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Demarcações de Terras Indígenas na justiça

Demarcações de Terras Indígenas pode parar na justiça

índigenas em BrasíliaDireito de imagemADRIANO MACHADO/REUTERS
Image captionBolsonaro determinou que demarcação de terras indígenas e concessão de licenciamento ambiental para empreendimentos que afetem diretamente e devem passar da Funai para o Ministério da Agricultura

Nas primeiras horas de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) editou uma medida provisória e um decreto que esvaziam as principais atribuições da .

Ele deslocou para o Ministério da Agricultura, instituição que representa interesses do setor agropecuário brasileiro, a prerrogativa de delimitar terras indígenas e de quilombolas, e de conceder licenciamento para empreendimentos que possam atingir esses povos.
Diminuir a concessão de demarcações de terras e destravar obras, como ferrovias e rodovias, em áreas próximas a comunidades indígenas eram reivindicações da Frente Parlamentar Agropecuária da Câmara, que representa os interesses de produtores rurais. Mas a decisão do novo presidente saiu melhor que a encomenda, segundo parlamentares do grupo, a chamada “bancada ruralista”
“Essa decisão foi muito bem recebida por nós, mas foi uma surpresa. Não imaginei que iria bem para o Ministério da Agricultura”, disse à BBC News Brasil o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que é integrante e ex-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária.
“Eu tinha sugerido ao Bolsonaro criar uma secretaria do índio, ligada à Presidência. E havia a possibilidade de prerrogativa de demarcação ir para Ministério da Justiça, mas o não queria, então, prevaleceu a vontade daquele que foi eleito, de tratar a questão (da demarcação) sob a ótica produtiva.”
Mas, no Ministério Público Federal, a reação foi bem diferente. Procuradores que atuam na defesa dos direitos dos indígenas estudam, segundo a BBC News Brasil apurou, formas de contestar na Justiça as decisões de Bolsonaro.

Bolsonaro com Tereza CristinaDireito de imagemISAC NOBREGA/AFP
Image captionMinistério comandado por Tereza Cristina, ex-presidente da bancada ruralista da Câmara, vai ser responsável por decidir sobre interesses de povos indígenas e quilombolas

E a Procuradoria-Geral da República informou à BBC News Brasil que todas as decisões do novo presidente sobre demarcação de terras “serão analisadas” para verificar se há “retrocessos” ou violações a direitos. Se a interpretação for de que existem inconstitucionalidades, poderá ingressar com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a derrubada integral ou parcial das medidas.
O procurador da República Júlio Araújo, que integra o grupo de trabalho sobre demarcação de terras indígenas da 6ª Câmara do MPF, avalia que a transmissão das funções da Funai para o Ministério da Agricultura viola a Constituição.
Segundo ele, essas medidas podem paralisar novas demarcações, já que o controle sobre a decisão estará nas mãos de uma instituição que representa ruralistas e que não teria, a príncipio, interesse em expropriar terras de produtores ou paralisar obras que possam beneficiar o escoamento da produção.
“Esse esvaziamento (da Funai), por si só, tem inconstitucionalidade, porque você torna inoperante a de demarcação. Você está desestruturando uma política prevista na Constituição”, afirmou à BBC News Brasil.
“O governo está indicando que não vai mais demarcar terras. A decisão vai ficar sob controle de um ministério que é contrário a esse interesse e que responde a um governo contrário a esse interesse.”

índigenas em BrasíliaDireito de imagem ADRIANO MACHADO/REUTERS
Image caption“O governo está indicando que não vai mais demarcar terras. A decisão vai ficar sob controle de um ministério que é contrário a esse interesse e que responde a um governo contrário a esse interesse”, diz o procurador Júlio Araújo

De acordo com Araújo, membros do Ministério Público Federal podem questonar as medidas de Bolsonaro em juízos de primeira instância nos casos concretos de demarcação. “Uma maneira de enfrentar esse cenário é que o Judiciário garanta as demarcações nos casos concretos”, afirma.
Ele explica que, atualmente, quando há demora na demarcação de uma terra, o Ministério Público ingressa com ações judiciais e o juiz determina que o Executivo proceda à avaliação das terras. Num cenário em que a decisão ficaria a cargo do Ministério da Agricultura, Araújo diz ser possível pleitear que o próprio Judiciário proceda à demarcação, sem esperar a atuação do Executivo.
“Hoje, a tendência é ter uma autocontenção. O judiciário reconhece que existe uma terra indígena e manda o Executivo demarcar. Mas eu acho que poderia ir além, fazendo perícias e determinando ele próprio a demarcação”, defendeu o procurador, que é autor do livro Direitos Territoriais Indígenas: Uma Interpretação Intercultural.
“O Judiciário tem condição de declarar que um território é indígena e tem condição, por entendimento do Supremo, de discutir os limites dessa demarcação. Não é algo que naturalmente ocorre, mas num cenário inconstitucional de não efetivação desse direito esse seria um caminho.”
Por sua vez, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), principal organização indígena do país, recomendou às suas representações nos Estados que organizem “o ingresso [na Justiça] de uma ação popular requerendo judicialmente a nulidade dos atos praticados pelo presidente Jair Messias Bolsonaro”.
Para a Apib, as decisões do novo presidente “destroem praticamente toda a política brasileira”. No caso das ações civis públicas, os pedidos de nulidade também seriam feitos a juízes de primeira instância.

