Vem aí o Acampamento Terra Livre

Vem aí o Acampamento Terra Livre

Abril é mês de Acampamento Terra Livre (ATL). De 24 a 28 deste mês, milhares de indígenas, de todas as regiões do país, estarão acampados em Brasília para discutir o tratamento dado aos seus direitos e demandas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Por Márcio Santilli / Mídia Ninja

Esta será a décima nona edição do ATL, que já se tornou uma tradição e uma referência de mobilização social democrática e participativa. Nada a ver com portas de quartéis. A Apib, Articulação dos do , que convoca e coordena o ATL, já iniciou negociações com o GDF, o Governo do Distrito Federal, para definir o local do acampamento. A APIB sempre prefere o gramado da Esplanada dos Ministérios, mas o GDF quer transferi-lo para a Granja do Torto, ou outro local fora do Plano Piloto, alegando o trauma político causado pela predação golpista de 8 de janeiro. É provável que acabe ficando próximo da Funarte, atrás da Torre de Rádio e TV, o mesmo local do ano passado e um meio termo entre as expectativas.

Esta será a primeira edição do ATL após a criação do MPI, o Ministério dos Povos Indígenas, prometido pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva no último ATL, ainda como candidato. Há uma grande ansiedade com a proximidade da mobilização e as comunidades e organizações indígenas já articulam delegações, compram miçangas e arrecadam recursos para a viagem e estadia.

‘Marco temporal’

Uma das prioridades do movimento indígena é a retomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do julgamento sobre o “marco temporal”, uma interpretação jurídica dos ruralistas que pretende impedir a demarcação das terras que não estivessem na posse das comunidades indígenas em 8 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. O julgamento está empatado em 1 X 1 e um pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes adiou a conclusão do julgamento.

Em visita a uma aldeia Marubo, no Vale do Javari (AM), a presidenta do STF, Rosa Weber, prometeu que o julgamento será retomado ainda no primeiro semestre. Os povos indígenas esperam que seja reafirmado o caráter originário dos seus direitos territoriais – anterior à própria constituição do Estado brasileiro – e que as comunidades expulsas durante a também tenham as suas terras demarcadas.

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Sonia Guajajara e Joenia Wapichana com o presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert / PR

A Apib espera que o julgamento seja retomado até a instalação do ATL, ou, pelo menos, que Rosa Weber anuncie a data dessa retomada. Espera, ainda, que os seus dirigentes sejam recebidos por Alexandre de Moraes e que ele vote contra o tal marco temporal.

Disputas no Congresso

Durante o ATL, será relançada a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos , sob a coordenação da Célia Xakriabá (PSOL-MG) nessa Legislatura. Na Legislatura passada, a frente foi liderada pela então deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), atual presidente da Funai. O requerimento de recriação, com assinaturas de 207 deputados, já foi homologado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Não se trata de burocracia, mas do resultado do de articulação da deputada e da sua assessoria, que superou e derrotou a tentativa do deputado Coronel Crisóstomo (PL-RO) de “grilar” a FPI para submetê-la a interesses anti-indígenas. O relançamento da FPI no ambiente do ATL terá forte simbolismo.

Também foi instalada, na Câmara, a Comissão da e dos Povos Originários e Tradicionais. Trata-se de uma comissão técnica permanente, que opinará sobre projetos de lei e outras proposições legislativas. Ela também será presidida pela deputada Célia Xakriabá, mas o seu mandato vai além das questões indígenas e inclui as demais populações tradicionais.

No Senado, deverá ser instalada a CPI das ONGs, liderada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que pretende criminalizar, além das ONGs, o próprio Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES e que ficou inativo durante o governo passado. A CPI pretende atingir, também, as organizações indígenas mais representativas, que conquistaram novas fontes de financiamento e espaços de influência política inéditos.

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Celia Xakriaba. Foto: Benjamin Mast / La Mochila Produções / ISA

Políticas indígenas

Nesse ATL, o movimento indígena terá a primeira oportunidade para avaliar e discutir, coletivamente, os primeiros 100 dias do governo Lula, os avanços e impasses que os representantes indígenas têm vivenciado no MPI, na Funai, na Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e em outros espaços de governo.

Autoridades indígenas, como a ministra Sonia Guajajara, o secretário-executivo do ministério, Eloy Terena, a presidente da Funai, Joênia Wapichana, e o titular da Sesai, Weibe Tapeba, terão a oportunidade de expor as bases, os desafios e dificuldades do governo e de ouvir críticas e sugestões sobre os rumos das políticas indígenas.

Nesse começo de governo, a Funai renovou portarias de restrições de uso de áreas ocupadas por indígenas isolados e constituiu grupos de trabalho para identificar Terras Indígenas. Espera-se que, até o ATL, sejam homologadas, por decretos presidenciais, 14 áreas e anunciadas outras medidas que marquem a retomada dos processos de demarcação, como determina a Constituição.

Também são esperadas as nomeações de pessoas indicadas pelas organizações indígenas para as coordenações regionais da Funai e outros cargos da Sesai, também disputadas por deputados e políticos locais. No ATL, todos poderão saber melhor sobre as condições de orçamento, estrutura e pessoal dos órgãos mais afetos às demandas indígenas, herdadas do governo anterior.

Será um bom momento para apontar e cobrar providências dos órgãos de governo em relação aos territórios que mais sofrem com invasões de garimpeiros, madeireiros, traficantes e grileiros, alguns dos quais até com decisões judiciais favoráveis à retirada dos invasores, mas ainda não cumpridas. O caso da Terra Indígena Yanomami, que foi objeto de intervenção direta do presidente Lula, registra avanços, mas também a necessidade de articular melhor a ação dos órgãos federais.

Vendo por dentro

Será, também, a hora do movimento indígena olhar-se por dentro, promover novos quadros para ocupar os vazios deixados pelos que foram para o governo, aprofundar parcerias e repor os parâmetros da sua autonomia. A Apib e outras organizações têm responsabilidades ampliadas e enfrentam inimigos fortes.

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Kléber Karipuna, da coordenação da Apib. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Ainda não foi divulgada a programação dos cinco dias de atividades do ATL, mas pode-se esperar que ela seja intensa. Embora ainda estejam presentes desafios típicos de , que predominaram durante o governo Bolsonaro, já estão quentes as demandas de agenda positiva e dos avanços esperados para os próximos meses e anos.

No paralelo, certamente rolarão notícias de todas as regiões, papos sobre contratos de carbono, muitos cantos, danças, fofocas picantes e fortes emoções. Além dos artesanatos, das pinturas corporais e produtos da .

Se você ainda não é parceiro da Apib, mas compreende a importância dos povos indígenas, dos seus territórios e das suas culturas para um bom projeto de futuro para o Brasil, chega mais. Visite os perfis da Apib nas (@apiboficial), acompanhe o ATL, contribua com alguma grana e compartilhe notícias, imagens e impressões com os seus.

Autor: MÁRCIO SANTILLI, Sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA)

Fonte: Márcio Santilli, Mídia Ninja

Foto: Marcha do ATL 2021, em Brasília – Raissa Azeredo. Este artigo não representa a opinião da Revista e é de responsabilidade do autor.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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