Supremo: último a errar, mas não único

Supremo: último a errar, mas não único

Ouvi o comentário do Carlos Alberto Sardenberg na CBN, criticando o que ele chamou de erro do STF nas anulações de provas da delação de Palocci

Por Juliana Oliveira/Notibras

Para ele, o STF está anulando ações, mas há o crime. Há R$ 51 milhões do Gedel Vieira Lima encontrados em um apartamento. Há recursos que estão sendo devolvidos à Petrobrás por empresas que estavam envolvidas em . A JBS está devolvendo recursos pagos por suposta propina no governo Temer. O homem que foi visto entrando no carro com uma mala de dinheiro que seria destinada ao Temer também está livre. Isso, segundo o Sardemberg, é um erro do STF.

O conteúdo não está longe do Marcus André Melo, publicado na segunda-feira (11/9), na Folha de. Lá, o autor diz que antecipou a prisão do , em 2017, e naqueles idos disse que ele seria, sim, preso, mas seria anistiado. E ele faz uma ginástica intelectual e diz que o STF tem anistiado criminosos políticos e que, no , esse papel é historicamente, do Poder Executivo e aponta os vários problemas da tal anistia pelo Supremo.

Nos dois casos os autores parecem esquecer que há um instrumento, criada em 1215, que é o Devido Processo Legal. Esse conceito foi criado para limitar o poder do , que naquele momento da era absolutista, sobre a vida das pessoas. O Estado não pode tudo e o devido processo legal é o instrumento existente para que, em caso de comportamento desviante, aqueles que a estipulou como crime, o estado exerça o seu poder de polícia, o monopólio da força que conferimos a ele.

E no Brasil a persecução penal tem muitas etapas. Algumas verdadeiras jabuticabas, como o inquérito policial.

Em linhas muito gerais, e apenas para os casos mencionados pelos dois autores, ocorre assim: Há uma denúncia, a polícia – no caso em questão, a federal -inicia a investigação, por determinação de um delegado e executada por agentes.

Essa investigação é uma fase inquisitorial. Não conta com a participação do investigado, que não tem atuação direta. O investigado é obrigado a comparecer se convocado a depor, pode levar advogado, mas não precisa, e essa fase, principalmente, não conta com o contraditório e a ampla defesa. Trata-se do inquérito.

Se o delegado entende que há indícios de autoria e materialidade, ele indicia o investigado e entrega um relatório para o Ministério Público. O ministério público avalia se há ou não indícios de materialidade e autoria, naquele procedimento que foi feito sem contraditório e ampla defesa. Se ele achar que tem, oferece a denúncia para o juízo competente. Nos casos mencionados pelos colunistas, por conta da prerrogativa de função, o juízo competente é o STF.

Na denúncia do ministério público constam os crimes, as penas que o MP sugere que sejam aplicadas e as provas colhidas pela polícia – e que deveriam não servir para absolutamente nada na próxima fase- e as que devem ser colhidas para comprovar a autoria. Agora sim, durante a instrução do processo, com a fiscalização de um juiz, o investigado pode se manifestar sobre as provas colhidas, contradizê-las, se for o caso, apresentar as suas contraprovas, explicar fatos e apresentar testemunhas.

Percebe que, até aqui há, no mínimo cinco fases: a denúncia que originou a investigação; a investigação e indiciamento; a entrega do relatório ao MP; o oferecimento da denúncia e a instauração do processo? Nestas, apenas na última fase o investigado pode se manifestar nos autos. E os problemas nas 4 fases primeiras são imensos.

No Brasil a taxa de solução de crimes em geral é baixíssima. A polícia civil de nunca elucidou mais que 5% dos furtos e roubos anualmente. O número de crimes solucionados pelas polícias, em geral, sobe expressivamente para vergonhosos 37% quando estamos tratando de homicídios. E a maior parte dos crimes solucionados são os que têm prisão em flagrante. Ou seja, menos investigação é necessária.

Essa baixa capacidade resolutiva tem diversas causas e eu, que estou estudando inquérito na vida, acho que parte dele está no processo do inquérito e no trabalho do Ministério Público que fracassa, fragorosamente em cumprir com sua obrigação legal (art.156, CPP) de comprovar a autoria e materialidade do crime.

Qualquer pessoa que tenha passado por um Núcleo Prática Jurídica revisional na área penal, como foi meu caso, sabe que na maior parte dos casos, apenas olhando os processos, não é possível afirmar que aquelas pessoas são os autores dos crimes pelos quais estão sendo acusados. Há tanta fragilidade que me tirava o sono.

Me lembro do meu primeiro caso. Terrível. Duas assaltadas no ponto de ônibus, ameaçadas com uma faca. A descrição delas: Um alto outro baixo. Um com uma bermuda clara, suja, e um casaco escuro. O outro esfarrapado. Quaisquer dois mendigos que eu encontrar na rua correspondem a essa descrição. Aí, claro, não foi difícil neste caso, a polícia encontrou dois “suspeitos” que se encaixavam nesta descrição. O produto do roubo foi encontrado com eles? Não. A arma? Também não. Elas os reconheceram e o reconhecimento foi feito assim: a polícia colocou os dois, um do lado do outro, e perguntou para elas se elas os reconheciam. Elas, claro, os reconheceram. Era fim de tarde, portanto, sem luz, foi rápido, elas estavam apavoradas. Como garantir que essa descrição era a exata? Os dois se encaixavam em um perfil muito genérico. O reconhecimento não foi, como determina o código de processo penal no art. 226, colocadas outras pessoas com características físicas semelhantes para que elas identificassem os criminosos. Não. Nada disso aconteceu.

Eles foram presos em flagrante. Indiciados. O Ministério Público acatou o indiciamento, ofereceu a denúncia e não fez nenhum pedido de realização de provas, perícias, nada. E com base apenas no inquérito (que é feito sem contraditório e ampla defesa, lembra?) e depoimento das vítimas e dos policiais da causa em juízo, um juiz os condenou. E a apelação feita pelo NPJ rejeitada. E eu cheguei, para um Recurso Especial, 2 anos e 8 meses depois. O Recurso Especial é limitadíssimo! Não pode quase nada. Eu era a última deles. E era eu. Nem dormi por dias!

Mas a verdade é que esses casos são inúmeros no judiciário. São crimes que poderiam, perfeitamente ser anulados por um STF que olhasse para o processo e visse o flagrante desrespeito à Constituição Federal. Ocorre que a maioria não chega lá. E isso acontece porque nós, enquanto sociedade já determinamos que pessoas como esses meus assistidos, são culpados. E não importa se não há produto do crime. Não importa se não há arma do crime. Não importa se o reconhecimento foi feito de maneira afrontosa à lei. Eles cumprirão a pena. E o Carlos Alberto Sardemberg e Marcus André Melo acham que está certo. Que eles devem, sim, cumprir pena mesmo que não esteja claro se foram eles que cometeram o crime que a polícia falhou em investigar e que o Ministério Público falhou em comprovar, que o juiz condenou com base apenas em depoimentos e provas inconstitucionais.

É verdade que muitas vezes o STF falha. E precisamos garantir que ele não falhe. Mas a falha dele está longe de ser a única.

Fonte: Notibras Capa: Rosinei Coutinho/SCO/STF


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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