Povos Indígenas: de norte a sul parceiros se articulam para enfrentar pandemia

Indígenas: de norte a sul parceiros se articulam para enfrentar pandemia

Xingu contra a : de norte a sul parceiros se articulam para enfrentar pandemia

Direto do ISA

Indígenas, ribeirinhos, governo, universidades e organizações da sociedade civil se unem para frear o avanço do novo coronavírus na bacia do Xingu. Já são 15 e 916 casos entre os povos que vivem na região

Desde os primeiros casos de contaminação por Covid-19 entre indígenas Kayapó na bacia do Xingu, em maio deste ano, associações dos e seus parceiros se uniram para impedir o avanço da doença. Dois meses depois já são ao menos 15 mortes e 916 casos em Áreas Protegidas na região.

Avanço da Covid-19 nas Terras Indígenas do Xingu

Com 21 Terras Indígenas e 9 Unidades de Conservação entre o Pará e Mato Grosso, o Corredor Xingu é o território de 26 povos indígenas diferentes e centenas de comunidades ribeirinhas. No contexto diverso e muito particular as organizações e povos do Xingu apostaram em alianças interinstitucionais para frear a disseminação da Covid-19.

No Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso, em Altamira e do Meio, no Pará, ou nos territórios Kayapó e Panara, localizados na fronteira entre os estados, as articulações têm atuado em frentes diversas para apoiar o isolamento dos povos, o atendimento básico de saúde dentro de seus territórios, e a produção de materiais de comunicação.

Território Indígena do Xingu contra a Covid

No Território Indígena do Xingu (TIX) foram contabilizados sete óbitos e 75 casos. Na noite de ontem (16), Jawariu Kawaiwete, que fez parte da equipe de vigiância do Xingu, faleceu vítima de Covid-19 em Sinop.. Com contaminações dentro das aldeias, a transmissão na região do alto Xingu já é comunitária e vem aumentando de forma preocupante.

Para frear o avanço da doença foi criado o Grupo Interinstitucional de Enfrentamento a Covid-19 no Xingu. Com reuniões diárias para alinhar estratégias de atuação, a iniciativa desenvolveu o plano de enfrentamento a Covid-19 no TIX, que determina como o novo coronavírus será combatido.

Fazem parte do grupo a Associação Terra Indígena Xingu (Atix), Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Xingu, Coordenação Regional (CR) Xingu da Funai, Instituto Socioambiental (ISA), Associação Paulista para o da Medicina (SPDM) e Projeto Xingu (Unifesp). Uma rede de pesquisadores que têm vínculos acadêmicos com os povos do TIX, como antropólogos e arqueólogos também colabora com o grupo.

Recém chegada de uma rodada pelas aldeias para atender as comunidades, Daphne Lourenço, médica do Dsei Xingu, reitera a importância do diálogo para o enfrentamento da pandemia. “Se não tivesse esse grupo atuando de forma coletiva, tudo isso se tornaria mais difícil. Esse é o nosso maior aprendizado: aprender a trabalhar juntos com o objetivo de diminuir a mortalidade de Covid-19 no TIX”.

Em parceria com o Dsei, o grupo organizou e captou recursos complementares aos disponibilizados pela Sesai, para a instalação de 13 Unidades de Atenção Primeira Indígena (UAPIs) para o atendimento da população indígena dentro do território. Os espaços acolhem pacientes com manifestações leves e moderadas da doença, que podem receber o tratamento mais próximos de suas comunidades e evitar o deslocamento para as cidades. Em Canarana, cidade vizinha ao TIX, são 206 casos e 4 mortes. Querência, também vizinha, computa 408 casos e 10 mortes.

Ações de comunicação caminham junto com a implantação das medidas de saúde. Para a instalação das UAPIs, por exemplo, foram produzidos materiais gráficos e boletins informativos para explicar o que são as unidades, sua importância e ajudar no entendimento de conceitos essenciais para o controle da Covid-19 no TIX, como “oxigenação” e “isolamento”. Recomendações para adequação de rituais fúnebres, alertas de proteção e orientações para lidar com o contágio nas aldeias também estão na pauta. Para fortalecer o fluxo de comunicação, quatro pontos de internet serão instalados no TIX.

Watatakalu, da Associação Terra Indígena Xingu

Watatakalu Yawalapiti, coordenadora do departamento de mulheres da Atix, conta que a articulação da associação começou “desde o primeiro momento que escutamos falar sobre a pandemia”. Uma campanha foi criada para levantar recursos para adquirir materiais de limpeza, higiene, alimentação e ferramentas de agricultura para garantir o isolamento social.

Respeitando o protocolo de segurança, a Atix têm percorrido as aldeias para levar os produtos: “conversamos com os parentes e explicamos a importância de ficar na aldeia e a situação dos municípios do entorno, pois sabemos que o número de casos só aumenta”, conta Watatakalu.

Ficar no beiradão é o melhor remédio!

Na parte paraense da bacia, na região da Terra do Meio, já são 142 casos confirmados de Covid-19 até o momento: 80 na TI Cachoeira Seca, três na TI Trincheira Bacajá, 41 na TI Juruna do Km 17, dois na TI Arara, 17 na TI Kuruaya, 33 na TI Paquiçamba e nove na TI Xipaya, segundo a última atualização do Dsei Altamira, no dia 15/07.

