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Dengue é coisa séria. Previna-se!

Zurique exibe os ‘Brasis’ que o Brasil não vê

Zurique exibe os ‘Brasis' que o   não vê 

Por: Dalen Jacomino

O filme “Martírio”, do antropólogo Vincent Carelli, que revela a história de genocídios dos índios Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é um dos destaques do Cine Brasil Marginal. A mostra chega a sua segunda edição reunindo filmes independentes e que discutem temas ligados aos , justiça social e política.

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Pressionados pela expansão do no Mato Grosso do Sul, os Guarani Kaiowás sofrem um longo e doloroso processo de extermínio, retratado no documentário “Martírio”.(Vincent Carelli)

Trazer à luz histórias e personagens que ficam à margem – da história, da sociedade, da mídia, da justiça – é um dos principais objetivos da mostra Cine Brasil MarginalLink externo, que acontecerá entre os dias 23 e 25 de março, em Zurique, com uma sessão especial para o público infantil no dia 21 de março.

No documentário, que já ganhou vários prêmios desde seu lançamento, em 2017, Carelli mergulha na história, na , nos valores e costumes desse povo, buscando as origens do extermínio, resultado de um conflito brutal entre forças desiguais. De um lado da cena, a longa e pacífica resistência dos despossuídos Guarani Kaiowá. Do outro, o poderoso aparato do agronegócio. O desequilíbrio é brutal.

“Feito com as tripas”

“O caso retratado no filme é extremo. Da minha parte, gerou quase uma compulsão incontrolável de revolta. Comecei em 1988 e durante uma década fiz coisas aqui e acolá, mas acabei não montando o filme. No entanto, quando a coisa começou a explodir – as notícias de assassinatos, queima de corpos, desaparecimento de cadáveres e por aí vai – me joguei nesse processo. Foi um filme feito com as tripas”, conta Vincent Carelli, em entrevista à swissinfo.

Com um texto claro e direto, fundamentado em estudos históricos, antropológicos, cartográficos, e recheado de depoimentos, Carelli vai apresentando ao expectador as nuances de perspectiva, os conflitos de interesse e as decisões envolvendo o poder econômico, político, judiciário em relação à identificação e das . A falta de uma visão política, que enxergue “o outro” além dos interesses do chamado “progresso econômico”, que envolva os índios na tomada de decisões e que garanta seus direitos, é crônica, e está presente desde a chegada dos portugueses.

“É a postura do colonizador, que nunca mudou. No fundo, é uma disputa por território, por recursos. E nessas horas, o índio não vale nada. O índio é um marginal. E, de fato, ele é marginal às nossas normas. Eles têm outro conceito de propriedade. Ou melhor, eles nem têm um conceito de propriedade. Para eles, a terra é de Deus e nós estamos aqui para cuidar dela, para usufruto de todos.”

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A comunidade Guarani Kaiowá resiste: cena de “Martírio”(Ernesto de Carvalho)

E o diretor prossegue: “Tudo foi e é feito para esquecermos os índios. Tinha um índio que dizia: ‘na escola brasileira, nos livros didáticos, eles matam a gente o tempo todo. Primeiro, eles falam que ficávamos ali atrás  (escondidos) esperando Cabral (Pedro ´Alvares Cabral), e depois desaparecemos.' Mais recentemente, a sociedade tem mostrado maior interesse pela questão indígena. Índio entrou na moda.  Mas esse pessoal que tem interesse pelo tema ainda é sempre uma minoria.”

Segundo Carelli, a política atual do estado em relação aos índios está tão precária quanto àquela em relação aos cidadãos brasileiros. “A política do estado brasileiro está no seu pior momento para todos nós. A realidade indígena brasileira é muito complexa, variada. Embates existiram e existem em diversas regiões e em momentos diferentes. Mas o embate com o agronegócio, que é a questão dos Guarani Kaiowá, e dos Guarani do Sul como um todo (em relação à pequena propriedade), é muito ruim porque quem está no poder no momento são os caciques do agronegócio.”

Segundo relata Carelli, “até o ano passado havia um embate político sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que prevê que as demarcações de terras indígenas passassem a ser responsabilidade exclusiva do (atualmente o governo e a FUNAI são responsáveis), o que deixaria a tomada de decisões à mercê do lobby ruralista no Congresso. Agora, o lobby ruralista assumiu o poder e de repente nem se fala mais nela. Por quê?  Porque quem queria administrar as terras indígenas agora está no poder. Mas, ao mesmo tempo, os índios têm um movimento nacional fortalecido.  Superaram outros momentos difíceis da realidade brasileira e resistem.”

