RAIMUNDA GOMES: PRIMEIRA SECRETÁRIA DE MULHERES DO CNS

Raimunda Gomes da Silva: primeira secretária de mulheres do CNS

Raimunda Gomes da Silva, conhecida como Raimunda dos Cocos, primeira trabalhadora a assumir a Secretaria de Mulheres Extrativistas do CNS, foi uma mulher tão cheia de fibra quanto os cocos que colheu em vida. 

Por Zezé Weiss

Raimunda dos Cocos apa to

Foto: APA-TO

Nascida em Bacabal, no Maranhão, em 1940, dona Raimunda, como era chamada, só conseguiu aprender a assinar o nome quando já tinha 20 anos de idade, o que nunca a impediu de tornar-se porta-voz de quase meio milhão de mulheres trabalhadoras rurais extrativistas. 

Em sua luta por melhores condições de vida para as quebradeiras de coco de babaçu do Maranhão, suas companheiras, dona Raimunda correu mundo. Dela mesma ouvi uma vez em New York, nos anos 1990, sobre seu lendário encontro com Danielle Miterrand: 

Imagina eu, minha fia, que só calcei sapato com 15 anos de idade, chegando naquele palácio pra fazer palestra, convidada pela primeira dama. Me deu um frio na barriga e eu vi que as palavras não iam sair da minha boca. Então apelei pra cantoria: “Ah, não derruba essa palmeira, ah, não devora o palmeiral, tu não pode derrubar, precisamos preservar, a riqueza natural”.

O pungente canto de Raimunda deu certo em Paris, nos Estados Unidos, no Extremo Oriente, no Canadá, na China, na Europa toda. Também tocou corações e mentes em seu próprio país, recebeu o diploma Bertha Lutz do Senado Federal e gostava de dizer que era amiga pessoal do presidente Lula. 

Mas o que dona Raimunda fez de melhor, segundo ela mesma, foi criar seus sete filhos (quatro homens, dos quais um adotivo, e três mulheres), trabalhar nos campos de babaçu e organizar seu próprio povo. 

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Bico do Papagaio – Foto: Portal Amazônia

Ao Bico do Papagaio, dona Raimunda chegou em 1979. Ali, o encontro com Josimo Tavares, padre de luta, em 1983, a levou, em definitivo, para a linha de frente dos conflitos agrários. A própria terra que ocupava, junto com outras 30 famílias, na comunidade de Sete Barracas, no município de São Miguel do Tocantins, passou por vários conflitos e várias ameaças de despejo.

Em 1986, Sete Barracas foi desapropriada pelo Incra e tornou-se Assentamento da Reforma Agrária. Foi lá que dona Raimunda dos Cocos se assentou com seu companheiro Antonio, com quem vivia desde 1983. Foi lá que, entre uma viagem e outra, muitas delas para encontros e manifestações, Raimunda plantou roça e quebrou coco. 

Foi lá que Raimunda, poeta sertaneja, escreveu versos e compôs músicas denunciando crimes ambientais e injustiças sociais, porém sempre esperançando. 

Homenageada com o Prêmio Cidadania Brasileira (1988), Raimunda Gomes da Silva foi, inúmeras vezes, capa de jornal. Foi também protagonista de filmes, dentre eles “Raimunda, a quebradeira”, produzido pelo cineasta Marcelo Silva.  

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Foto: EBC

Dona Raimunda fundou, junto com outras companheiras, a Associação das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (Asmubip) e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) que, desde 1991, atua nos estados do Pará, Tocantins, Maranhão e Piauí, em defesa da valorização das quebradeiras de coco.

Raimunda, a quebradeira de coco que se tornou doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e chegou a ser indicada para o Prêmio Nobel da Paz, partiu deste mundo em 7 de novembro de 2018, aos 78 anos, em sua residência, no assentamento Sete Barracas, devido às complicações de um diabetes, que já a impedia de enxergar. Deixa imensa saudade. 

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Zezé Weiss Jornalista. Editora da Revista Xapuri. Foto: Divulgação

 

 

 

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QUEM É RAIMUNDA DOS COCOS?

Quem é Raimunda dos Cocos?

Por APA-TO

Quem é Raimunda dos Cocos? Uma semeadora de sonhos e realizações.

Força, coragem e luta, palavras femininas que estão sempre junto do nome de Raimunda Gomes da Silva.

