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Rios imaginários diante dos quartéis

Rios imaginários diante dos quartéis

Of course, it´s absurd. 

But absurd has to mean something, doesn´t it?

Benjamin Patterson. 1983

Por José Bessa Freire

Quem beijou Janja: Lula ou seu sósia? E quem nos garante que a mulher beijada era mesmo a socióloga Rosângela da Silva e não sua dublê?  

Essa gente pirou de vez. Em Porto Alegre, manifestantes na frente do quartel, com celular na cabeça e lanterna acesa apontada ao céu, apelam aos “extraterrestres” para que impeçam a posse de Lula. Um cartaz iluminado diz: SOS FA. Pedido de Socorro às Forças Armadas ou confissão de que estão sós e isolados? Uma mulher implora: “Olha pra nós, general”.

Quem olha é o general Braga Netto, candidato derrotado a vice-presidente, que encontra apoiadores do Coiso, com camisetas amarelas e bandeiras do . Eles estão acampados em frente ao Quartel General do Exército no Setor Militar Urbano (SMU), em Brasília e pedem um . O general, enigmático, diz: “Não percam a fé. É só o que posso falar agora”.

Os extraterrestres nada ouvem. Por via das dúvidas, no domingo (20), os manifestantes usam a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Mas os ETs também não podem “falar agora”. No entanto, incitada pelo general, a “tropa crédula” acha a fé perdida e fura a grande mídia com a “notícia” espetacular de que Lula morreu e foi trocado por um sósia, que usa máscara de silicone criada pela Globo – um canal de TV “comunista”, como todo mundo sabe.  

Os detalhes são tão precisos que não deixam dúvidas: o pastor Sandro teria cópia do atestado do óbito ocorrido no sábado, às 21h45. O corpo embalsamado de Lula estaria escondido no 6º andar do Hospital Sírio-Libanês. Quem confirma é o vice-prefeito de Angra dos Reis (RJ), Christiano Alvernaz (Republicanos), que invoca para isso a sua autoridade de médico:

– Muito estranha essa operação do Lula no Hospital Sírio-Libanês para retirar uma leucoplasia nas cordas vocais e depois dizer que, para poupar a voz, só se comunica por mensagem escrita. Mas a operação na parte onde ele tinha o nódulo não atinge a prega vocal. Pelo amor de Deus! Eu sou médico e conheço anatomia – ele posta no twitter.

A NOÇÃO DO ABSURDO

O espantoso é que o Sírio-Libanês seja obrigado a emitir nota oficial para desmentir tamanhos absurdos, que são filmados, viralizam nas redes sociais e acabam virando tema de piadas. Parecem sem sentido. Será?

Não é o que pensa o músico estadunidense Benjamin Patterson. Sua performance na 17ª Bienal de São Paulo, em 1983, foi considerada por alguém como absurda. “Tudo bem” – ele disse – “é um absurdo. Mas o absurdo tem que significar alguma coisa, não é mesmo?”

Afinal, o que significa a conduta doentia dos inconformados com a derrota eleitoral? Confesso que não sei. Freud explica? Explica sim. A histeria é de ordem psicológica e não orgânica – ele diz. Num texto sobre a psicologia das massas, o pai da psicanálise discute a estratégia publicitária do fascismo, que consiste em confundir as pessoas, incapacitando-as de distinguir a verdade da mentira. Tal confusão mental ajuda a atacar e eliminar o inimigo. Ninguém é mais ele mesmo, mas um outro.

Os manifestantes desconfiam da nota do Sírio-Libanês. E aí, como convencer do contrário alguém que acredita piamente na morte de Lula e em seu sósia? Mostrar fotos? Apelar para a razão? Consultar a Janja? Nikita Kruschev, presidente da URSS, depois da Assembleia Geral da ONU, em 1959, deu dica preciosa ao presidente dos , Dwight Eisenhower:

– Se pessoas envenenadas por mentiras querem acreditar que um rio imaginário corre sobre o asfalto da Sexta Avenida de Manhattan, em Nova York, não adianta tentar convencê-las, mostrando carros em circulação sobre o pavimento daquela via. A solução é entrar na deles e construir uma ponte imaginária para que atravessem o rio imaginário.

PONTE IMAGINÁRIA

Portanto, de nada vale o apelo à razão, porque os manifestantes na frente dos quartéis não raciocinam. O caminho é outro. Consiste em edificar uma ponte, na qual admitimos que Lula morre atropelado. Seu sósia atravessa, então, a ponte sobre o rio Jordão, em cujas águas foi batizado pelo Pastor Everaldo. Omite-se que o pastor foi preso por corrupção. Depois, o sósia foi benzido com água benta pela Pastora Aparecida, da Igreja Totoiotaia do Alvorada, e lá incorporou o espírito do Coiso.

Dessa forma, quem toma posse em janeiro disfarçado de Lula é o pai dos quatro zeros, das rachadinhas, do orçamento secreto, do sigilo de cem anos, da vacina que causa aids, do da , do envenenamento dos rios pelo garimpo, da invasão das e do assassinato de seus líderes. É o mesmo que pesa em arroba os , que estrangulou a , a , a saúde e que agrediu mulheres parlamentares e jornalistas e até a primeira-dama de país amigo.   

O presidente da França, Emmanuel Macron, vem para a posse de Lula, porque não imagina que Lula está simbolicamente morto e que seu sósia é a encarnação do Coiso, responsável por ofensa vulgar à Brigitte Macron, sua esposa.

A ponte imaginária está construída com o meio-fio pintado de branco pelo Exército. Vai ver os manifestantes cruzam essa ponte e abandonam as portas dos quarteis, tranquilos porque o Coiso continua no poder. É mais fácil eles acreditarem nisso, do que admitirem que Lula está vivo.

P.S. – Ver também Tá todo mundo louco? | com Sérgio Freire | 156 – https://youtu.be/jOd2i4mXeq4

José Bessa Freire – Professor, escritor, cronista da Amazônia. Gestor do Blog www.taquiprati.com.br, onde esta crônica foi publicada originalmente. Membro do Conselho Editorial da

https://xapuri.info/elizabeth-teixeira-resistente-da-luta-camponesa/

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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