Seguir Esperneando: Episódio 08 – Fora, Garimpo!

Seguir Esperneando: Episódio 08 – Fora, Garimpo!

Ouçam o podcast da atriz Lucélia Santos, realizado em parceria com a Revista Xapuri.

Acesse: www.xapuri.info/podcasts

FORA, GARIMPO!

Eu sou Lucélia Santos e você está no Seguir Esperneando, o meu podcast em parceria com a Revista Xapuri.

Neste oitavo episódio, “FORA, GARIMPO!”, denunciamos mais uma ameaça para a Amazônia: a explosão do em áreas indígenas.

Essa história não começa hoje. Nos anos 70, com a abertura da Rodovia Perimetral Norte, pelo regime militar, aldeias inteiras foram dizimadas no extremo norte da Amazônia. Entre os indígenas Yawarip, um subgrupo Yanomami, quem sobreviveu ao contato, virou mendigo na beira da estrada.

No ano de 1993, garimpeiros do ouro assassinaram pelo menos dezesseiss Yanomami da comunidade de Haximu, no estado de Roraima, próximo à fronteira com a Venezuela.  O ataque, conhecido como  “Massacre de Haximu”,  ocorreu de surpresa, no início da manhã, quando a maioria dos homens adultos já estavam fora da aldeia.

Os garimpeiros atiraram em mulheres, crianças e anciãos, e mataram um bebê com um facão.  Antes de irem embora, colocaram fogo na aldeia. Os indígenas que sobreviveram contam que muita gente morreu queimada pelo fogo, pelo menos 73.

O Massacre de Haximu ganhou repercussão internacional. Jornais como o New York Times anunciaram a chacina como uma tentativa de extermínio. Houve grande mobilização pela punição dos assassinos. Deu algum resultado: Haximu foi o primeiro e único crime julgado como genocídio no Brasil.

Mas, dos 23 garimpeiros envolvidos na chacina, apenas cinco foram condenados por genocídio. Ficaram 14 anos presos. E, no ano de 2011, todas as penas foram extintas e todos os condenados foram soltos.

Alguns voltaram a operar dentro da Terra .

Um deles, Pedro Emiliano Garcia, o Pedro Prancheta, é hoje chefe de operações de garimpo e responde por três denúncias do Ministério Público Federal sobre crimes ambientais e novos ataques aos Yanomami.

Nessa nova corrida do ouro, intensificada desde 2019, já são quase 30 mil garimpeiros invasores só em Roraima, um estado amigo do garimpo e hostil aos direitos indígenas.  

É disso que vamos falar. Fora, Garimpo!

UMA VIOLÊNCIA QUE NÃO CESSA

Duda Meirelles:  Eu sou Duda Meirelles e estou neste podcast com a Lucélia Santos, para denunciar a violência do garimpo, que devasta a Amazônia para extrair o ouro às custas do sangue indígena.

O garimpo impacta tudo. A floresta, as árvores, os rios, as montanhas, os locais sagrados, a vida e a cultura dos povos indígenas.

Os pajés falam que as montanhas, os rios e as florestas não estão mais aguentando o que o garimpo está fazendo com a natureza. Os pajés dizem que é por conta do garimpo que as doenças do branco chegam e eles não conseguem mais curar seus povos, nem proteger a floresta.

O garimpeiro faz como o tatu, vai cavando buraco e retirando pedras. Depois, ele usa uma máquina chamada de “moinho” para triturar as pedras. Depois, esse material triturado é lavado com mercúrio para extrair o ouro.  Depois ele joga esse resíduo nos igarapés e nos rios, poluindo o meio ambiente.

São esses resíduos de buraco, contaminados de mercúrio, que vão matando tudo, explicam os indígenas.

ONDE O GARIMPO MAIS ATACA

Lucélia Santos:  Hoje, as terras indígenas que mais sofrem com a ação criminosa do garimpo ilegal do ouro são: Kayapó e Munduruku, no estado do Pará, e Yanomami, em Roraima e no Amazonas.

Juntas, essas três terras indígenas ocupam uma área equivalente à do Estado de São Paulo. É nesse imenso território verde que estão alguns dos trechos mais preservados da .  

A terra indígena mais atingida é a do Kayapó, no sul do Pará. Imagens de satélite mostram que, entre 2017 e 2020, o derrubou 560 campos de futebol, mais do que o dobro do registrado nos 35 anos anteriores.

Essa invasão de garimpeiro levou a Covid para os Kayapó. São 630 casos de infectados e nove mortes por Covid nas aldeias que ficam perto das áreas de garimpo, conforme estudo do Instituto Socioambiental.