Dona Raimunda chegou ao Tocantins em 1979, em busca de um lugar onde pudesse trabalhar e tirar o sustento para si e seus seis filhos.
Ainda não era conhecida como Raimunda Quebradeira de Coco, nome que recebeu depois, na militância pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Vendo grandes extensões de terra na mão de poucos, e tantos necessitando de um pedaço pequeno de chão para morar, trabalhar e acompanhar o desenvolvimento da família em segurança, começou a se movimentar junto à vizinhos e futuros companheiros na luta pela terra.
Nas próprias palavras, ela conta que sempre foi inconformada com a desigualdade. No vídeo-documentário que fala de sua realidade, em um momento ela diz: “Não é possível que a gente é pobre porque Deus quer. Como um pai deixa uns filhos com fome e outros de barriga cheia?”.
Essa indignação foi o início de uma caminhada rumo à melhores condições de vida para si, e também para o coletivo. A forma de ajudar aos outros foi integrando o movimento, trazendo força e coragem. Se juntou à igreja e às pastorais na defesa dos direitos dos mais pobres.
Acreditando que o triunfo viria da união, começou a se organizar com mais trabalhadores. Fundou o Sindicato Trabalhadores Rurais de São Sebastião de Tocantins e contribuiu na fundação da Federação dos Trabalhadores Rurais do Tocantins, em 1988.
Também foi responsável pela criação da Comissão Estadual da Mulher, uma das primeiras a existir no estado do Tocantins. Ainda em 88, participou dos grupos de debates para a inclusão do direito dos trabalhadores e trabalhadoras rurais na Constituinte da época.
A mulher correu o Brasil levando a realidade do Bico do Papagaio em suas palavras. Fez conhecida a batalha de tantos trabalhadores silenciados pela fome e humilhações impostas, na constante luta por dignidade e respeito, que em alguns casos, lhes custaram a vida.
A coragem de Raimunda em denunciar a violência que os trabalhadores rurais da região enfrentavam, lhe rendeu ameaças, que por vezes a fez desviar do seu caminho diário para se proteger do mal que estava ali, à espreita. Nessa trajetória, perdeu um grande amigo e companheiro de luta, Padre Josimo, assassinado por defender o acesso dos pobres à terra.
Embalada pelo canto do macete e músicas que exaltam a fé e o desejo de um futuro melhor, vivendo na pele as humilhações que as mulheres quebradeiras de coco babaçu enfrentavam dia após dia para dar alimento aos filhos, se engajou na luta pelos direitos das quebradeiras de coco e pela preservação dos babaçuais, ameaçados por proprietários de terra que derrubavam, queimavam e envenenavam as palmeiras, além de colocar em risco a vida das mulheres que tentavam quebrar coco em suas propriedades.
Com suas comadres, parceiras e companheiras, fundou a Associação Regional das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Bico do Papagaio (ASMUBIP) no começo dos anos 1992.
As mulheres da ASMUBIP uniram forças com muitas outras quebradeiras, cansadas de tantas provações que eram iguais mesmo em estados diferentes, participaram da fundação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), reunindo quebradeiras do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins.
Dessa união, conseguiram o direito de se aposentar como quebradeiras e também a Lei do Babaçu Livre. Nos seus relatos, ressaltava com orgulho a conquista das casas para as quebradeiras, desejo antigo e que trouxe qualidade de vida para muitas famílias.
Pensando nas particularidades da luta das mulheres, participou ativamente da criação de um setor específico para as mulheres no Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), a Secretaria da Mulher Extrativista, dando atenção às necessidades das mulheres, as dificuldades, os desejos e sonhos.
Por conta de sua articulação na Rede Mulher de Educação, foi até Pequim, a capital da China, para participar da 4ª Conferência Mundial sobre Mulher, Ação, Igualdade, Desenvolvimento e Paz.
Tinha uma atuação e articulação política ativa, desenvolvendo vínculos importantes, à exemplo do encontro com o ex-presidente Lula, em 2008. Integrou a lista de 50 mulheres lideranças indicadas ao Prêmio Nobel da Paz em 2004.
Raimunda, mulher forte. Raimunda, mulher corajosa. Raimunda, mulher lutadora.
É lembrada por essas palavras quando falam sobre ela, pensando em como essa mulher inspirou tantos homens e mulheres. Foi a musa, como diz dona Maria do Socorro, para dar esperança na luta, na conquista de direitos, na dignidade desses trabalhadores. Tocou com suas palavras e atitudes lideranças do Brasil e do mundo. Na luta coletiva, Raimunda pôde ver companheiros assentados, livres da insegurança e dos despejos que foram submetidos por muito tempo.
Uma semeadora de sonhos, que teve farta colheita ao longo da vida. Raimunda, mulher-semente que germina no coração de cada um que foi alcançado por sua luta, que cresce e se fortalece em cada momento de união, como esse, em que nos reunimos para celebrar a vida e a luta de Raimunda Gomes da Silva. Em 07 de novembro de 2018, ela partiu, no conforto de seu lar, como sempre desejou.
Partiu deixando um bocado de sua valentia para cada um e cada uma que se indignar com a desigualdade, que buscar viver uma vida digna.
Partiu, deixando como legado as conquistas para os trabalhadores do Bico do Papagaio. No Dia Estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, celebramos a caminhada de Raimunda e nos fortalecemos para continuar trilhando esse caminho.
Raimunda Gomes Presente! Dona Dijé Presente! Maria Adelina Presente! João Abelha Presente! Padre Josimo Presente! Margarida Alves Presente! Marielle Presente! Irmã Dorothy Presente! E todas os lutadores e lutadores que hoje são sementes e inspiração em nossa caminhada!
 
 
 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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