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Universidade Pública: falso dilema entre quantidade e qualidade

Pública: falso dilema entre quantidade e qualidade

Cleanto R. Rego Fernandes
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O Secretário Regional Adjunto da SBPC RN aborda a palestra do ex-reitor da UFABC sobre a universidade brasileira

Durante a 70ª Reunião Anual da SBPC, em Maceió (AL), ocorreu a mesa-redonda Universidade Pública: autonomia, financiamento e pensamento crítico. Um dos palestrantes foi o Klaus Capelle, que recentemente encerrou mandato de reitor da Universidade Federal do ABC, com sede em São Bernardo do Campo (SP).

Em sua palestra, o professor Capelle ponderou, inicialmente, que a universidade se vê no dilema de aumentar a quantidade e qualidade de suas atividades, dois aspectos vistos, geralmente, como opostos. Na tentativa de melhor entender a universidade e buscar soluções, o professor se propôs a analisar a universidade sob três pontos de vista, cada um tomando emprestado conceitos de três áreas do conhecimento: uma perspectiva biológica, uma perspectiva histórica e uma perspectiva tecnológica. Nascido na Alemanha e com formação feita em diversas universidades da Europa e , Capelle destacou que sua área é a Física, mas que acredita na contribuição de diversas áreas para o enfrentamento de desafios tão complexos.

A visão biológica permite entender a universidade como um ecossistema (interação entre seres vivos e aspectos físicos do ambiente em uma determinada região). Os ecossistemas naturais são diversificados, estáveis, autônomos, eficientes no uso de recursos e funcionam, em parte, baseados na colaboração entre diferentes formas de . Bem diferente dos ecossistemas naturais é a agricultura baseada em monocultura (cultivo de apenas uma espécie de vegetal). Está é frágil, exige controle externo e depende de aporte contínuo de recursos. Conforme explicou o ex-reitor da UFABC, o desejo oficial, do governo, é de que a universidade funcione como um conjunto de monoculturas, como todas as exigências e fragilidades citadas acima, mas o modelo de ecossistema, tem muito a ensinar.

 

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Klaus Capelle, ex-reitor UFABC (Foto: Pesquisa Fapesp)

 

A visão histórica nos permite compreender o desenvolvimento das universidades e seus precursores ao longo dos séculos e das décadas mais recentes. Na Idade Antiga, as Academias (na Grécia) e Monastérios (na Europa Cristã) eram os principais centros de produção de conhecimento e ensino. As universidades surgiram na Idade Média e, do final da séc. XVIII para o início do séc. XIX, ocorreu a Revolução Industrial, quando a demanda por pesquisa aumentou. Na Alemanha, por exemplo, a partir da iniciativa de Alexander von Humboldt surgiu o ensino integrado com pesquisa e a acadêmica – este um aspecto fundamental das universidades. Por isso, movimentos atuais que pretendem eliminar ou limitar a liberdade acadêmica representam, nas palavras do professor, “um retrocesso de pelo menos 200 anos”.

Das últimas décadas do século passado até o presente surgiu a demanda para que a universidade preste serviços à comunidade, um outreach, como dizem nos Estados Unidos, ou extensão, como se convencionou denominar no .  Assim surgiu o chamado tripé universitário, baseado em ensino, pesquisa e extensão. Mais recentemente, outas demandas específicas vem sendo solicitadas da universidade, como serviços hospitalares, diplomacia internacional, popularização da ciência, produção de recursos financeiros e vários outros. “Isso não é mais um tripé, e sim uma centopeia universitária”, brincou o palestrante, que também interpreta isso como um sinal de que a confia na universidade, por isso delega a ela tantas missões. Como cumprir tantas tarefas, então? O professor lembra que existem diferentes universidades, as quais podem ter diferentes missões. Assim, por exemplo, a Universidade da Integração Latino-Americana pode se dedicar de forma mais especial à diplomacia internacional, enquanto uma das muitas universidades rurais do país podem se dedicar mais à agropecuária.

E a visão da engenharia nos leva a pensar sobre a evolução da tecnologia. Nesse processo, três eventos foram especialmente relevantes, o desenvolvimento do alfabeto, do impresso e da internet. O alfabeto permitiu a codificação das ideias e seu compartilhamento limitado, as quais puderam ser melhor compartilhadas por meio dos livros impressos, e a internet trouxe uma enorme capacidade de difusão do conhecimento. Importante notar o radical “inter” em internet, também presente na palavra interdisciplinaridade. Pois é justamente a interdisciplinaridade um caminho interessante para a universidade enfrentar os desafios tão complexos que hoje enfrenta. Nesse cenário, a estrutura departamental, predominante hoje em dia, deve ser superada, pois são como jaulas que limitam a atuação dos acadêmicos e o trânsito de ideias. “A universidade tem que adaptar suas estruturas”.

Importante aqui lembrar, ainda que o ex-reitor não tenha destacado, que a universidade a qual até recentemente presidiu, a UFABC, não está organizada em departamentos, mas em núcleos interdisciplinares de construção e compartilhamento do conhecimento. Eu ainda acrescento que, infelizmente, existem algumas poucas universidades no Brasil que sequer alcançaram a plenitude do modelo departamental, e ainda se baseiam em faculdades isoladas, que separam professores com afinidades de atuação em ensino e pesquisa. Universidades que ainda tem professores catedráticos (mesmo que sem esse nome), donos de uma determinada em uma dada faculdade. Estas estão atrasadas em, pelo menos, 80 anos.

Enfim, a universidade deve continuar discutindo e renovando suas formas de atuação, integrando diversas fontes de conhecimento, favorecendo a interdisciplinaridade como uma exigência do tempo atual e assim, honrando a confiança que a sociedade nela deposita. Quando órgãos do executivo, legislativo e judiciário cava vez menos tem aprovação popular, a universidade permanece, apesar de suas limitações, uma instituição em que o povo confia. Ampliar e honrar esta confiança talvez seja uma de suas principais missões.

Cleanto R. Rego Fernandes é Secretário Regional Adjunto da SBPC RN e Professor de Fisiologia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

ANOTE AÍ

Fonte: Nossa Ciência

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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