UMA PILHA ATÉ AQUI DE MORTOS: ANISTIA NUNCA MAIS!

Uma pilha até aqui de mortos: Anistia Nunca Mais! 

Não se constrói um país e uma /sobre o solo fofo de carne e sangue. Não se edifica um sem “remoer o passado”.

Por Hildegard Angel 

Cansada de repetir: o esquecimento e a perpétua conciliação são senhas para que o passado sempre se repita. Senhas que inspiraram o evento do último domingo, mobilizando multidão para reivindicar anistia, a exemplo do grande ERRO cometido no passado. 

Presidente Lula, os familiares dos mortos pela ditadura esperam um reparo seu à sua declaração, propondo “não remoer o passado”. O senhor, chefe de Estado aclamado em todo o , tem a responsabilidade de seus exemplos. 

Os franceses não esquecem os excessos dos monarcas, que levaram à Queda da Bastilha. Assim como não esquecem dos compatriotas traidores, durante a ocupação nazista. 

O mesmo fazem ingleses, americanos, italianos, enfim, todos os países que cultivam o brio de seu passado, de seus heróis, de sua História. Os judeus se fortaleceram sempre lembrando a barbárie que Hitler praticou contra eles.

Lembrar sempre para que o passado não se repita é lema de todos. 

Nossa postura complacente e a pouca importância dada aos nossos mártires podem ser a razão de o único Herói presente na mente dos brasileiros ser Tiradentes. O único “popular”. 

Mas são incontáveis os brasileiros corajosos e exemplares que deram a vida pelo Brasil e contra o arbítrio opressor. É no sentido do “não esquecimento”, o esforço dos familiares dos mortos nos porões da ditadura por defenderem a causa de libertar o país da ditadura de 1964 a 1985, heróis que morreram sem entregar os companheiros. 

Nos anos 1990, as Mães da Praça de Maio vieram de homenagear Zuzu Angel, como “a mãe da Praça de Maio do “. Zuzu foi assassinada e virou símbolo, mas não foi a única. 

Há inúmeras outras mães, esposas, irmãs ainda vivas, lutando para poder velar seus mortos. Corpos que viraram cinzas nos fornos das usinas, foram jogados ao mar ou enterrados como indigentes em paradeiros não sabidos. 

Senhor Presidente: somos um país de muitas carências, onde os mártires de hoje são empilhados sobre os de ontem. Mortos sem corpos, sem investigação e, pior, sem punição. Não se constrói um país e uma História sobre o solo fofo de carne e sangue. Não se edifica um futuro sem “remoer o passado”. Anistia nunca mais! Contamos com a sua compreensão.

Hildegard Angel – Jornalista. Filha de Zuzu Angel, ferrenha combatente contra a ditadura e irmã de Stuart Angel Jones, militante político assassinado pela ditadura. Foto de capa: Domínio público

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NOTA DA REDAÇÃO: No dia 27 e janeiro, faltando pouco mais de um mês para os 60 anos do Golpe de 1964, Lula deu uma longa entrevista para o jornalista Kennedy Alencar. Em parte dela, o jornalista perguntou – e o presidente respondeu – sobre o golpe militar. Sua resposta causou espanto, polêmica e respostas indignadas, especialmente entre pessoas que tiveram suas vidas devastadas pelo Golpe de 1964. Este , da jornalista Hildegard Angel, publicado originalmente no Brasil 247 é uma dessas respostas. Abaixo, trechos das perguntas do jornalista e das respostas do Presidente.  

Kennedy Alencar: Presidente, eu quero falar de economia com o senhor, política industrial, as perspectivas pro ano. Mas nessa questão da , o senhor diz que é um filho da democracia. A hora da verdade, a operação da Polícia Federal, ela mostrou o envolvimento muito grande de militares na tentativa de golpe e a gente viu voltar a circular na praça a tese de que o golpe não aconteceu porque havia legalistas no alto comando.

Esses legalistas, no dia 30 de outubro de 2022, viram o resultado da eleição, a vitória do senhor. Toleraram e protegeram o acampamento golpista até 8 de janeiro. Estavam esperando o quê? O ministro da Defesa, José Múcio, aplica uma estratégia de acomodação dos militares. Pergunta para o senhor: Essa estratégia não está errada? Esses militares não têm que ser punidos? Que legalistas são esses que toleravam acampamento golpista até 8 de janeiro?

