Sabão de Tingui, o sabonete Kalunga

Atualizada:

Sabão de Tingui, o sabonete Kalunga

O primeiro presente que me lembro de ter ganhado foi uma bola de sabão de tingui, bem redonda, bem grandona, de minha avó preta, Maria Feliciana de Jesus, no meu aniversário de 9 anos.

Por  Zezé Weiss

Naquele tempo, na roça onde a gente morava, criança não sabia nem quando fazia aniversário, muito menos que tinha direito a presente. Mas como eu estava sarando de um tétano, naquele ano minha vó Maria fez questão da gentileza, que acabou ficando na lembrança do meu passado.

De uns anos pra cá, nessas minhas andanças pela Chapada dos Veadeiros, conheci dona Flor, uma fabulosa raizeira de oitenta e poucos anos que, além dos próprios filhos, trouxe ao mundo mais de 300 crianças da região onde mora, o povoado do Moinho, 12 km distante da sede do município de Alto Paraíso de Goiás.

Por dona Flor soube que o sabão de tingui que ela vende em sua própria “farmácia popular” faz parte da cultura centenária do povo Kalunga e que é rico em propriedades medicinais. Serve, no dizer de dona Flor, para dar brilho e evitar a queda dos cabelos; serve também para curar micoses, coceiras e outras irritações da pele.

Por essa razão, já faz um bom tempo que não gero lixo com embalagem de xampu. Os meus cabelos eu lavo com o sabonete de tingui da dona Flor, que compro em pequenos pedaços quando passo pela Chapada dos Veadeiros. Os meus cabelos melhoram, a minha pele também melhora, e o planeta agradece.

Foto: Zezé Weiss

Publicado originalmente em: 4 de abril de 2019 

 
Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação. 

Resolvemos fundar o nosso.  Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário.

Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também. Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, ele escolheu (eu queria verde-floresta).

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Já voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir.

Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. A próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar cada conselheiro/a pessoalmente (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Outras 19 edições e cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você queria, Jaiminho, carcamos porva e,  enfim, chegamos à nossa edição número 100. Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapui.info. Gratidão!