SOLDADOS DA BORRACHA

SOLDADOS DA BORRACHA

Soldados da Borracha

A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial não se deu apenas com o envio de 20 mil pracinhas para combater na Itália. Quase 60 mil brasileiros também foram convocados a auxiliar os Aliados de uma maneira diferente: produzindo látex, matéria-prima da borracha

Por Felício Pontes Jr.

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A borracha era essencial para equipar a indústria bélica americana. Naquele tempo, sua produção estava essencialmente na Ásia, bloqueada pelo Japão. O Japão, o Reich alemão e a Itália de Mussolini, formavam as maiores forças do Eixo.

 

E é aí que o governo ditatorial de Getúlio Vargas entrou em cena. Os Estados Unidos financiariam a empreitada, e o Brasil forneceria a mão de obra e a Amazônia para a produção da borracha.

 

Com o acordo fechado, iniciou-se uma ampla campanha nacional para recrutar trabalhadores, quase todos nordestinos, para a Amazônia. Os que aceitaram ficaram conhecidos como soldados da borracha. Havia promessa de fartura e até de lotes de terra.

 

Os barcos que saíam de portos do Nordeste, como Fortaleza (CE), eram chamados de “modernos navios negreiros”, diante do transporte de pessoas como se fossem cargas.

 

A viagem durava de 15 a 60 dias, dependendo do local de destino na Amazônia.  Os que chegavam vivos eram obrigados a assinar um contrato com o seringalista (dono do seringal), que seria seu patrão, único comprador do látex e, geralmente, único vendedor de alimentos, remédios e insumos para o trabalho a preços bem acima do normal.

UMA SAGA

Em verdade, o soldado da borracha já chegava endividado à Amazônia e, dificilmente, conseguiria pagar a dívida, ou seja, deixar o seringal.

 

Em alguns lugares, a população local também cortou seringa com o intuito de participar do esforço de guerra.

 

Em outros, indígenas entraram em guerra com os soldados da borracha, como, por exemplo, na região onde ocorreu a Batalha do Riozinho do Anfrísio – que hoje é uma Reserva Extrativista do mesmo nome, na Terra do Meio, entre os rios Xingu e Tapajós, no Pará.

 

Estima-se que 30 mil soldados da borracha morreram ainda na época da guerra, por assassinato, ataque de animais e surtos de malária, febre amarela, beribéri etc.

 

Dos pracinhas enviados à guerra, 465 morreram. Os que voltaram após o término do conflito, em maio de 1945, fizeram jus a 7 salários mínimos por mês, abono, assistência médica e indenizações.

 

Os soldados da borracha só foram reconhecidos com a Constituição de 1988, mas de forma insatisfatória. Fizeram jus a 2 salários mínimos por mês, mas não seus descendentes, a menos que provassem incapacidade.

 

Em 2014, a Emenda Constitucional n.78 determinou o pagamento de 25 mil reais de indenização aos 5 mil soldados da borracha ainda vivos e aos dependentes dos mortos.

 

Há ações na Justiça para obrigar o Governo a pagar indenizações de, no mínimo, 200 mil reais aos soldados da borracha e a seus descendentes.

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A saga dos soldados da borracha ainda é um capítulo pouco conhecido da nossa história.

Felício Pontes Jr – Procurador da República, em “Povos da Floresta – Cultura, Resistência e Esperança”. Edições Paulinas, 2017.

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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