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Presidente Lula: Primeiro, Kennedy, vamos ser francos. Em nenhum momento da história desse país os militares estão sendo punidos como estão sendo punidos agora. Lembre algum momento em que general foi chamado pela Polícia Federal para prestar depoimento.

Coronel, todos, todos que foram provados e todos que provarem que participaram serão julgados, serão punidos. Não fique preocupado com isso. O que você não pode é o seguinte: é que nós fomos procurar nas Forças Armadas as pessoas para exercer o comando, as pessoas que não estavam comprometidas com isso. Eu tinha assistido o discurso do general Tomás (Paiva) uns dias antes.

Eu tinha assistido um discurso dele, que eu achei extraordinário o discurso dele sobre a questão da política. Por isso é que ele veio assumir o comando do Exército. Assim vale para o Olsen e vale para o Damasceno. São pessoas que não estavam envolvidas com o , que estavam com independência, subordinados aos comandantes da época. Todos foram afastados e nós agora estamos tentando reconstruir a civilidade nas Forças Armadas.

Eu fico imaginando. Eu fiquei sabendo de uma notícia ontem que um cidadão, um coronel que mora em Campinas, em um apartamento, tinha uma quantidade de munição, uma quantidade de arma que explodiu dentro da casa dele. Ou seja, colocando em risco o prédio todo.

A minha pergunta é a seguinte: que grau de responsabilidade tem uma pessoa que tem a patente de coronel do para colecionar quantidade de arma dentro de casa? O que ele queria com armas e munição? A serviço de quem ele estava? A quem que ele queria fazer bem? Não pode. Então deixa eu falar. Eu estou convencido que nós estamos no caminho certo e estou convencido que o Múcio tem feito um adequado.

Ou seja, nós precisamos aproximar a sociedade brasileira e as Forças Armadas. Não se pode tratar a vida inteira como uma forte inimiga. As Forças Armadas têm um papel, o papel delas é constitucional. Eu valorizo isso. Quando eu fui presidente da outra vez, e eu valorizo agora.

Eles têm que cumprir a constituição deles, eles têm que garantir a soberania nacional, eles têm que garantir a nossa soberania do espaço aéreo, a nossa soberania da nossa riqueza mineral, a soberania da nossa floresta, do nosso rio e cuidar do nosso povo. É isto que é o papel das Forças Armadas e é isso que vão fazer. E é isso que o Zé Múcio está cuidando de fazer com que aconteça no Brasil.

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Brasília – Tumulto e confusão marcaram sessão da Câmara do Deputados sobre 50 anos do golpe militar de 1964 (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Kennedy Alencar: Quero uma palavra do senhor sobre os 60 anos do Golpe de 64. O general Tomás Paiva falou para não ter celebração nos quartéis. Muita gente fala “que beleza, um avanço”. Ora, deveria haver um mea culpa, porque eles acabaram com a democracia durante 21 anos. Pergunto: o seu governo, o senhor fez um ato em 8 de janeiro de memória sobre o ato de 2023 para que nunca mais se repita. 60 anos de golpe militar, como que o senhor vai tratar essa questão?

Presidente Lula: Eu sinceramente vou tratar da forma mais tranquila possível. Eu tô mais preocupado com o golpe de janeiro de 2023 do que com 64. Eu tinha 17 anos de idade, tava dentro da metalúrgica Independência quando aconteceu o Golpe de 64.

Isso já faz parte da história, já causou sofrimento que causou, o povo já conquistou o direito de democratizar esse país, sabe? Os generais que estão hoje no poder eram criança naquele tempo, sabe? Alguns acho que não tinham nem nascido ainda naquele tempo.

Então o que eu não posso é não tocar a história pra frente, ficar remoendo sempre, remoendo sempre. Ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que isso pode se apurar, mas eu sinceramente eu não vou ficar me remoendo e eu vou tentar tocar esse país pra frente. Eu tenho um compromisso de voltar a fazer esse país crescer.

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Brasil de Fato
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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