Câmera nas mãos dos índios

Carelli tem vivência e experiência mais do que suficientes para avaliar essa jornada.  Em 1986,  ele deu início ao projeto Vídeo nas AldeiasLink externo, que utiliza os recursos audiovisuais como forma de fortalecer a identidade e cultura dos . E o crescente interesse pelo chamado cinema indígena é também uma realidade.

“São 30 anos de experiência. Hoje todo mundo filma, inclusive com o celular.  Essa coisa do audiovisual viria de qualquer maneira. Mas acho que conseguimos gerar um interesse e produzir trabalhos que foram muito divulgados no Brasil, e que estimularam e inspiraram outras pessoas. Hoje começa a aparecer o cinema indígena. Trata-se, portanto, de uma longa jornada. Não foi por geração espontânea.”

E os desafios continuam significativos: “O fato é que sempre foi e é um espaço precário. Como se trata de um cinema marginal, há pouco investimento. Hoje em dia nas aldeias não há recurso para fazer formação, uma das principais atividades que a gente fazia. Então, apesar disso, tem gente aqui, acolá, colaborando com algum índio, mas aos trancos e barrancos.”

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Vincent Carelli conta da produção de “Martírio”

Vaquinha

Para conseguir terminar de produzir o filme, Carelli contou com recursos provenientes de crowdfunding (financiamento coletivo). De acordo com o diretor, mil pessoas contribuíram para que o filme pudesse ser finalizado.

“Nesse momento de crise política, não são os partidos, mas a sociedade civil que tem que se reorganizar e voltar à cena política. E num momento em que há uma censura ideológica, inclusive para financiamento da área cultural, e uma ausência de recursos , é fundamental a ação das redes de solidariedade, de articulação e de reflexão. Toda crise gera uma reação. Então, eu acho que quando temos um governo que não nos representa a gente tem que se virar. E no momento o crowdfunding é fundamental. É propício.”

O filme “Martírio” é o segundo de uma trilogia que começou com “Corumbiara” (2009), sobre o massacre indígena em Rondônia, e termina com “Adeus, capitão”, cujas filmagens ainda não começaram.

“A trilogia apresenta casos emblemáticos da situação indígena.  São casos com os quais me envolvi pessoalmente ao longo da vida. Então, é um pouco o meu testemunho pessoal sobre esses processos e a história de cada um desses povos. Os dois primeiros filmes são sobre genocídios e o terceiro contará a história de um povo que quase se extingue e depois se depara com projetos milionários de uma ferrovia que deve atravessar a área onde habita, em Marabá, no Pará. E isso altera totalmente a vida deles. Quero dar meu testemunho.”

Festival marginal em curva ascendente

Além de “Martírio”, a mostra Cine Brasil Marginal contará com 16 filmes, entre longas e curta-metragens. Uma das novidades deste ano é a sessão exclusiva voltada ao público infantil, com seis curta-metragens, que acontece no dia 21 de março. Já a programação para adultos conta ainda com dois filmes da República Dominicana: “Después de Trujillo” (2014) e “Caribbean Fantasy” (2016). Ao longo da mostra também estão programados debates, que acontecerão após a apresentação de alguns dos filmes.

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Sala lotada, público interessado no debate: sucesso da primeira edição do Cine Brasil Marginal, em 2017, estimulou a ampliação da mostra este ano, que conta ainda com dois filmes da República Dominicana.(Leta Motta)

“Na primeira edição da mostra houve uma procura significativa não só pelos públicos brasileiro e latino-americano, mas também pelo suíço. Existe, sim, uma demanda reprimida que procuramos atender”, explica Fabiana Kuriki, uma das organizadoras do evento.

O Cine Brasil Marginal é organizado pelo coletivo TaocaLink externo,  um grupo de profissionais que promove iniciativas de reflexão e debate sociais, e conta com a parceria do Centro Latino-Americano da Universidade de Zurique.

Os filmes são falados em língua original e legendados em inglês.

Anote aí:

Publicado originalmente no site da SwissInfo.ch, Por Dalen Jacomino
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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