‘Desequilíbrio’

Nilson Leitão, da bancada ruralista, reconhece que a questão possivelmente será judicializada, mas defende as decisões de Bolsonaro.
“Com certeza vai ter reação. Uma boa parte da PGR é ativista.” Segundo o deputado, sob a coordenação da Funai, pedidos de licenciamento ambiental acabam “engavetados”, travando, com isso, projetos como asfaltameto de rodovias em áreas de interesse do setor agropecuário. Ele também critica o que chamou de foco “excessivo” da Funai em expropriar terras para reservas indígenas.
“Estava muito desequilibrado para um lado. Muitos vão achar essa decisão radical, mas existe um enfrentamento ideológico e a Funai muitas vezes segurava por anos a concessão de licenciamentos, além de focar demais em demarcação, em vez de cuidar da saúde, educação e qualidade de vida do indígena”, disse.
Perguntado se o deslocamento da atribuição de licenciamento e demarcação para o Ministério da Agricultura não resultaria num “desequilíbrio” para o lado oposto – dos ruralistas -, Leitão afirmou:
“Pode ser que desequilibre, sim. Mas eu prefiro apostar que vai resolver. Posso assegurar que grande parte dos índios quer produzir. Ele quer ter o dinheiro dele, quer trabalhar, não quer ser fotografia na capa de revista europeia.”
A Funai disse à BBC News Brasil que não se manifestaria sobre as declarações de Leitão. Sobre as decisões de Bolsonaro acerca de demarcação e licenciamento, disse que “respeita a decisão do novo governo e continuará a cumprir a missão institucional de proteger e promover os direitos dos povos indígenas”.

O que dizem as medidas assinadas por Bolsonaro

Editada pouco depois da posse de Bolsonaro, na segunda-feira, a Medida Provisória 870 amplia as competências do Ministério da Agricultura para incluir “, regularização fundiária de áreas rurais, Amazônia Legal, terras indígenas e quilombolas”.
Segundo a MP, caberá ao Ministério da Agricultura “a identificação, delimitação, demarcação e os registros das terras” tradicionalmente ocupadas por indígenas e pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Antes, a demarcação das terras era feita pela Funai, após estudos antropológicos e avaliações de técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Concluído o parecer pela demarcação, ele era encaminhado para o ministro da Justiça, para assinatura da declaração da demarcação. Em seguida, seguia para homologação pelo presidente da República.

IndígenasDireito de imagemADRIANO MACHADO/REUTERS
Image captionMedidas de Bolsonaro devem levar a uma judicialização dos processos de demarcação

Com as mudança feitas por Bolsonaro, o Ministério da Agricultura controlará todo o processo.
Depois de editar essa MP, o presidente assinou um decreto repassando para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, subordinada ao Ministério da Agricultura, a função de coordenar a concessão de licenciamentos ambientais a empreendimentos nas terras indígenas e de quilombolas.
Esse licenciamento incluiria, por exemplo, permissão para construção de hidrelétricas perto de comunidades indígenas, ferrovias e rodovias. Antes, essa função era da Coordenadoria-Geral de Licenciamento Ambiental da Funai.
Na terça-feira, pelo Twitter, Bolsonaro criticou a extensão das terras demarcadas no Brasil e defendeu que povos indígenas e quilombolas sejam “integrados”.
“Mais de 15% do território nacional é demarcado como terra indígena e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nestes lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar estes cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”. afirmou.
Para o procurador Júlio Araújo, essa visão de defender a “integração” dos povos indígenas viola o artigo da Constituição que diz que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
“Os povos indígenas devem ter autonomia para viver na terra deles ou viver na cidade, retornar ou não para a aldeia. Essa premissa de forçar os indígenas a serem integrados é inconstitucional”, afirmou. “É uma visão autoritária de que melhorar de vida é morar na cidade ou seguir um mesmo padrão de comportamento”, avalia Araújo.
A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria da Presidência da República e do Ministério da Agricultura, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-46749222?fbclid=IwAR3bmxra0Q9STvYXGkksF-k4aDN-3e_Dfzptm0wnsIf969b18v-RFAbqNDI


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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