movido sabe-se lá (ou no mínimo desconfiamos) por que interesses.

 

LULA MERECE

Isso não quer dizer que minha presença em Porto Alegre não esteja ligada à figura ímpar de Lula. Não só por sua inocência, que até podia ser presumida há uma semana (e já seria motivo para a solidariedade da Nação), mas hoje é comprovada, depois que a juíza Luciana Oliveira, de Brasília, decidiu penhorar em favor de um credor o tal tríplex de Guarujá, propriedade inequívoca da empreiteira OAS.

Não falta quem acompanhe o novo julgamento de Lula – e não são poucos – com um desejo figadal de que seja mantida a sua condenação…

E sem que haja como negar: essa ansiedade não tem qualquer proximidade com o conceito de Justiça. Trata-se da condenação de Lula. E seja lá a que pretexto for.

Trata-se de dar consequência ao seu próprio ódio, nutrido pela ação de Lula enquanto presidente, em que principalmente suscitou uma desorganização no tradicional conceito de classes que, no Brasil, passados quase 130 anos, sobrevive à abolição da escravatura.

A ponto de que empresários prefiram não ter mais faturamento crescente por conta do alargamento do mercado consumidor e se contentem até com o risco do fechamento – ou pelo menos enfraquecimento – do seu negócio. Desde que os seus empregados e os da classe deles percam o direito a consumir produtos e serviços semelhantes aos usados por seus familiares, possam disputar com os seus filhos vagas em universidades, concursos ou até na lotação de aviões.

Desde que o “Minha Casa, Minha Vida” não mais esvazie as altas especulativas dos aluguéis. Desde que esses trabalhadores, animados por salários mais compensadores e mais vagas de emprego (ou até as garantias mínimas do seguro desemprego e da “Bolsa Família”) percam a capacidade de se impor nas suas relações trabalhistas. Notadamente nas injustificáveis exigências feitas às empregadas domésticas.

Mas a verdade é que, justamente por tudo isso, milhões de brasileiros desejam ardentemente a absolvição de Lula.

E o querem pelo exato motivo que os outros temem. Por saberem que, nas condições presentes, só com sua eleição terão o Brasil de volta. O Brasil com que sonharam e que chegaram ainda que levemente a experimentar.

Tenho que reconhecer, entretanto, que a figura de Lula, em si, seria capaz de me mobilizar nessa luta.

Qualquer brasileiro que houvesse dedicado a sua vida à política teria ficado satisfeito com a oportunidade de ocupar a Presidência da República. Ainda mais por duas vezes. Nem precisaria ser um brasileiro com o passado de Lula, nascido na roça, criado sem pai em casa, dividindo o trabalho com a mãe e oito irmãos, com instrução primária, o título de torneiro mecânico como único instrumento para lhe garantir um lugar no mercado de empregos de São Paulo.

Lula não foi só um presidente que teve a chance de repetir um mandato. Saiu dele com popularidade acima de 80%. Tornou-se respeitado pelas maiores lideranças políticas do e fez o Brasil mais respeitado por elas e mais queridos por seus povos. Foi reverenciado por boa parte do mundo acadêmico mundial, amealhando mais títulos de doutores honoris causa que qualquer outro brasileiro.

É até difícil entender como esse homem, sobrevivente de um câncer, abre mão de sua aposentadoria para retornar à disputa política, aceitando uma candidatura à Presidência da República, que nada pode lhe dar além de tudo o que conquistou.

Junte a isso o fato de que o risco de voltar a presidir o Brasil levou a que venha a ser lembrado pela História não só por seus feitos, mas pelo que foi obrigado a sofrer nos anos mais recentes. O fato de que a sua vida tornou-se uma sucessão de defesas em um emaranhado de processos judiciais de justificação no mínimo duvidosa. De ter o seu nome anunciado várias vezes por dia como desonesto em todos os principais noticiários de TV e rádio, assim como nas capaz de jornais e revistas. De que a paz de toda a sua família tenha sido conturbada, sendo seus filhos objeto de minuciosas investigações, seus netos colocados diante do risco de tratamento desrespeito nas suas escolas e, mais que tudo, perder a que acompanhou e sua vida e suas lutas, delas participando, mas que sucumbiu diante de tanto sofrimento.

Como não amar um homem que, diante de tudo isso, aos 72 anos, olha em outra direção e se percebe como a esperança do seu povo, fazendo questão de colocar-se de novo a seu serviço?

É com esse espírito e essa responsabilidade que estou de partida para Porto Alegre.

Entendo que talvez você não possa ir. Se eu não pudesse estar lá, estaria mobilizado em alguma manifestação, alguma vigília, junto a alguma multidão, mandando esse recado aos juízes de lá. E ao mundo.

Fernando Tolentino é jornalista, servidor público aposentado e militante do .

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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