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ZILDA XAVIER PEREIRA: A SEMEADORA DE SONHOS

ZILDA XAVIER PEREIRA: A SEMEADORA DE SONHOS

Zilda Xavier Pereira: A semeadora de sonhos 

Não nos dizemos adeus porque em verdade, estando integrados em uma luta assim, por mais distantes que estivermos, estaremos ombro a ombro sempre. E aconteça o que acontecer, todo ato que um realize será também a ação do outro  […] Um beijo do companheiro-filho (filho-companheiro)  à companheira-mãe (mãe-companheira). – Iuri Xavier Pereira. 

Zilda Xavier Pereira: A semeadora de sonhos 
Foto: Memorial da Democracia

Por Zezé Weiss

Zilda Paula Xavier Pereira, uma das mais destacadas militantes da luta contra a ditadura, foi a mais importante dirigente mulher da Ação Libertadora Nacional, a maior organização guerrilheira do país na luta contra a ditadura militar, e uma das três lideranças mais poderosas da ALN, ao lado de Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. 

Nascida no Recife em 22 de novembro de 1925, Zilda entrou para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em maio de 1945, no Rio de Janeiro. Dois anos depois, em maio de 1947, o PCB foi declarado ilegal, em função dos efeitos da Guerra Fria e do acirramento da luta de classes no Brasil.

Zilda então adotou por nome de guerra “Zélia”, em reverência à sua camarada Zélia Magalhães, assassinada a bala em maio do ano anterior, quando participava de um protesto no Largo da Carioca. Ativa militante na célula do Partido em Bento Ribeiro, Zilda foi fichada, pela primeira vez, em 1948, no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).

Por ocasião da ruptura de Carlos Marighella com o PCB, Zilda e outros militantes acompanham o revolucionário baiano na fundação da Ação Libertadora Nacional em 1966, organização na qual assumiu papel protagonista, sendo responsável pela estrutura dos grupos guerrilheiros enviados para treinamento em Cuba e pela estadia dos militantes que retornavam ao Brasil. 

Em 1967, Zilda, o ex-marido e os filhos acompanharam Marighella na ruptura com o PCB. A família foi pioneira da Ação Libertadora Nacional. No Rio, a ALN se estruturou em torno dos Xavier Pereira. Eram guerrilheiros empenhados nas ações armadas e na logística da ALN, Zilda, seu ex-marido, João Batista, e os filhos Iuri Xavier Pereira, Alex Xavier Pereira e Iara Xavier Pereira. 

Com quem estavam os guerrilheiros Marighella e Virgílio Gomes da Silva quando compraram um Fusca para usar no assalto ao carro pagador do Instituto de Previdência do Estado da Guanabara? Com Zilda, cuja identidade na ALN era Carmem. Marighella foi visto na ação, em novembro de 1968, e acabou na capa da Veja.

Zilda foi uma das dirigentes da Liga Feminina da Guanabara, associação criada em 1959, até a Liga ser banida pelo golpe de Estado de 1964. Na casa dela, Marighella reuniu-se com sargentos antes do encontro deles com o presidente João Goulart, em 30 de março de 1964. 

Depois de abril de 1964, é possível que ninguém tenha passado tanto tempo com Marighella quanto Zilda. O último “aparelho” dos dois, no bairro carioca de Todos os Santos, jamais foi descoberto pelos beleguins da ditadura. Quem zelava pela segurança de Mariga na clandestinidade: Zilda.

A gravação da Rádio Libertadora, feita por Marighella e Iara Xavier Pereira, filha de Zilda, só sobreviveu porque Zilda a levou para o estrangeiro, onde a gravação foi anexada ao arquivo do célebre comunista Astrogildo Pereira.

No finzinho de janeiro de 1970, prenderam Zilda no Rio. Torturaram-na à exaustão, e nenhuma informação lhe arrancaram. A leitura do seu depoimento no Exército emociona até almas brutas. No futuro, ela diria que guardou seus segredos para honrar a memória de Marighella: “Eu via o Marighella na minha frente. Pensava: Carlos Marighella não é homem para ser traído, eu jamais trairei Carlos Marighella”.

Em 4 de novembro de 1969, quando Marighella foi executado, Zilda estava em missão no exterior pela ALN. Novamente, no exterior, não pôde se despedir de seus dois filhos (Alex e Iuri), executados quase no mesmo período. Zilda sobreviveu às dores. Nunca mais pertenceu a partido algum. “Minhas organizações foram duas, o PCB e a ALN”, costumava dizer.

As dores nos joelhos, decorrentes do pau-de-arara, infernizaram-na até o fim da vida. Com ajuda de companheiros e amigos, Zilda escapou do hospital em que a haviam internado, depois da simulação de surto de insanidade. Era 1º de maio de 1970, e ela só regressaria do exílio em 1979.

De família pobre, estudou até o equivalente hoje ao quinto ano do ensino fundamental. Compensou a escassa formação com suas virtudes de inteligência, intuição e destemor. 

Foi presa no Rio, em 20 de janeiro de 1970, sendo levada inicialmente ao 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, Tijuca, onde funcionava o DOI-CODI e, depois, transferida para o Batalhão dos Caçadores. Foi muito torturada, mas nenhuma informação lhe foi arrancada pelos torturadores, como comprova a leitura de seu depoimento no Exército. Segundo entrevista concedida por ela mais tarde, nada disse para não trair a memória de Marighella, assassinado pela repressão no anterior à prisão de Zilda.

Simulou um surto de loucura e conseguiu ser transferida para o Hospital do Exército e, em seguida, para o Pinel, em Botafogo. Os médicos e os enfermeiros a ajudaram, mantendo-a ali, mesmo depois de descobrirem que ela não era louca. Quando as autoridades anunciaram sua transferência para o Hospital Psiquiátrico Pedro II, arquitetou e concretizou, em 1º de maio de 1970, sua fuga do Pinel, contando mais uma vez com a ajuda de funcionários.

Exilada, soube das mortes de seus filhos Alex, com 22 anos, e de Iuri, 23. Logo em seguida, foi assassinado o também guerrilheiro Arnaldo Cardoso Rocha (23 anos), companheiro da filha Iara, que estava grávida. Zilda orgulhava-se de não ter entregado nenhum militante durante o período em que ficou presa. 

Zilda Xavier Pereira partiu do espaço físico deste mundo no dia de seu aniversário de 90 anos, em 22 de novembro de 2015.

ZILDA XAVIER PEREIRA: A SEMEADORA DE SONHOS
Foto: Domínio Público.

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Zezé Weiss Jornalista.

 
 
 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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