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Um enigma nas florestas nebulosas da serra catarinense

Um enigma nas florestas nebulosas da serra catarinense

Carente de mais estudos, uma planta restrita a áreas isoladas do Parna de São Joaquim é ameaçada até pela crise global do clima.

Por Aldem Bourscheit/ O Eco

Isolada num parque nacional encravado no planalto catarinense, uma planta começa a ter seus segredos revelados pela Ciência após décadas de seu descobrimento. Enquanto isso, o fantasma do aquecimento global ronda as matas frias e úmidas que a protegem. 

O cinzeiro-pataguá foi descrito em 1958 pelo padre Raulino Reitz e pelo pesquisador Lyman Bradford Smith, ambos já falecidos. Eles haviam encontrado a espécie poucos anos antes na região do Campo dos Padres, em Bom Retiro (SC), a 140 km da capital Florianópolis.

Ela forma geralmente um arbusto de até 3 m de altura, mas pode crescer como uma árvore e passar dos 10 m. De madeira pouco resistente e copa generosa, abraçando boa quantidade de luz em meio à mata, a árvore perde as folhas no rigoroso inverno sulista. 

A literatura científica conta que o cinzeiro-pataguá vivia ao menos em quatro municípios catarinenses, mas hoje uns 250 exemplares seriam encontrados apenas em pontos isolados no Parque Nacional de São Joaquim. Os locais não recebem turistas.

Ao longo de mais de cinco décadas, a espécie ganhou pouca atenção de pesquisadores, mas ainda mais ameaças por seu alto isolamento e subida da temperatura global. Todavia, nos últimos anos cientistas de instituições públicas iniciaram uma corrida para evitar seu desaparecimento.

“É uma das espécies com distribuição mais restrita em todo o mundo”, destaca Eduardo Giehl, doutor em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos estudiosos do cinzeiro-pataguá. A situação tornou a espécie globalmente ameaçada de extinção.

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Um cinzeiro-pataguá em meio à Mata Atlântica. Mais abaixo no tronco, equipamentos para pesquisa da UDESC. Foto: Guilherme Moura

A agropecuária, a urbanização e até espécies exóticas invasoras podem ter eliminado silenciosamente outras populações estaduais da espécie. Além do desmate, javalis infestam a serra catarinense e podem devorar seus brotos e encolher seus números. 

Os esforços científicos para driblar os riscos de eliminação incluem coletar sementes para multiplicar a espécie, estudar sua reprodução, dispersão e até dependência de luz solar. Mas a planta nativa não revela suas intimidades tão facilmente.

De 2 mil sementes coletadas, apenas duas dezenas brotaram. A chave pode ser o frio que marcou a evolução da espécie. “Esperamos obter mais mudas quebrando a dormência das sementes em freezers”, diz Giehl, professor adjunto do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

“A semente fica esperando um despertador para acordar, que pode ser o frio, pode ser o trato digestivo de algum animal, pode ser a luz, ou até mesmo o atrito para quebrar a casca da semente”, explicou o pesquisador em reportagem do Núcleo de Apoio à Divulgação Científica da UFSC.

Ao mesmo tempo, equipamentos medem o aumento do diâmetro, o fluxo de seiva, temperaturas, chuvas e ventos buscando entender o desenvolvimento e o consumo de água da planta. A energia que alimenta os aparelhos vem de placas solares.

“Assim entenderemos a dinâmica da espécie nessa floresta de regiões elevadas”, descreve o engenheiro florestal Guilherme Moura. Seu mestrado em Ecologia no campus de Lages (SC) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) é dedicado à espécie. O estudo acabará em 2024.

As pesquisas sobre o cinzeiro-pataguá podem revelar igualmente quanto a espécie captura de carbono em seu crescimento, se animais ou aves comem e dispersam seus frutos e sementes, a longevidade e outros traços da ainda enigmática planta. 

Refúgio climático

As matas nebulosas ocorrem em porções elevadas da Mata Atlântica e de outras regiões no Brasil e no exterior. No Parna de São Joaquim, os cinzeiros-pataguá estão a mais de 1.500 m de altitude, em áreas por vezes cobertas pela neblina onde a temperatura raramente passa dos 20ºC.   

Pois, a crise global do clima pode dar cabo desse refúgio climático da árvore e de variadas outras espécies. “É um equilíbrio muito delicado. Baixas na umidade e nas chuvas podem matar plantas e reduzir a população do cinzeiro-pataguá”, alerta Guilherme Moura, da UDESC.

As alterações do clima impactam ainda mais animais pequenos ou de pouca mobilidade, mas sobretudo as plantas, que não migrarão para áreas mais favoráveis no curto prazo e sem ajuda humana. “A espécie não tem para onde ir com o clima aquecendo”, reforça Eduardo Giehl, da UFSC.

Antigos parentes

O cinzeiro-pataguá (Crinodendron brasiliense) pertence à família Elaeocarpaceae, cujas plantas floridas evoluem desde quando América do Sul, Austrália e outros territórios eram unidos pela Antártica no supercontinente de Gondwana, entre 550 e 100 milhões de anos atrás.  

Hoje, as quatro espécies conhecidas de Crinodendron vivem no planalto catarinense e em regiões montanhosas da Bolívia, da Argentina e do Chile. Nesse último país, a planta é popular e ornamental, sendo cultivada em jardins, parques e viveiros.

“A espécie permaneceu aqui [no Brasil] sobretudo por questões climáticas e evolutivas”, destaca Eduardo Giehl, da UFSC. Uma história preservada graças a uma área protegida. “Se não estivesse dentro de um parque, provavelmente não ouviremos mais falar dela”, lembra Guilherme Dutra, da UDESC.

Consultado, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informou que “as árvores estão em áreas regularizadas do parque”. Como mostrou ((o)eco, São Joaquim ainda enfrenta desafios para a regularização fundiária em grande parte de seus quase 50 mil hectares.

Aldem BourscheitBiólogo e Jornalista. Fonte: O Eco. Foto de capa: Raphael Sombrio / @horizonte.vertical.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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