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Chico Mendes

Sputnik: 30 anos da morte de Chico Mendes, violência que o matou está voltando

Sputnik: 30 anos da morte de Chico Mendes, violência que o matou está voltando –

A preservação da Amazônia em prol do desenvolvimento sustentável das comunidades locais e da humanidade foi uma luta encampada pelo seringueiro e ambientalista Chico Mendes. O legado de tal combate, porém, está sob forte ameaça passados 30 anos do seu assassinato, em Xapuri (AC), revelaram ativistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Em 22 de dezembro de 1988, Mendes acabou morto em sua casa, depois de seguidas ameaças de pistoleiros e recados de fazendeiros da região, que viam o extrativismo como um entrave ao avanço da agropecuária e do na região amazônica. E a na floresta, que vitimou o ambientalista, segue a pleno vapor.

“Aqui no nosso município nós estamos sofrendo nos últimos anos, indo para o embate e uma preocupação muito grande voltou porque o que estava acontecendo na época do Chico Mendes está voltando agora. Está tudo voltando, os fazendeiros estão querendo expulsar os trabalhadores das suas terras”, contou à Sputnik Brasil o seringueiro José Alves, diretor de Políticas Agrárias do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

Chico Mendes
© AP PHOTO / ANDRE PENNER
Desmatamento na Amazônia bate recorde pelas mãos de madeireiros e do

Filho de um seringueiro que acabou expulso por fazendeiros de uma área de extração de borracha e outros itens, como a castanha, Alves relembra que Mendes é ainda hoje lembrada pelo seu apoio às famílias que viviam por décadas e gerações na região, mas que acabavam sendo hostilizadas e expulsas por fazendeiros interessados no avanço da pecuária, em detrimento da mata.

Avanço do boi e da bala

Segundo os dados oficiais mais recentes, o desmatamento está em ascensão na Amazônia. Foi registrado um aumento de 40% no desmatamento entre agosto de 2017 e agosto deste ano, mesmo período em que pautas ruralistas avançaram no e a discussão em torno de temas favoráveis ao meio-ambiente foram colocados em xeque por parlamentares e setores da sociedade civil ligados ao agronegócio.

Tais temores da população local, que depende da para sobreviver, foram discutidos em um encontro em Xapuri, realizado entre os dias 15 e 17 de dezembro, no qual mais de 500 pessoas ligadas as comunidades tradicionais e extrativistas de todo o se reuniram na cidade. Além disso, 30 personalidades que dão continuidade ao legado de foram premiadas.

À Sputnik Brasil, o presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Joaquim Bello, revelou que o encontro em Xapuri reuniu várias gerações de trabalhadores e defensores da floresta amazônica, alguns que conviveram diretamente com o famoso ambientalista. Segundo ele, Chico Mendes deixou vários legados nos anos posteriores ao seu assassinato.

“A questão para nós dos territórios de uso coletivo, de uso comum, e aí estou falando da rede extrativista, dos projetos de assentamentos extrativistas, são o conjunto deles que abrigam a moradia através de concessões de direitos de área de uso que é uma tutela jurídica por parte do estado que a gente não tem tido incentivo, temos tido concessões. Então essa agenda foi construída lá atrás pelo Chico e outros companheiros e se transformou, na nossa visão, na maior política pública de um governo”, avaliou.

Bello reforçou que Chico Mendes não via a terra como um ativo de mercado, mas sim como um “ativo que a gente vive, passa nela, morre e outras gerações vão usufruindo”.

“Mudou o pensamento do governo de fazer destinação de terra no modelo da tradicional, na qual a terra vira simplesmente uma mercadoria, um ativo de mercado, e para nós não é isso […]. Então nós temos esse direito de zelar por essa floresta, e temos a obrigação de deixá-la melhor do que recebemos. Não temos o direito de fazer com que as futuras gerações não tenham isso aí, e depois é o nosso meio de produção porque a gente trabalha com castanha, trabalha com borracha, trabalha com açaí, trabalha com babaçu, com piaçava, com um conjunto de produtos de floresta. A nossa economia é de floresta. Então a destruição da floresta ameaça o modo de vida das pessoas e ameaça a sua economia”, acrescentou.

Futuro do medo

Os ativistas ouvidos pela reportagem são unânimes em dizer que temem pelo futuro, sobretudo com os primeiros indicativos do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). José Alves contou ter percebido uma maior confiança dos fazendeiros da área onde vive, tanto que o número de ações judiciais por reintegração de posse teria aumentado.

Chico Mendes
LUCIANA MACÊDO
Preservação da Amazônia: políticas ambientais de Bolsonaro geram ‘imprevisibilidade'

“O que percebemos no nosso município é que para os pequenos as coisas só estão piorando. Após a eleição a gente já vê que aumentou o número de ação judicial, aumentou o número de pedido de reintegração de posse. A gente já vê fazendeiros falando mais alto, se sentindo mais no direito, e uma outra coisa é a questão do desmatamento. Até mesmo os pequenos estão achando que vai ser liberado o desmatamento, a gente vê ele [Bolsonaro] na mídia falando que quer aumentar a área de desmatamento na região amazônica, tirar de 20%, aumentar essa cota. Então isso foi uma empolgação para as grandes. Os pequenos, para eles, são invasores. As coisas não vão ser fáceis daqui para frente, é o que estamos percebendo”, ponderou.

Joaquim Bello vai na mesma linha de percepção. De acordo com ele, a resistência terá de ser mais forte do que nunca, sobretudo diante de dados nada animadores – relatório da ONG britânica Global Witness, que mede a violência contra defensores do , contabilizou 57 mortes no Brasil em 2017 –, seguindo preceitos conhecidos e que custaram a vida de Chico Mendes.

“Desde [o início da] história do nosso país, há 500 anos, esse sistema predatório que a gente está conversando aqui sempre marginalizou, sempre escravizou, e essa luta que vem tanto dos como da nossa tem sido pela liberdade o tempo todo. Por isso que nessa história toda, no processo do povo brasileiro em que estamos inseridos, é lutar pela liberdade, por ter direitos, para ser reconhecido como cidadão de verdade, para que a gente possa conviver de maneira harmoniosa com todo mundo”, concluiu.

ANOTE AÍ

Fonte: Sputnik

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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