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Rastrear produção de ouro protegerá a biodiversidade

Rastrear produção de ouro protegerá a biodiversidade

O garimpo criminoso pode acabar com a Amazônia e com a reputação do país, alertaram especialistas em debate nacional.

Por Aldem Bourscheit/ O Eco

Ampliar e melhorar a regulação, a fiscalização e o rastreamento das cadeias produtiva e comercial do ouro é fundamental para manter a biodiversidade em áreas legalmente protegidas alvo do garimpo criminoso, desse e de outros minerais. Especialistas comentam como isso pode ser feito. 

Parques nacionais e terras indígenas são os grandes abrigos de riquezas naturais e de culturas ancestrais no país, mas ainda sofrem com a extração ilícita de recursos. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) aponta que 72% da área de garimpo na Amazônia ocorre nessas áreas.

“Há uma indústria do garimpo ilegal, fornecendo pessoas, maquinário, e logística”, diz o deputado federal Zé Silva (Solidariedade/MG) e presidente da Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, instalada em março.

Exemplos são as terras indígenas Munduruku (foto acima) e Sai Cinza, além do Parque Nacional do Jamanxim e da Floresta Nacional de Altamira, todos no Pará. Na fronteira com o Peru, a Estação Ecológica Juami-Japurá também é vítima da mineração ilegal.

“98% do ouro comercializado no entorno de terras indígenas da Amazônia têm indícios de ilegalidade”, lembra Joênia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Um dos casos mais graves atinge o território Yanomami, em Roraima (foto abaixo). Lá, a mancha afetada por garimpos saltou de 363 ha (2018) para 1.557 ha (2021), ou 330%. Uma força tarefa mobilizada pelo novo governo federal remove garimpeiros e madeireiros ilegais da área. 

“Ou a gente acaba com esse garimpo [ilegal] que está aí, ou esse garimpo vai acabar com a Amazônia e a reputação [internacional] do nosso país”, alerta Larissa Rodrigues, responsável pelos temas mineração, energia e uso de terras no Instituto Escolhas

Ela foi outra painelista no debate promovido pelo jornal Correio Braziliense nessa terça-feira (16), sobre a problemática socioambiental e econômica atrelada à extração ilegal de minerais no Brasil.  

Motor do corte de florestas e do assoreamento de rios, o garimpo de ouro contamina terras, águas, animais e pessoas com mercúrio, fonte de doenças que podem levar à morte. Não há dose mínima segura no organismo humano para o tóxico, usado para separar o mineral de outras substâncias. 

Desde 2013, uma lei federal sancionada por Dilma Rousseff permitia a “lavagem” de ouro retirado de áreas protegidas com simples declarações de que havia sido extraído de forma regular. A chamada “presunção de boa-fé” foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no início de maio.

A decisão da Corte foi unânime e também fixou 90 dias para que o Executivo federal detalhe novas regras fiscais e comerciais para o mineral, no país todo. A ideia é dificultar a circulação de outro extraído ilicitamente de unidades de conservação e de terras indígenas.

“A exploração de riquezas tem que ser dentro de marcos legais não perturbadores do meio ambiente e das comunidades”, ressaltou o ministro do STF Gilmar Mendes, relator de ações diretas de inconstitucionalidade questionando a legislação sobre o comércio nacional de ouro.

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Área afetada por garimpo criminoso ao longo do Rio Uraricoera, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real

Volta aos trilhos

Atenta aos prejuízos que o garimpo criminoso causa em terras indígenas e outras áreas protegidas, a presidente da Funai espera que o país dê amplas transparência e confiabilidade às cadeias produtiva e comercial do ouro, beneficiando inclusive as forças policiais. 

“Precisamos de uma política fiscal eficiente e permanente para controlar de onde vem o ouro e seus caminhos da extração à venda. Isso ajudará no combate aos ilícitos pela Polícia Federal e outros órgãos de fiscalização e de policiamento”, ressalta.

A medida também pode manter abertas as portas de mercados internacionais, onde crescem as exigências por produtos comprovadamente legalizados e livres de impactos sociais e ambientais.

