Saudades do Jorjão

Saudades do Jorjão – Aqui por , corações apertados continuam lembrando da falta que faz Jorge Luiz dos Santos Ferreira, o amigo Jorjão, que nos deixou fora do prazo combinado, como diz Rolando Boldrin. Era um cara especial como pessoa, agitador cultural, empresário, contador de causos, defensor de causas, pra falar de alguns dos predicados que dois AVCs calaram aos 54 anos de tenra idade, no dia 2 de julho de 2013.

Por Jaime Sautchuk 

Por muitos anos, ele foi mais conhecido pelo apelido de Jorge do Feitiço, uma referência ao Feitiço Mineiro, tradicional restaurante brasiliense, de sua propriedade. Isso, embora ele tenha criado, também, onze outros bares e restaurantes que ainda hoje disputam entre si o título de o mais concorrido da Capital do País. Mas sua história vai muito além do bem-sucedido empresário.

Jorge era mineiro de doer, mas foi sepultado em Brasília, terra que o adotou. Nasceu em Cruzília, no Sul do estado, em 1959. Seu pai, Jaime, descendente de portugueses, foi sócio por 40 anos do irmão Mirinho numa loja comercial, um armazém. Como medida do seu prestígio, já naquele ano, dos 8 mil habitantes do município, 300 recém-chegados eram seus afiliados.

A mãe, D. Terezinha, era pacata dona de casa, até virar militante em defesa dos . A mudança foi provocada pela prisão, tortura e assassinato de seu filho mais novo, Jacir, num crime nunca elucidado. Ele era presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) da cidade e fazia denúncias sobre atividades ilegais de policiais e juízes da região.

Após completar o ensino fundamental (antigo primeiro grau), Jorge foi para Juiz de Fora, onde fez o ensino médio (segundo grau) e cursou Sociologia, na Universidade Federal. Simultaneamente, lecionava na rede pública e atuava no Serviço de Educação Popular (SEP), entidade católica. E iniciou-se na , militando na facção estudantil e Luta (Libelu), de linhagem trotskista.

Aliás, nos primórdios do PT, nos anos 80, Jorjão era da turma que chamava de “pelego” o então líder sindical Luiz Inácio da Silva, o Lula. Anos depois, ele passou a fazer parte do seleto grupo das peladas futebolísticas da Granja do Torto, em Brasília, espécie de casa de campo de Lula, quando presidente da República.

DE CRUZÍLIA PRA BRASÍLIA

Após se formar, ele morou uns tempos em Belo Horizonte, mas sem nunca desgrudar de Cruzília. Lá, mantinha o afago familiar como o quinto na escada de seis irmãos, e cultivava as histórias e brincadeiras da gente da terra. Em especial as do tio Mirinho, inspirador do legendário Geraldo Rôla, autor dos tantos causos com que Jorge animava plateias de amigos. Além de bom contador de causos, algumas daquelas estórias ele escreveu no livro “Terra, Mar e Bar”, do qual é coautor.

Cruzília tinha, porém, um atrativo maior que qualquer outro. Era Denise, filha de cruziliense que morava em Brasília. O namoro começou em 1978 e foi se alongando até que, em 85, Jorge cedeu aos apelos do coração e desembarcou na Capital Federal. Casaram-se e tiveram três filhos (Leo, Lucas e Luciana).

Em Brasília, Jorge passou a lecionar em escolas da rede pública e na Universidade Católica. A família transpirava política. O pai de Denise é o advogado José Oscar Pelúcio, histórico militante do Partidão (PCB), e sua mãe, Eva, professora universitária cuja família foi vítima do nazismo, na Europa. Era, desde logo, um ambiente de incentivo à militância política.

Jorge se aproximou do Sindicato de Professores e as primeiras greves em que atuou foram motivos de sua demissão dos dois empregos. Corria o ano de 1987 e ele, desempregado, aceitou o convite de um primo e, juntos, montaram um restaurante especializado em massas. A sociedade durou pouco, mas serviu para lhe dar a embocadura da nova atividade. Dois anos depois, surgiu o Feitiço Mineiro.

SOLIDARIEDADE CRIATIVA

Já naqueles anos, ele se mudou para a ala de empresários do PT, mas não reduziu o pique de ardoroso militante – em tudo o que fazia, sempre havia uma causa a defender. O próprio Feitiço é um exemplo. Desde que foi criada, em 1989, a casa já foi palco de mais de 10 mil espetáculos musicais, realizados por milhares de artistas.

O restaurante nasceu com a intenção de preservar e difundir a mineira, da culinária às outras artes. Mas virou referência de . Durante anos editou a prestigiada revista cultural Tira . E passou a abrigar, também, o Clube do Samba, reservando as segundas-feiras para rodas de batucada, com o aval das velhas guardas cariocas.

Criatividade não lhe faltava. Ao montar o Bar Brasília, quase vinte anos depois, por exemplo, Jorge localizou no interior de São Paulo uma farmácia montada em 1918, que estava à venda. Móveis, prateleiras e balcões – um brinco. Ao fechar o negócio, o ex-dono ficou surpreso por ele não querer o ponto, nem o estoque de medicamentos, mas apenas as velhas instalações.

As peças foram transportadas para Brasília e montadas num local onde, na opinião geral, não caberia uma casa desse tipo. Em lugar dos remédios, bebidas em fartura, que inclui “o melhor chope da Capital”, na classificação da revista Veja da época. Um sucesso, enfim. Em cada nova empreitada, uma parceria diferente. Candidatos a sócio faziam fila. Em novos empreendimentos, ele se dava ao luxo de entrar apenas com conhecimento, talento e uma baita disposição pra trabalhar.

Também eram muitos os concorrentes que buscavam nele uma opinião sobre seus negócios já estabelecidos ou ainda em planos. Solidário, ele não sonegava informações e que pudessem até fazer com que as casas dos outros ficassem melhores que as suas. Por isso, ele se tornou referência, liderança mesmo do setor de bares e restaurantes não só de Brasília, mas do Brasil inteiro.

Algumas de suas marcas eram o eterno sorriso e o jeitão simpático de tratar toda a clientela, do estudante mais durango ao presidente da República. Ou: do Lula operário, derrotado em eleições, ao Lula presidente. A amizade com Lula, aliás, é exemplar. Foi construída em acaloradas discussões partidárias, em mesas de bares e em pescarias (legais) no Pantanal Mato-grossense. Na tristeza e na alegria.

Mas a clientela de Jorge nunca se restringiu a gente do PT, é claro. E a importância de sua atuação, especialmente na área cultural, tampouco é reconhecida apenas pela esquerda. Ele foi agraciado, por exemplo, com o título de cidadão honorário do Distrito Federal, concedido pelo Legislativo local, onde a esquerda não chegava a um terço dos deputados.

Outro exemplo é do executivo peruano Salvador Herência, do Unicef, que quando serviu no Brasil foi o criador da campanha “ Esperança”, adotada pela Rede Globo. No dia 2 de julho de 2013, Herência pegou um avião em Santiago do Chile, onde morava, e foi bater em Brasília com uma única missão: um adeus ao amigo Jorjão, no velório.

18/12/2012. Crédito: Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press. Brasil Brasilia, O empresário Jorge Ferreira fala sobre sua história.
18/12/2012. Crédito: Raimundo Sampaio/Encontro/D.A Press. Brasil Brasília, O empresário Jorge Ferreira fala sobre sua história.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!