Com o mote “ficar no beiradão é o melhor remédio”, uma série de ações de prevenção e atendimento a saúde têm sido articuladas para frear o avanço da doença na região. Altamira, referência para onze Terras Indígenas, sete Unidades de Conservação e nove municípios da região, contabiliza 67 mortes, 2.425 casos confirmados, e o único hospital que atende casos de média e alta complexidade está com as UTIs lotadas. Segundo boletim divulgado pela Sespa já são 36 pessoas internadas.

Em maio foi articulado, por iniciativa do Ministério Público Federal em Altamira, o Comitê Interinstitucional para enfrentamento da Covid-19 no Médio Xingu, região que abriga diversas TIs, e Unidades de Conservação. O grupo é formado pela Funai, CR-Leste, Dsei, Universidade Federal do Pará (UFPA) e organizações da sociedade civil, como o ISA.

O objetivo é consolidar uma rede de apoio interinstitucional e um canal ágil de transmissão de informações. Pautado pela busca ativa de informações junto às aldeias indígenas e comunidades ribeirinhas, o Comitê busca construir soluções adequadas para o enfrentamento da pandemia.
Ainda não há casos nas Reservas Extrativistas (Resex) Rio Iriri, Rio Xingu e Riozinho do Anfrísio, mas já foi contabilizado um caso na comunidade Maribel, porto de entrada para as Resex.

A principal estratégia de combate ao Covid-19 na região das Resex foi apostar no abastecimento da Rede de Cantinas da Terra do Meio. Já foram enviadas 40 toneladas de alimentos, combustível e ferramentas para o abastecimento de 14 cantinas, viabilizando a continuidade da estratégia da rede de produção e geração de entre as 500 famílias ribeirinhas.

Também foram enviados 500 kits com alimentos, materiais de higiene e ferramentas para que as famílias não precisem se deslocar para a cidade e correr o risco de contaminação. A rede ainda enviou quatro mil quilos de alimentos da floresta, como castanha e farinha de babaçu, para distribuir entre a famílias que vivem em situação de extrema vulnerabilidade em Altamira.

Produtos da floresta foram distribuídos para famílias em situação de vulnerabilidade em Altamira

Agora as três Resex contam com novos postos de saúde, pontos de internet e três técnicas em saúde. Fruto de uma parceria entre a Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA), a organização americana Health in Harmony, o Instituto Socioambiental e as Associações das Resex, agora será possível realizar parte dos atendimentos via telemedicina.
Localização dos pontos de internet.

“Esperamos realizar atendimentos agendados via internet, com o acompanhamento das técnicas de saúde que estão nos postos de saúde nas Resex. É um ganho para a saúde da região, porque os beiradeiros não precisam se deslocar até os municípios para acessarem um atendimento de saúde durante o período da pandemia”, explica Marcelo Salazar, do ISA.

Assim como no Território Indígena do Xingu, as ações de comunicação fazem parte da estratégia de enfrentamento da Covid-19 no território. “Alô compadre, está no ar a nova edição do áudio do beiradão!”, assim começa o informativo semanal produzido pelas associações das Resexs e da Rede Xingu +. Em sua oitava edição, o boletim leva informações de prevenção e orientações de cuidado para ribeirinhos e indígenas da Terra do Meio, seja pelo rádio ou aplicativos de mensagem.

Avanço da Covid- 19 entre os Mebêngôkre

Com ao menos sete mortes e 608 casos de Covid-19 confirmados, a Terra Indígena Kayapó é Área Protegida com maior incidência da doença na bacia. Sua vizinha, a TI Menkragnoti, já contabiliza 85 casos. Cerca de 20 UAPIs foram instaladas nas regiões em que cada uma das organizações Kayapó atuam.

A Associação Floresta Protegida (AFP), que trabalha com os Kayapó das TIs Kayapó, Las Casas e Menkragnoti, firmou uma parceria com os Expedicionários da Saúde e o Dsei Kayapó do Pará para tentar reduzir os impactos da Covid-19 nas aldeias. A estratégia consiste na implementação da oxigenoterapia através do uso de concentradores de oxigênio.Localização das UAPIs. 

O mesmo foi feito com as demais organizações que atuam com os Kayapó, o Instituto Raoni e Instituto Kabu, em articulação com os Dseis Kayapó do Mato Grosso e Rio Tapajós, respectivamente.

“Estamos esperançoso que esse tratamento possa fazer alguma diferença e salvar vidas, principalmente nos casos de média complexidade que precisam de aporte de oxigênio”, conta Adriano Jerozolimski, coordenador executivo da AFP.

Os Kayapó também têm elaborado materiais de comunicação para somar no enfrentamento a pandemia. Em parceria com a Rede Xingu +, as associações têm produzido áudios na língua Kayapó, com alertas de prevenção e atualização do avanço da Covid-19. “A gente consegue socializar com todos sobre diversos assuntos, superando distâncias e fazendo com que a chegue em real em várias aldeias”, afirma Patxon Metuktire, um dos tradutores e roteiristas.

A última edição do áudio, feita por Patxon, Mayalu Txucarramãe e Roiti Metuktire, foi uma homenagem a Bepkwyjka Metuktire, companheira do cacique Raoni, que faleceu no dia 24 de junho devido a complicações respiratórias ocasionadas por problemas cardiovasculares.

Bepkwyjka Metuktire e seu companheiro Raoni Metuktire na aldeia Metuktire, TI Capoto Jarina

Fonte: ISA

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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