O mesmo acontece com os Munduruku. A Terra Indígena Munduruku fica no alto curso do rio Tapajós, no estado do Pará. Nela vivem comunidades indígenas organizadas em aldeias e indígenas em isolamento voluntário, conhecidos por índios isolados.

O garimpo na região vem desde os anos 70. Mas a explosão da garimpagem, seguida de violência, começou em 2019. De janeiro de 2019 a maio de 2021, o aumento da área desmatada em relação a 2018 foi de 363%.

Em maio, a Polícia Federal realizou a Operação Mundurucânia para barrar o garimpo na Terra dos Munduruku. Os garimpeiros reagiram, fecharam estradas, queimaram casas nas aldeias. A operação durou apenas dois dias.

Justo em maio, quando foram registrados 362 hectares em alertas de garimpo dentro da Terra Indígena. São 362 estádios do Maracanã destruídos em apenas um mês. Ou 10 estádios de futebol destruídos pelo garimpo a cada 24 horas.

Entre os Yanomami, recentemente, um avião de garimpeiros aterrissou em uma pista clandestina na comunidade de Homoxi. Um jovem Yanomami de 25 anos foi atropelado e morreu na hora.

O garimpo também avança sobre outras regiões, onde antes não existia ou tinha pouca presença de garimpeiros, em comparação com as terras dos Kayapó, dos Munduruku e dos Yanomami.

É o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde entraram mais de dois mil garimpeiros, das Terras Indígenas de Rondônia, como a Sete de Setembro, do povo Suruí, e as do Maranhão, como a Awá, que até bem pouco tempo não tinha garimpeiros.

O QUE RESPALDA A VIOLÊNCIA

Duda Meirelles: Nos dias de hoje, o Estado brasileiro trabalha contra os indígenas e em favor do garimpo na Amazônia.

Uma série de reportagens da Amazônia Real, com o título ‘Ouro do Sangue Yanomami”, documenta a ação  de gangues poderosas atuando na extração e na comercialização do ouro da Amazônia, sob o olhar conivente de políticos e autoridades.

O crime avança na perspectiva da regulamentação da mineração em terras indígenas. Tramita na Câmara Federal o 191/2020, conhecido como o PL da Devastação, enviado pelo presidente da República, que autoriza os povos indígenas a permitir que pessoas não-indígenas pratiquem  o garimpo em suas terras.

“Só a perspectiva da legalização do garimpo já estimulou as invasões e aumentou a cooptação dos indígenas. Alguns se sentem atraídos pela oferta de participação nos rendimentos, que com certeza não vai acontecer. Com isso, o governo desestrutura a paz que rege a vida comunitária”, dizem os indígenas.  

O ouro do sangue indígena também serve cooptar servidores públicos, como no caso da Covid.

Em julho, os Yanomami denunciaram que servidores da Funai trocaram 106 doses de vacina contra a Covid por ouro. Cada dose foi vendida para os garimpeiros por 15 gramas de ouro, ao valor médio de R$ 10 mil por grama. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal.

O próprio MPF contesta o PL da Devastação,  porque ele fere o disposto na Constituição Federal, que proíbe a mineração em terras indígenas e, ao desconsiderar a consulta prévia e informada, desrespeita a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.  

O descaso e o incentivo do governo federal pode ser demonstrado em decretos e normas que fomentam a expansão desenfreada do garimpo. Entre março e maio de 2020, foram publicadas 195 normas relacionadas ao meio ambiente, no Diário Oficial. Em 2019, no mesmo período, foram 16.

O levantamento, feito pela Folha de São Paulo com o Instituto Talanoa, registra que a grande maioria das publicações vão no sentido de flexibilizar a legislação, para facilitar o desmonte da floresta.

OURO SOBRE SANGUE INDÍGENA

Lucélia Santos: 

Dário Kopenawa, jovem líder indígena, filho do grande , declarou recentemente ao jornal El País: “Meus antepassados morreram pelo mesmo que eu ‘tô’ enfrentando: o garimpo ilegal e a epidemia. Os Yanomami estão sendo infectados pelos garimpeiros. As pessoas estão adoecendo. Eu estou muito preocupado e muito triste. ″

Nos anos 70, a aldeia de Davi foi quase dizimada por uma epidemia de sarampo, trazida por garimpeiros.  Dário e Davi enfrentam hoje os males do mercúrio, da desnutrição e da Covid, trazidos pelo garimpo. 

Os dois seguem na mesma luta contra a invasão do garimpo que, como nunca, cavuca a Terra Yanomami em busca do ouro da morte.   Os Yanomami acreditam que o garimpeiro quando mexe com a terra libera as xawara, as doenças que Omama, o criador de todos os seres, enterrou no solo.

