Rodovias liberais

Rodovias Liberais

A turma do “ mínimo” costuma fundamentar suas teses a partir da alegada incompetência estatal, e para tudo requer a interveniência da iniciativa privada como solução de todos os males.

É com esse pretexto que acumula concessões de serviços essenciais, obras vultosas de infraestrutura e permissões de demandas dos mais variados ramos de atividades que, a princípio, seriam de competência do Estado enquanto ente federativo.

No entanto, com o Estado brasileiro mergulhado em crises constantes das três esferas de governo, as gestões se apoiam na condescendente legislação nacional e “entregam” à volúpia do capital suas mais importantes responsabilidades, desde a manutenção de uma enfermaria de hospital até as mais complexas estruturas de abastecimento das cidades ou regiões inteiras.

Muitas dessas crises, diga-se de passagem, são produzidas nos próprios gabinetes governamentais que deliberadamente planejam a falência de suas estruturas para justificar a necessidade de licitar suas competências naturais. Daí surgem os discursos da insuficiência de recursos financeiros e da incapacidade do Estado em lidar com as demandas de sua competência – sofisticada engrenagem argumentativa que, não raro, convence a população e chancela o gesto governamental em favor dos interesses da iniciativa privada.

Essa lógica perversa tem prevalecido tradicionalmente no , mais recentemente sob a denominação de Organizações Sociais (OSs), que atuam fortemente no ambiente da pública, mas também de arregalados na área da . Todavia, o filé se mantém nas grandes obras de infraestruturas aeroportuárias, energéticas, minerais, portuárias, e também as rodoviárias.

Mas o liberalismo brasileiro é muito peculiar, porque seus representantes sobrevivem apoiados num regime capitalista onde o financiamento público é essencial para sua sobrevivência. Logo, contraditório o seu discurso de “Estado mínimo”, posto que depende do dinheiro público para manter seus próprios privilégios e negócios.

Os episódios do “mensalão”, “petrolão” e similares, dentre outros, bem ilustram que ainda continua tênue a linha que divide o interesse público do privado neste país que coleciona gestões cada vez mais prostradas às conveniências do capital.

O exemplo mais recente dessa relação promíscua ocorre com as rodovias federais que cortam o estado de , privatizadas em 2014. Os cerca de 3 mil quilômetros das BRs 040, 050 e 153, licitados em certames bastante favoráveis às grandes empresas privadas, ainda padecem das melhorias contratadas. Não há operação de tráfego adequada, gestão instantânea de riscos, monitoramento permanente de dinâmicas, necessários, tampouco fiscalização dos contratos…

E agora, sob alegados prejuízos acumulados, as empresas concessionárias promovem a devolução da gestão rodoviária ao Governo Federal. Fácil, não? Condicionam a obediência ao contrato que assinaram à liberação de empréstimos com juros subsidiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Estranha loucura, pois as praças de pedágio das rodovias concessionadas, não obstante suas tecnologias obsoletas, funcionam com eficiência e loucamente praticando preços contratados mais dispendiosos do que conhecemos na Europa, EUA e Canadá.

É que no Brasil os amantes da de mercado, do “Estado mínimo”, enfim, insistem em vociferar suas doutrinas econômicas como salvação nacional, mas desde que financiadas pelo dinheiro público – muito engraçada essa promiscuidade!

E olha que o Brasil possui mais de 1,7 milhão de quilômetros de rodovias problemáticas, das quais apenas 12% pavimentadas. Como fica a equação? Teremos rodovias liberais ou não? De qualquer forma, uma premissa está confirmada: a incompetência da gestão de serviços no Brasil não é exclusiva do poder público.


Jornalista. Comentarista da CBN . Membro da Associação Nacional de Transportes Públicos /ANTP.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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