Povo Tupinambá: volta de manto sagrado vindo da Dinamarca significa a volta de seus ancestrais ao território
A Dinamarca anunciou que vai devolver ao Brasil um antigo manto tupinambá do século 17 que está em Copenhagen desde 1689. Até o fim de 2023, a peça deixará para trás a coleção etnográfica do Nationalmuseet, o museu nacional da Dinamarca, e integrará o acervo do Museu Nacional no Rio de Janeiro.
Artista e mestranda em antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Célia Tupinambá, indígena da aldeia Serra do Padeiro, localizada na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia, é a primeira em 400 anos a fazer mantos Tupinambá. Os mantos são sinais materiais das memórias ancestrais do povo Tupinambá e suas resistências. Datados desde o século 16, muitos foram enviados à Europa por missionários jesuítas, outros foram roubados como espólio de guerra ou trocados num comércio desigual que favorecia os colonizadores.
Em entrevista para a Mídia NINJA, ela falou sobre a volta do manto para o Brasil.
“Eu vejo essa movimentação como se fosse dos próprios ancestrais querendo voltar para o seu território”, diz.
A doação da peça representa o resgate de uma memória transcendental para o povo Tupinambá, já que o manto não é um objeto, mas é seu ancestral, que contém energia e se conecta com seu povo.
Preciosidade ancestral
O manto em questão mede 1,2 metro de altura por 60 cm de largura, possui um gorro e uma capa, que constituem um único traje. As penas de guará se encaixam sobre uma base de fibra natural, parecida com uma rede de pesca.
Célia contou ainda que o processo de retorno da peça não é recente, e levou anos para que se concretizasse, além de ter envolvido o trabalho de diversas pessoas. “Se você pensar que esses objetos são sagrados e eles estavam em uma missão, agora chegou o momento deles fazerem o retorno para seus territórios”, conta. A artista falou ainda sobre o processo de escutar a vontade de seus ancestrais e o quanto isso é decisivo para que outras peças possam ou não ser devolvidas para o Brasil.
“Não se trata de uma vontade que as pessoas acham que tem que devolver, aí eu peguei esse objeto e agora tô te devolvendo, não” ela explica que é necessário fazer um ritual de escuta com cada peça, entrar em contato com seus ancestrais e fazer a vontade deles, seja de retornar ou não para o país: “nós povos indígenas temos toda uma complexidade e se for a vontade desse ancestral voltar para o seu território assim será feito não será de uma forma como as pessoas pensam né dura difícil mas sim nessa imersão dessa energia dos ancestrais, nessa escuta mais sensível dos ancestrais” explica.

Atualmente existem onze mantos semelhantes a este, e todos encontram-se na Europa. Segundo a revista Piauí, os tupinambás usavam vestimentas do gênero em ocasiões formais, como as assembleias, os enterros de pessoas queridas e os rituais antropofágicos, a celebração mais imponente promovida por eles no período colonial. O museu de Copenhague não sabe informar quem trouxe a peça sagrada para a Dinamarca nem por quê.
Em nota oficial, o Nationalmuseet destacou que a doação do manto é uma “contribuição única e significativa” para a recuperação do acervo brasileiro. “As heranças culturais têm um papel decisivo nas narrativas das nações sobre si mesmas. É assim no mundo inteiro. Por isso, é importante para nós ajudar a reconstruir o Museu Nacional do Brasil depois do incêndio devastador de alguns anos atrás”, afirmou na nota o antropólogo Rane Willerslev, diretor do Nationalmuseet.
Já o diretor do Museu Nacional no Rio de Janeiro, Alexander Kellner, informou ao G1 que desconhece uma peça que esteja fora do Brasil mais importante do que o manto tupinambá. “Não tem mineral, não tem fóssil, não tem artefato que consiga ser mais importante que esse manto. Ele representa as primeiras populações brasileiras, é um artefato de uma das primeiras populações brasileiras. E, diferentemente por exemplo das múmias dos egípcios, que são muitas, os mantos são poucos”, afirma Kellner.
A instituição do Rio pretende exibir o manto a partir de 6 de junho de 2024, quando o museu completará 206 anos. Na ocasião, será reaberta apenas uma pequena sala, e nela estará a relíquia. A cenografia deve ser planejada pela equipe da entidade em parceria com os indígenas. “Eu acredito que as instituições tenham que vir para essa discussão, para esse debate, para essa preparação para essa recepção do manto que vai ser em 2024” contou Célia Tupinambá.
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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