Os Yanomami se entristecem porque o garimpo virou um negócio poderoso, comandado por organizações criminosas, cada dia mais difícil de combater.  

Em 2019, em Brasília, os garimpeiros revelaram em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, que os garimpos na Amazônia lucram de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano.

Essa engrenagem criminosa também enriquece pilotos e donos de aeronaves. O sucesso da atividade garimpeira depende das pequenas aeronaves que aterrissam em pistas clandestinas.

É pelo céu que chegam os mantimentos e as ferramentas para a tropa de choque da destruição. É pelo céu que sai o ouro extraído da terra indígena, que fica distante das estradas e é cortada por rios pouco navegáveis.  

E a remuneração compensa o crime. Alguns chegam a faturar R$ 200 mil por semana, segundo a Polícia Federal.

Entre 2019 e 2020, o garimpo desmatou 21 mil hectares de floresta. Foram retiradas 49 toneladas de ouro das áreas destruídas. Para cada quilo de outro extraído ilegalmente na Amazônia, o prejuízo socioambiental varia de R$ 1,7 milhão a R$ 3 milhões.

Nesse mesmo período de 2019 e 2020, o prejuízo foi de R$ 9,8 bilhões. Os dados são citados pelo Ministério Público Federal, com base em um levantamento da Federal de Minas Gerais.

O garimpo hoje não é mais pé de enxada:  Depende de uma grande logística para levar maquinários caríssimos, combustível, alimento, rádio e internet para dentro da floresta.  

Indígenas e MPF defendem o controle do tráfico aéreo, a destruição das pistas clandestinas e ação do Estado para impedir a abertura de novas pistas.  “Se estrangularmos a logística, o garimpo não acaba, mas sofre um duro golpe”, afirma o procurador Alisson Marugal, do Ministério Público Federal.

O MPF também recomenda urgência na demarcação das terras indígenas – há mais de 300 terras sem homologação – e a digitalização da compra do ouro, para evitar a evasão ilegal dos recursos naturais da floresta.  

Ações improváveis na conjuntura atual, porque dependeriam de um esforço conjunto de diferentes órgãos do poder público, como Anac, Funai, o Ministério da Defesa e a Agência Nacional de Mineração, e porque a máfia do ouro tem o respaldo de políticos, inclusive do presidente da República, que defendem a legalização do garimpo na Amazônia.

Os indígenas depositam alguma nas decisões do Supremo Tribunal Federal. No final deste mês de agosto, o STF vota a tese antiindígena do Marco Temporal. Se rejeitada, ela vai criar uma barreira para a bancada ruralista, que insiste em passar a boiada sobre o que resta de floresta e de terras indígenas.

Há certa razão para a esperança. Por determinação do ministro Luís Roberto Barroso, o Supremo acatou uma solicitação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e determinou ao governo federal a retirada de garimpeiros e invasores dos territórios Araribóia, Karipuna, Kayapó, Munduruku, Trincheira Bacajá, Uru-Eu-Wau-Wau e Yanomami, por meio do Plano Sete Terras Indígenas, proposto pela Apib.

Em respeito ao princípio da interculturalidade, o MPF defende a participação da Apib na execução do Plano, que corre sob segredo de justiça por determinação do STF.

E nós?

Nós o que podemos fazer, neste momento decisivo para o futuro dos nossos povos originários é, em resistência solidária: Seguir Esperneando!

Duda Meirelles: “Seguir Esperneando” é mais um espaço de resistência da Revista Xapuri, construído em parceria com a atriz e militante Lucélia Santos. Este episódio, “FORA, GARIMPO!”, resulta do esforço coletivo de Agamenon Torres; Ana Paula Sabino; Janaina Faustino; Lucélia Santos;  Zezé Weiss; e eu, Duda Meirelles.

O roteiro foi construído com base em documentos e matérias de: Amazônia Real;  Associação Yekuana do Brasil;  Hutukara Associação Yanomami; Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam); Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Instituto Socioambiental (ISA); Jornal El País; Ministério Público Federal.

“Seguir Esperneando é patrocinado por: Bancários-DF – Sindicato dosBancários de Brasília; Fenae – Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômmica Federal; Fetec-CUT Centro Norte – Federação dosTrabalhadores em Empresas de Crédito do Cento Norte; e Sinpro/DF –Sindicato dos Professores no Distrito Federal.

Colabore com a Xapuri, comprando um produto em nossa loja solidária: lojaxapuri.info ou fazendo uma doação via pix: contato@xapuri.info. Até o próximo epsisódio do “Seguir Esperneando”!


Salve! Taí a Revista Xapuri, edição 82, em homenagem ao Jaime Sautchuk, prontinha pra você! Gostando, por favor curta, comente, compartilhe. Boa leitura !

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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