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Quilombolas vão ao STF exigir ações do governo federal contra a Covid-19

Quilombolas vão ao STF exigir ações do governo federal contra a Covid-19

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) protocolou, nesta quarta-feira (9), no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Arguição de Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) com o objetivo de obrigar o governo federal a adotar medidas de urgência no combate à pandemia nos quilombos. A ação é apresentada no momento em que aumenta o número de mortes e casos confirmados de Covid-19 entre essas comunidades na maioria dos estados.

A ADPF foi distribuída ao ministro Marco Aurélio Mello e recebeu o número 742. Esse tipo de ação busca evitar ou reparar dano a algum princípio básico da Constituição resultante de ato ou omissão do Poder Público.

“O que a população quilombola pede é atendimento básico. Não é nada que as outras pessoas não tenham. É o que a gente tem direito e não está tendo”, pontua Vercilene Dias, advogada quilombola e assessora jurídica da Conaq.

Os pedidos feitos na ADPF incluem medidas que garantam segurança alimentar e nutricional das comunidades, acesso a leitos hospitalares e testes regulares para quem está com suspeita de contaminação, além da distribuição de materiais de higiene e equipamentos de proteção individual.

Visando à construção rápida de um Plano Nacional de Combate aos Efeitos da Pandemia da Covid-19 nas Comunidades Quilombolas, a Conaq sugere a constituição de um grupo de trabalho com a participação de representantes dos quilombolas, órgãos do governo, Ministério Público Federal (MPF), Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDI), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Defensoria Pública da União (DPU).

“Neste caso, a ADPF é o instrumento mais ágil e eficiente para fazer com que o governo federal cumpra a Constituição e as leis e preste apoio às comunidades quilombolas no combate aos efeitos decorrentes da pandemia”, diz o assessor jurídico do ISA Fernando Prioste. Ele avalia que, apesar de a Lei 14.021/2020 prever medidas de enfrentamento à Covid-19 entre indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, nada de significativo foi feito até agora para implementá-la.

Comunidade quilombola Sítio do Bosque, em Moju, no Pará, um dos municípios mais afetados pela pandemia

A Conaq também exige que sejam incluída no monitoramento e divulgação dos casos e óbitos no país a informação sobre a raça/cor e pertencimento à comunidade quilombola. A sistematização e comunicação do primeiro tipo de dado pelos governos federal e estaduais começaram atrasados e foram bastante falhos. Em relação aos quilombolas, simplesmente não foi feito nenhum registro.

Por causa disso a Conaq desenvolveu a Plataforma Quilombo Sem Covid-19. De acordo com ela, até ontem, 157 quilombolas já haviam morrido da doença no país, os casos confirmados chegavam a 4.541 e os suspeitos, a 1.214. A plataforma é atualizada por um monitoramento autônomo, realizado por mobilizadores e mobilizadoras regionais da Conaq, em parceria com o ISA. São apontados os casos positivos, suspeitos e os óbitos.

Os quilombolas argumentam que há muitas as dificuldades para obter informações completas nos seis mil quilombos do país. Só o governo federal, com sua estrutura nacional e por medidas impositivas aos aos órgãos de saúde, teria condições de fazer um amplo monitoramento dos dados.

Lideranças denunciam descaso generalizado

Lideranças quilombolas dos municípios com maior número de óbitos de quilombolas nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste confirmam falta generalizada de assistência, de apoio do poder público para o monitoramento da pandemia, de testes e de medidas urgentes, como distribuição de alimentos e kits de higiene.

“Dentro das nossas comunidades, eu particularmente não vi nada de assistência dos municípios e do Estado. A única coisa que foi feita foram apenas orientações, mas isso foi uma coisa muito remota. O poder público nada fez pela gente”, diz Carlos Graças, morador do território quilombola de Jambuaçu, em Moju (PA). Com 43 quilombolas mortos e quase 2.040 infectados, o Pará concentra maior número de casos confirmados e óbitos da doença.

Ainda em Moju, na comunidade de São Sebastião, Guiomar Tavares relata a incerteza que aflige os moradores por causa da ausência de testes: “Foi bem difícil, tivemos várias pessoas com sintomas, mas nenhuma foi testada, então jamais vamos saber se era Covid ou não”.