Para Larissa Rodrigues, o ouro brasileiro pode ser enquadrado como um “mineral de conflito” pelo endurecimento de regras comerciais na União Europeia. Isso prejudicaria economias regulares e negócios do país no Exterior.

“Não dá para imaginar que um comércio bilionário [o do ouro] vai funcionar apenas na base da boa fé”, apontou a especialista do Instituto Escolhas e doutora em Energia pela Universidade de São Paulo (USP). 

O Brasil não tem uma lei para minerais de conflito, como tem por exemplo os Estados Unidos. A norma desestimula o uso de materiais que podem fomentar violências e outros prejuízos humanos e ambientais.

Enquanto isso, a União Europeia adotou esta semana regras dificultando as importações de produtos ligados a desmatamento e degradação florestas. As normas iniciais incidem sobre óleo de palma, gado, madeira, café, cacau, borracha, soja e derivados como chocolate, móveis e papel. 

Um estudo da organização ambiental internacional WWF estima que de 50% a 70% do ouro negociado no mundo passa fisicamente pela Suíça. O país é um grande importador do mineral extraído no Brasil. O Instituto Escolhas aponta que 17% do ouro exportado em 2020 pelo país foi ilegal, ou 19 toneladas.

Além disso, a guerra Rússia-Ucrânia e o avanço geopolítico chinês abalaram a confiança mundial no Dólar e fizeram a compra de ouro por bancos centrais de países alcançar os níveis mais altos desde os anos 1950, conforme o Conselho Mundial do Ouro, entidade mobilizadora desse mercado.

As fontes especializadas comentaram igualmente que a regulamentação do setor passa por melhorar o licenciamento ambiental e as condições de trabalho, pela recuperação dos locais degradados – sobretudo em áreas protegidas – e pelo banimento do mercúrio na mineração. 

Dar fim aos usos da substância é uma das diretrizes da Convenção de Minamata, promulgada pelo Brasil em 2018, mas ainda não colocada em prática.

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Manter a floresta, seus povos e sua biodiversidade depende de um grande plano de desenvolvimento sustentável. Foto: Neil Palmer/CIAT / Creative Commons.

Pondo uma lupa na procedência e transações com ouro, a Casa da Moeda do Brasil (CMB) começa a implantar este ano uma plataforma de rastreabilidade. Cada movimentação legal receberá um selo digital e físico, válido no Brasil e no Exterior. A tecnologia é usada em bebidas e cigarros, desde 2021.

Garimpeiros e DTVMs terão que se registrar na plataforma, com reconhecimento facial ou de biometria, senhas e diferentes perfis de acesso. “Só agentes credenciados ou autorizados a produzir ouro acessarão os códigos, armazenados na blockchain na Casa da Moeda”, explica o diretor de Inovação e Mercado da CMB, Leonardo Abdias.

As DTVMs são distribuidoras de títulos e valores mobiliários autorizadas pelo Banco Central para intermediar a compra e a venda de itens no mercado financeiro.

Presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), representante de empresas e instituições do setor mineral, Raul Jungmann lembra que o combate ao garimpo criminoso depende também da atração de mão-de-obra para atividades legalizadas.

“O garimpo é um enorme problema de pobreza, de miséria. Cadê as alternativas econômicas? Há necessidade de gerar emprego e renda para as  pessoas”, destaca. 

Na Amazônia vivem cerca de 29 milhões de brasileiros, 70% deles em cidades, ou pouco mais de 20 milhões de moradores. A região tem 5 milhões de km2 – ou 60% do território nacional –, mas responde por apenas 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Conforme Jungmann, o poder público precisa ampliar sua presença neste “grande vazio demográfico” através de um plano de desenvolvimento sustentável para a floresta equatorial, peça chave no enfrentamento da crise climática global. 

“O Brasil não tem projeto para a Amazônia. O que o país quer da região?”, questiona.

Aldem Bourscheit – Jornalista. Fonte: O Eco. Foto: Marizilda Cruppe/Amazônia Real / Creative Commons. Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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