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Severiá Karajá: pioneira da aliança dos povos da floresta

Severiá Karajá: pioneira da aliança dos povos da floresta

Sou Severiȧ Maria Idioriê, indígena Iny-Karajá-Javaé.  Nasci numa aldeia às margens do rio Araguaia. Hoje não é mais aldeia, porque a última família Karajá que existia era a nossa e, depois que os meus pais faleceram, não ficou ninguém para cuidar da aldeia. 

Por Severiá Karajá 

Entre 1969 e 1970, fui levada de minha aldeia pra morar com uma freira franciscana em São José dos Bandeirantes, Goiás, que me trouxe também para ser freira. Minha mãe ficou muito triste. Um ano depois ela morreu de sarampo. Logo depois, o meu pai morreu também. Então eu, órfã, acabei sendo criada por essa mãe freira.

Cursei Letras na Universidade Católica de Goiás (UCG). Antes disso, já estava com intenção de voltar para uma aldeia indígena e de retomar a minha vida como indígena. Nessa época, eu tinha 25 anos, conheci o Cipassé Xavante, que também era estudante em Goiânia, e começamos a namorar.  

Logo em seguida fui com o Cipassé até a aldeia Xavante dele, na Terra Indígena Pimentel Barbosa, no município de Canarana, estado de Mato Grosso, pedir permissão para casar. Em julho de 1987 fizemos nosso casamento não indígena em Goiânia. Eu tinha 25 anos.

Depois, fomos para a aldeia Canarana, na Terra Indígena Pimentel Barbosa, no estado de Mato Grosso, onde realizamos nosso casamento indígena pelo rito Xavante. Só não me casei na minha aldeia porque naquela época minha aldeia não existia mais.  

Comecei ali o meu mestrado indígena da vida real, e passei a me envolver com educação, cultura e meio ambiente. Como a cada dia me envolvia mais na militância com o movimento indígena, decidi fazer um mestrado em Educação na Universidade Federal de Mato Grosso. Eu queria estar preparada academicamente para defender os povos indígenas.

Mais tarde, de 2014 a 2016, estudei a importância da língua A’uwe/Xavante na formação de professores Xavante. Em minha pesquisa, identifiquei a importância da educação bilíngue para os povos indígenas – porque é através da língua que cada povo indígena organiza sua visão de mundo com conhecimentos cosmológicos próprios – e para a organização coletiva da vida em comunidade. 

No Movimento, comecei a participar mais na época da articulação da Aliança dos Povos da Floresta. Acabei conhecendo o Chico Mendes e o Ailton Krenak. Foi nesse tempo que se formou essa grande Aliança para o Brasil e para a Amazônia. 

Me lembro da primeira vez que nos reunimos: foi em Goiânia, em setembro de 1987, durante a Semana da Paz, depois do famoso acidente radioativo do Césio 137. Os seringueiros e os indígenas vieram até Goiânia para participar da Semana da Paz, em solidariedade ao povo de Goiás. Fechamos o acordo de fazer o I Encontro da Aliança dos Povos da Floresta no mês de março de 1989, no Acre. 

Goiânia, naquele momento, estava sendo vítima do medo e de muito preconceito. Muita gente estava em pânico porque o acidente tinha sido feio. Mesmo assim, os indígenas e seringueiros marcaram presença. Eles entenderam que essa era uma boa oportunidade para continuar a articulação da Aliança dos Povos da Floresta entre mais lideranças. 

Me lembro de Chico Mendes falando que para nós, indígenas, e para os seringueiros que defender a floresta era como defender a nossa própria vida. Na visão do Chico Mendes, aquela era uma luta que precisava do apoio de muita gente: de muitos aliados dentro e fora da floresta. Ao ouvirmos Chico Mendes falar daquele jeito, sentíamos na hora que se tratava de uma questão de vida, não de sobrevivência, mas da própria vida. 

Depois veio a morte, a tristeza, o desconsolo e, no meio disso tudo, a decisão de fazer o Encontro da Aliança como combinamos.  Em março de 1989, sem Chico Mendes – mas para honrar o compromisso assumido com ele – fomos todos em direção ao Acre e fizemos o nosso I Encontro dos Povos da Floresta.

Severiá Karajá – Liderança Indígena. Uma das poucas mulheres presentes na organização da Aliança dos Povos da Floresta, em meados dos anos 1980. Depoimento concedido a Zezé Weiss para o livro Vozes da Floresta na primavera de 2008. Atualizações com base na matéria Amazônia Real em novembro de 2023.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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