Em outros municípios, lideranças também relatam a falta de exames e que muitos quilombolas com sintomas da doença tiveram de pagar do próprio bolso para saber se estavam contaminados. Luzia Cristina do Carmo, da Comunidade Boa Nova, no município de Professor Jamil (GO), diz que esta foi a solução para vários moradores. O exame no município chega a custar mais de R$ 200. A comunidade Boa Nova teve duas mortes pela doença.

Quilombola Ivaporunduva, em Eldorado, no Vale do Ribeira, sul de São Paulo. Quilombo registrou mais de dez casos de Covid-19

Em Anajatuba (MA), que concentra 22 comunidades quilombolas e teve quatro quilombolas mortos, uma conquista do movimento local foi a inclusão, nos boletins epidemiológicos, das informações específicas sobre os quilombos.

“Uma coisa que a gente tem uma dificuldade muito grande em Anajatuba é a questão da água potável. Poucos quilombos têm poço artesiano e os que existem estão desmantelados, com bomba queimada e outros defeitos, e o governo não dá atenção”, diz Eliane Frasão, presidente da União das Associações Quilombolas das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Anajatuba (MA).

“Nenhuma assistência foi destinada para as comunidades quilombolas. E, se teve, não chegou aqui. O que nós tivemos de ajuda foi de ONGs, que enviaram cesta básica, álcool em gel, produtos de limpeza. Mas nada do Estado”, diz Adriano Gonçalves, do quilombo da Rasa, no município de Armação dos Búzios (RJ), que teve três mortes por Covid-19.

Rodrigo Marinho Rodrigues da Silva, do quilombo Ivaporunduva, em Eldorado (SP), explica que, por meio da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (Eaacone), os quilombolas acionaram o Ministério Público e a Defensoria Pública para obrigar a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo a disponibilizar testes e acompanhamento médico e formular um plano emergencial específico para as comunidades.

“O poder público está falho. Primeiro que não tem o diagnóstico de quantos foram realmente contaminados e nem a capacidade de acompanhar os que foram contaminados. Não teve testagem para todas as comunidades que foram contaminadas. Ficou difícil diagnosticar a situação das comunidades”, diz Silva. De acordo com ele, já foram contabilizados mais de 30 casos em quilombos do Vale do Ribeira, sendo 14 só na sua comunidade.

O que dizem os governos federal e estadual?

O Ministério da Saúde informou que “apoia profissionais de saúde e gestores locais, principalmente os que cuidam de populações mais vulneráveis, como quilombolas, para que haja o atendimento precoce da Covid-19”. A pasta argumentou que cabe aos gestores municipais as ações que atendam à população quilombola.

O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirma que atua no atendimento às comunidades quilombolas em situação de extrema vulnerabilidade em razão da pandemia. Informou que distribuiu cestas básicas a 171,2 mil famílias de comunidades tradicionais.

A Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro declarou que, em parceria com a Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), “desenvolve um trabalho de acompanhamento, monitoramento e divulgação dos casos de Covid-19 em comunidades quilombolas”. O órgão explicou que cabe às secretarias de Saúde municipais a realização de testes e exames nas comunidades e que divulgou, em maio, um guia específico com orientações sobre a Covid entre quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais.

A Secretaria de Saúde do Pará (Sespa) afirma que criou um grupo de trabalho para o enfrentamento da pandemia nos quilombos com participações de órgãos estaduais, a Universidade Federal do Pará e a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu). Além disso, a Sespa informa que foram distribuídos 39 mil máscaras e 1.100 litros de álcool gel 70% à Malungu. Também teriam sido realizados atendimentos e exames nas comunidades de Moju, em julho e agosto.

A Secretaria de Saúde de Goiás informou que realiza quinzenalmente reunião para monitorar a Covid-19 nos quilombos, com governos municipais e lideranças quilombolas; que o acompanhamento dos casos é responsabilidade das secretarias municipais; e que não recebeu nenhum pedido específico de insumos e testes para os quilombos.

Fonte: ISA

 

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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