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UMA CANDIDATA PRETA CONTRA ABSTENÇÕES E ALIENAÇÕES

UMA CANDIDATA PRETA CONTRA ABSTENÇÕES E ALIENAÇÕES

Uma candidata preta contra abstenções e alienações

Pesquisadora das culturas populares e militante das artes e lutas antirracistas, Camila Cabeça é candidata à Câmara Municipal de .

Por Cristina Ávila/Jornal Brasil Popular DF

“As mulheres devem se atrever à ”, afirma a mulher preta paraense radicada no Acre desde 2000, embaixadora do projeto #juntaspelatransformação, coordenado pela filósofa e escritora Djamila Ribeiro.

Camila Cabeça enfatiza a necessidade do enfrentamento nas urnas, por mulheres pretas e com outros perfis que representem distintos segmentos sociais, para tornar a política “o exercício bonito que é a democracia”. Ela considera que as mulheres precisam assumir cada vez mais candidaturas para mudar o desgosto das pessoas relacionado à política.

“A importância de minha candidatura é que outras mulheres me achem parecidas com elas e com isso se assumam também como lideranças e mudem esse distanciamento da política que se vê hoje por conta dos abusos de poder do patriarcado cis branco – eles vulgarizaram a política – e até mesmo com a submissão de mulheres sem autonomia, que se dispõem a ser laranjas para preencher cotas”.

As cotas a que se refere estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/97) que em seu artigo 10, § 3º, que estipula aos partidos reservarem o mínimo de 30% de vagas para candidaturas de mulheres. A igualdade de gênero está também prevista no pacto das Nações Unidas chamado de Objetivos de (ODS), que em seu 5º item prevê a participação plena das mulheres nos diversos níveis de tomada de decisão e liderança na política, e assuntos públicos.

“Quem não gosta da política será governado por quem gosta”, lembra Camila em suas lutas antirracistas

Camila enfatiza a importância das cotas. “São fundamentais para o acesso de mulheres com meu perfil e de outras mulheres deste Brasil multidiverso e cheio de potências para acessar a possibilidade de estar na política. As cotas são uma reparação e precisamos lutar em toda nossa profundidade. Estão violadas na maioria dos casos, no sentido de que uns levam a sério e outros não, e muitas vezes são acessadas indevidamente e sem fiscalização. Há muito a evoluir, especialmente para mulheres pretas e indígenas”.

Ela ressalta que no país atualmente grande parte das candidaturas de mulheres tem sido preenchida por pretas, e considera que este fato tenha sido impulsionado pela indignação por conta do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL/RJ). “Ela inspirou as mulheres pretas a dizerem ‘chega’, nossas cartas de alforria estão aqui. A cota é uma afirmação para a reparação de políticas de 388 anos de escravidão, sobretudo as mulheres pretas que mais compreendem quando chega ou não uma política pública na sua casa, na sua mesa, na sua vida”.

“A política tem que ser transformada. Como diz o Chico Science, me organizando eu posso desorganizar a sistemática de poder e de briga de forças que existe nesta política. A Wilma Reis (socióloga e ativista de direitos humanos) diz que “entre e direita continuo sendo uma mulher preta. Tô entendendo muito isso agora.

A brutalidade da política atravessa a gente, feita para os homens; a maior dificuldade é quebrar esse círculo de que é o confronto. Quando tu me pergunta sobre a importância do mandato é porque nós mulheres somos as mães, somos quem precisamos das políticas para as autistas, somos as mães que enfrentamos a falta do medicamento específico ou a falta do ônibus ou que sofremos assédio num trem, na Amazônia a falta d’água com o racismo ambiental. E enfrentamos ainda a louça na pia, que os homens não enfrentam. Vamos equilibrar o poder, as forças”.

“Vamos ocupar a política e vamos mudar a realidade das pessoas. A maioria das pessoas que me acessam são mulheres, as minhas propostas foram pensadas pra isso. São LGBTQIA+, negras, mulheres, pobres que não têm mais nesse rito da política. Toda vez que faço reuniões eu falo sobre esse cansaço em que os homens transformaram a política.

Camila Cabeça chama a atenção para o número crescente de abstenções nas eleições – como foi o caso do Acre que em 2022 chegou a 28,41% que alcançou o maior percentual no país segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “As pessoas perderam a vontade de votar. Não se veem na política, e quando uma de nós tenta concorrer, nos desestimulam dizendo que não podemos ganhar. Essa é uma herança imperial, temos muito no a política como coisa de grupos de amigos, pequenas cortes, uma herança de subserviência e alienação que cada vez mais distancia as pessoas”.

“Gosto de mencionar a frase atribuída ao filósofo grego Platão (que viveu há cerca de 2.500 anos): quem não gosta da política será governado por quem gosta”, enfatiza Camila Cabeça. “Vamos redefinir a política, por uma política feita no dia a dia. E como se faz isso? Nos colocando à disposição desta tarefa, apresentando a nossa própria trajetória de vida, em que as pessoas se vejam assim parecidas comigo e tenham consciência de que podem disputar mandatos para a transformação necessária da sociedade”.

Fonte: Brasil Popular

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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