TERRENO E SAGRADO

TERRENO E SAGRADO

Lá do alto, onde Roma toca o céu, tudo parece repousar sob um silêncio sagrado. O vento sopra com leveza, como se também respeitasse o tempo suspenso que existe sobre a cúpula da Basílica de São Pedro…

Por Antenor Pinheiro, especial da cúpula da Basílica de São Pedro, Vaticano

E é dali, de onde o olhar alcança o infinito, que a cidade se revela com outra alma. Logo abaixo, estende-se a Praça de São Pedro, como dois braços abertos em acolhimento eterno. É mais que uma praça – é um abraço de pedra e fé.

Os colunatos de Bernini curvam-se com leveza, criando um movimento que parece quase respirar. Gente do mundo inteiro cruza o centro desse espaço sagrado, sem pressa e com fé, como se os próprios passos soubessem que ali se pisa sobre séculos de oração, arte e esperança. Do alto, tudo se ordena com uma beleza exuberante: a geometria da praça, vista em sua totalidade, alinha-se com a longa Via della Conciliazione, que avança como uma ponte de pedra até o horizonte.
E além dela, como uma sentinela à beira do rio, ergue-se o Castelo de Santo Ângelo, redondo, austero, misteriosamente poético. Entre ele e a praça, a Ponte Sant’Angelo atravessa o Rio Tevere, que brilha sob intensa luz – fita líquida que liga passado e presente. Deste ponto elevado, tudo conversa entre si: a cúpula e a praça, o rio e o castelo. O sagrado se encontra com o secular, o império com a fé, e a cidade parece respirar num compasso que é só seu – ora eterno, ora profundamente humano.

É ali, de cima, que se entende o papel da praça: ela é o centro do olhar, o ponto onde o mundo parece convergir. Quem está nela olha para cima. Quem está na cúpula, olha para baixo. E nesse gesto duplo, forma-se um diálogo silencioso entre terra e céu. Roma, vista daqui, não é apenas bela. É revelação.

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Piazza di San Pietro (Taha Haja/Flickr)

antenor pinheiroAntenor Pinheiro – Geógrafo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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